Complemento da Ação:
PARECER PRÉVIO DA PROCURADORIA GERAL
Processo nº: 1916/2022
Proposta de emenda à lei orgânica nº: 1/2022
Requerente: Vereador Prof. Rurdiney e outros.
Assunto: Proposta de emenda à lei orgânica que acrescenta o Artigo 78-A à Lei Orgânica do Município da Serra.
Parecer nº: 0307/2022
RELATÓRIO
Cuidam os autos de Proposta de Emenda à Lei Orgânica Municipal subscrita pelo Vereador Prof. Rurdiney e outros que acrescenta o Artigo 78-A à Lei Orgânica do Município da Serra.
Em justificativa, alegam os Vereadores subscritores que a função fiscalizadora do Poder Legislativo Municipal mediante controle externo, prevista no artigo 31 da Constituição Federal e no artigo 96 da Lei Orgânica do Município da Serra, é uma das principais atribuições do Legislativo. Nesse prisma, a proposta de emenda à Lei Orgânica visa fortalecer as ações fiscalizatórias em relação a atuação do poder Executivo na execução do orçamento e na implementação de políticas públicas, motivo pelo qual propuseram a presente proposta de emenda à lei orgânica.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação quantos aos aspectos legais e constitucionais para o início da sua tramitação, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento a Minuta de Proposta de emenda à lei orgânica em estudo, a correspondente Justificativa e os despachos de encaminhamento para elaboração de parecer jurídico prévio.
FUNDAMENTAÇÃO
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
Ab initio, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no item 7.1 da Lei Municipal nº 2.656/2006, o qual determina à Procuradoria o assessoramento da Mesa Diretora e da Presidência desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 95/86.
Nesse diapasão, convém destacar que a emissão do presente parecer não representa óbice a eventual análise jurídica acerca de outras questões não abordadas no mesmo ou no tocante ao mérito da matéria submetida ao apreço, em caso de solicitação pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência.
Nessa vereda, ressalta-se que no presente parecer jurídico preliminar, de um modo geral, aprecia-se a legalidade e constitucionalidade da proposta de emenda à lei orgânica sobre três perspectivas elementares: i) a matéria legislativa proposta deve se encontrar entre aquelas autorizadas pela CF/88 aos Municípios; ii) se foi respeitada a rígida observância das preferências quanto à iniciativa para proposição prevista pela ordem jurídico-constitucional; iii) a possibilidade de violação por parte da matéria legislativa proposta à direitos fundamentais ou instituições tuteladas por regras ou princípios constitucionais.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, se percebe claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I e II, e 99, XIV, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Com relação à iniciativa para propositura da proposta de emenda, observamos que esta se encontra subscrita por 09 Vereadores, o que corresponde a mais de 1/3 um terço dos membros do Legislativo, encontrando-se apta para seu prosseguimento, senão vejamos o art. 148, II da Lei Orgânica:
Art. 148 - A Lei Orgânica Municipal poderá ser emendada mediante proposta:
II - de 1/3 (um terço), no mínimo, dos membros da Câmara Municipal.
Quanto ao mérito da proposta, já houve manifestação do Tribunal de Justiça quanto a este tema na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 0012801-27.2015.8.08.0000.
Nesta representação de inconstitucionalidade o Prefeito Municipal da Serra pretendia ver declarada a inconstitucionalidade de alguns artigos, dentre os quais o artigo 136-A, que tratava especificamente da convocação dos secretários Municipais pela Câmara ou por suas comissões para prestarem esclarecimentos.
Em seu Voto, o Exmo. Senhor Desembargador José Paulo Calmon Nogueira da Gama, fazendo um paralelo com os modelos federal e estadual, entendeu que não se reputava inconstitucional a previsão elencada nos citados incisos do artigo 195 e também no inciso III do art. 136-A, que tratava da convocação dos Secretários Municipais pela Câmara ou por suas comissões para prestarem esclarecimentos acerca das respectivas pastas, senão vejamos o acórdão:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ORGÂNCIA DO MUNICÍPIO DA SERRA. DISPOSITIVOS QUE DEFINEM CONDUTAS COMO CRIME DE RESPONSABILIDADE. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL. TÉCNICA DE INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. DISPOSITIVOS QUE VERSAM CONTROLE EXTERNO DO PODER LEGISLATIVO SOBRE O PODER EXECUTIVO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA SIMETRIA E DA independência e harmonia entre os poderes. DISPOSITIVOS QUE TRATAM DA CONVOCAÇÃO E DOS PRAZOS IMPOSTOS PELO PODER LEGISLATIVO A AUTORIDADES DO PODER. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA SIMETRIA OU PARALELISMO. FUNÇÃO CONSTITUCIONAL DO PODER LEGISLATIVO. FISCALIZAÇÃO DO PODER EXECUTIVO. DIREITO FUNDAMENTAL DE PETIÇÃO. representação de INCONSTITUCIONALIDADE julgada parcialmente procedente.
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15) Quanto aos incisos X e XXIII do art. 95 e inciso III do art. 136-A, que preveem a convocação do Prefeito e Secretários pela Câmara Municipal, bem como o dever de prestar esclarecimentos quando solicitados, vale salientar que a Suprema Corte, em atenção à regra da simetria entende que os ¿Estados-membros não podem criar novas interferências de um Poder na órbita de outro que não derive explícita ou implicitamente de regra ou princípio da Lei Fundamental¿. (ADI 3.046, Rel Min. Sepúlveda Pertence)
16) Sob essa perspectiva, os poderes constituintes estadual e municipal devem se ater aos limites do modelo constitucional federal, não podendo, pois, ampliar o rol de autoridades que se sujeitam, no plano federal, à convocação e ao dever de prestar informações à Câmara dos Deputados, ao Senado Federal ou a qualquer das respectivas comissões.
17) Seguindo esse necessário paralelismo, a Constituição do Estado do Espírito Santo, com a alteração promovida pelo julgamento da ADI 291⁄ES, previu a convocação de autoridades estaduais que exercem atividades semelhantes aos Ministros de Estado e os titulares de órgãos e entidades da Administração Pública Federal, conforme dispõe o caput do art. 57 e seu parágrafo segundo.
18) Desse modo, ressoa evidente que a previsão contida nos incisos X e XXIII do art. 95 da Lei Orgânica do Município da Serra, que autoriza à Câmara convocar o Prefeito, não segue o paradigma das constituições federal e estadual, extrapolando, assim, as fronteiras do esquema de freios e contrapesos que norteia os poderes da república.
19) De outro modo, fazendo um paralelo com os modelos federal e estadual, não se reputa inconstitucional a previsão elencada nos citados incisos do art. 195 e também no inciso III do art. 136-A de convocação dos Secretários Municipais pela Câmara ou por suas comissões para prestarem esclarecimentos acerca das respectivas pastas.
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25) Representação de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente.
ACORDA o Egrégio Tribunal Pleno, em conformidade da ata e notas taquigráficas da sessão, que integram este julgado, à unanimidade, julgar parcialmente procedente a representação de inconstitucionalidade para declarar inconstitucionais, com efeito ex tunc, (i) o §13 do art. 31; os parágrafos 4º e 7° do art. 33; inciso IX do art. 72; o parágrafo único do art. 97; o §1° do art. 168 e o §4° do art. 193; (ii) as expressões ¿importando crime de responsabilidade a ausência sem justificativa adequada¿, ¿sob pena de crime de responsabilidade¿ e ¿convocar o Prefeito¿ constante nos incisos X e XXIII do art. 95; (iii) a expressão ¿no prazo de 05 dias¿ constante no caput do art. 193, todos da Lei Orgânica Municipal da Serra; e (iv) a interpretação do art. 74 da referida Lei Orgânica Municipal segundo a qual configura crime de responsabilidade a autoridade ou o servidor público negar ou retardar a emissão de certidões requeridas por interessados. Vitória, 24 de agosto de 2015. DESEMBARGADOR PRESIDENTE DESEMBARGADOR RELATOR
(TJES, Classe: Direta de Inconstitucionalidade, 100150018511, Relator : JOSÉ PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA, Órgão julgador: TRIBUNAL PLENO, Data de Julgamento: 24/08/2015, Data da Publicação no Diário: 31/08/2015) (grifo nosso)
Em arremate, nos estritos termos do entendimento do Tribunal de Justiça, não existe manifestação de inconstitucionalidade para a previsão de determinação de prestação de contas quadrimestral por parte dos Secretários Municipais.
Todavia, eventual regulamentação desta convocação não pode ocorrer na forma de Resolução própria da Câmara Municipal, devendo, se for o caso, a proposta incluir toda a forma de convocação e procedimentos para oitiva do Secretário, na forma que é feita pelo Governador na Constituição do Estado do Espírito Santo.
Com relação às questões de técnica legislativa, observo que a redação da proposta de emenda à Lei orgânica não atendeu às principais diretrizes da Lei Complementar 95/98, o que não impede que os argumentos aqui utilizados não possam ser utilizados pelas Comissões competentes para a sua aprovação, dentro da margem da conveniência e oportunidade.
Ressalto ainda que em consulta ao sítio eletrônico desta Casa, esta emenda legislativa não se encontra rejeitada nesta Sessão Legislativa, não incidindo, a princípio, o óbice previsto no artigo 67 da CF.
Ante a todo o exposto, com base nos elementos dos atos, é forçosa a conclusão de que a Proposta de Emenda à Lei Orgânica 01/2022 NÃO se reveste de regularidade formal para seu prosseguimento.
CONCLUSÃO
Posto isso, firmada em todas as razões e fundamentos já expostos, opina esta Procuradoria pelo NÃO prosseguimento da Proposta de Emenda à Lei Orgânica 01/2022, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Ressaltamos que o presente Parecer é de natureza opinativa e não vinculatório, de modo que, todos aqueles participantes do processo, em especial o gestor público, dentro da margem de discricionariedade, juízo de valor e ação que lhes são conferidos, deverão diligenciar pela observância dos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais no caso em destaque.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática da proposta de emenda à lei orgânica, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que parecidos a este projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer que submetemos à apreciação do Procurador Geral.
Serra/ES, 01 de junho de 2022.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
Procurador
Nº Funcional 4073096
NATALINA MÁRCIA DE OLIVEIRA
Assessora Jurídica
Nº funcional 4121490
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