Complemento da Ação: Parecer 1316/2021
PARECER DA PROCURADORIA
RELATÓRIO:
Cuidam os autos de Projeto Indicativo de autoria do ilustre Vereador supracitado.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação quantos aos aspectos legais e constitucionais para o início da sua tramitação, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento a Minuta de Projeto Indicativo em estudo, a sua justificativa e o despacho de encaminhamento para elaboração de parecer jurídico prévio.
Por fim, relatado o feito, passo a opinar.
FUNDAMENTAÇÃO:
Como se sabe, a Constituição Federal de 1988 contemplou a existência de entes federativos em três diferentes níveis – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – dotando-os de autonomia e atribuindo a cada um, campos de atuação estatal determinados. Essa discriminação ou repartição de competências, no entanto, pode ser apresentada de duas naturezas: legislativa ou material.
Primeiramente, a matéria veiculada neste Projeto Indicativo se adequa perfeitamente aos princípios de competência legislativa assegurados ao Município, insculpidos no artigo 30, inciso I da Constituição Federal e autorizada pela competência concorrente entre a União Federal e Municípios, prevista no artigo 23 da Constituição Federal. Como se vê:
Art. 23, CF: É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
I – zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;
Art. 30, CF: Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
Ultrapassada a questão da competência, vale dizer que o Projeto Indicativo é a modalidade de proposição disposta no Regimento Interno da Câmara Municipal da Serra, encontrada inciso XVII do Artigo 117, e no Artigo 136, que disciplina como deve ocorrer à recomendação de Projeto de Lei nascida na Câmara e, que se destina ao Poder Executivo, na forma de Minuta de Lei.
Objetiva-se que aquele Poder inicie processo legislativo sobre matéria de sua competência privativa, com isso para melhor compreensão vejamos a transcrição de alguns dos dispositivos legais que regulamentam o Projeto Indicativo. In verbis:
“Art. 117 - São modalidades de proposição: (...).
XVII – os projetos indicativos; (...).”
“Art. 136 – O Projeto Indicativo é a recomendação da Câmara Municipal da Serra ao Poder Executivo local, no sentido de que este promova a abertura de processo legislativo que verse sobre matéria de sua competência.
Parágrafo único. Os Projetos Indicativos terão a forma de Minuta de Projeto de Lei.”
Diante disso, fica claro que a veiculação válida do Projeto Indicativo está necessariamente atrelada à verificação no caso de dois requisitos, quais sejam: a matéria versada seja de competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo e que, como em qualquer ato da Administração, haja interesse público em sua realização.
Analisando o caso concreto, entendo satisfeito o quesito “matéria de competência exclusiva do Prefeito” pois, que se vê, trata-se de atribuições de organização administrativa, dotação orçamentária e outros, é assim nos termos dos incisos I, II, III e V do parágrafo único, do artigo 143, da Lei Orgânica Municipal. Senão vejamos:
“Art. 143. A iniciativa das leis compete a qualquer Vereador ou Comissão da Câmara Municipal, ao Prefeito Municipal, e aos cidadãos na forma e nos casos previstos nesta Lei Orgânica.
Parágrafo único. São de iniciativa privativa do Prefeito as leis que disponham sobre:
I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo ou aumento de sua remuneração;
II - organização administrativa e pessoal da administração do Poder Executivo;
III - servidores públicos do Poder Executivo, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, reforma e transferência de militares para a inatividade;
IV - (...);
V - criação, estruturação e atribuições das Secretarias Municipais e órgãos do Poder Executivo. (GRIFOS NOSSOS)
Assim sendo, tenho por satisfeito o requisito “matéria de competência exclusiva do Chefe do poder Executivo Municipal”.
Porém, cumpre aprofundar e esclarecer que, conforme prescreve o Art. 145, § 2º da Lei Orgânica do Município da Serra, a elevação de um Projeto ao patamar de Lei Municipal passa sempre pela comprovação de dois requisitos indispensáveis, quais sejam: a constitucionalidade e o interesse público em sua realização.
Pois bem. No caso em tela, resta configurado o interesse público no Projeto Indicativo em referência, visto que, como se extrai da justificativa do legislador.
Sabe-se que a edição de normas como essa, se destinam a melhorar a vida da população do Município da Serra indo ao encontro dos anseios do Município e de seus cidadãos, existindo, assim, pelo que entendemos, êxito quanto ao Interesse Público.
No que tange a constitucionalidade, a minuta do Projeto de Lei, que se emerge do presente Projeto Indicativo, como resta evidente pelas considerações acima tecidas, demonstram o relevo da matéria na localidade, se enquadra dentre os temas passíveis de regulamentação pelo ente federado município.
É o que se colhe, também, do art. 196, da Constituição Federal e, dos Arts. 28, I e II, da Carta Maior Capixaba, e do Art. 30, I e II, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da municipalidade para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Tal Projeto visa efetivação de direitos já reconhecidos em tratado internacional “CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR, PUNIR E ERRADICAR A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER - "CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ (1994)” bem como, na Constituição Federal de 1988, e na LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006 (Lei Maria da Penha).
Vejamos alguns pontos sobre importância da participação do Municipio em ações contra a violência contra a mulher:
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Art. 2º Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.
Art. 3º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
§ 1º O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 2º Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.
Art. 4º Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
[...]
DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
CAPÍTULO I
DAS MEDIDAS INTEGRADAS DE PREVENÇÃO
Art. 8º A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:
I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;
II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas;
III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1º , no inciso IV do art. 3º e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal ;
IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher;
V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;
VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;
VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;
VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;
IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.
Desse modo, comprovada a importância e alcance local da medida, a competência do Município da Serra para legislar sobre a matéria é fundamentada. Assim sendo, demonstrada a competência legislativa municipal e verificado que a pretensa norma não fere nenhuma legislação já posta em nível estadual ou nacional, concluímos de forma convicta por sua constitucionalidade material. Por essas razões, entendemos identificado e atendido os requisitos “interesse público” e “constitucionalidade” no caso em questão.
CONCLUSÃO
Posto isso, pelos fundamentos já expostos, OPINA ESTA PROCURADORIA FAVORAVELMENTE ao referido Projeto Indicativo.
Ressaltamos que o presente Parecer é de natureza opinativa e não vinculatório específico para este processo, de modo que, todos aqueles participantes do processo, em especial o gestor público, dentro da margem de discricionariedade, juízo de valor e ação que lhes são conferidos, deverão diligenciar pela observância dos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais no caso em destaque.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que semelhantes ao projeto.
Nesse sentido é o entendimento do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL que, de forma específica, já expôs a sua posição a respeito, in verbis:
“O parecer emitido por procurador ou advogado de órgão da administração pública não é ato administrativo. Nada mais é do que a opinião emitida pelo operador do direito, opinião técnico-jurídica, que orientará o administrador na tomada da decisão, na prática do ato administrativo, que se constitui na execução ex oficio da lei. Na oportunidade do julgamento, porquanto envolvido na espécie simples parecer, ou seja, ato opinativo que poderia ser, ou não, considerado pelo administrador.” (Mandado de Segurança n° 24.584-1 - Distrito Federal - Relator: Min. Marco Aurélio de Mello – STF.) Sem grifo no original.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer, o qual submetemos à apreciação Superior, motivo pelo qual ENCAMINHAMOS os autos a Presidência.
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