| Recebimento: 10/06/2025 |
Fase: Distribuir proposição ao Procurador para elaboração de parecer |
Setor:Procuradoria |
| Envio: 17/11/2025 09:54:08 |
Ação: Parecer Emitido
|
Tempo gasto: 159 dias, 20 horas, 16 minutos
|
Complemento da Ação: Processo nº: 3609/2025
Projeto de Lei nº: 745/2025
Requerente: Vereadora Andrea Duarte
Assunto: “Institui a Campanha Municipal de Check-up Preventivo para os Profissionais de Saúde da Rede Pública Municipal da Serra/ES, com foco na saúde física e mental, e dá outras providências”.
Parecer nº: 779/2025
PARECER DA PROCURADORIA GERAL
1. RELATÓRIO
Cuidam os autos de Projeto de Lei nº 745/2025, de autoria do Vereadora Andrea Duarte, que “Institui a Campanha Municipal de Check-up Preventivo para os Profissionais de Saúde da Rede Pública Municipal da Serra/ES, com foco na saúde física e mental, e dá outras providências”.
Em sua fundamentação o Nobre Vereador justificou “A motivação desta proposta parte da necessidade urgente de valorização e cuidado com os profissionais de saúde, que enfrentam rotinas exaustivas, muitas vezes negligenciando a própria saúde em função do atendimento à comunidade. Essa realidade compromete não apenas o bem-estar desses trabalhadores, mas também a eficiência do serviço público de saúde”.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação da constitucionalidade do Projeto de Lei, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento o projeto de Lei e justificativa, motivo pelo qual a Presidência desta Casa de Lei nos encaminhou os autos para a sua análise jurídica preliminar. Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, considerando a importância e urgência da proposta sob avaliação, passo a opinar de forma direta e objetiva.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
Inicialmente, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no art. 18, IV, da Lei Municipal nº 6.134/2025, o qual determina à Procuradoria elaborar pareceres escritos nos processos que lhe forem encaminhados pelo Presidente desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 278/2020.
Nesse diapasão, convém destacar que a emissão do presente parecer não representa óbice a eventual análise jurídica acerca de outras questões não abordadas no mesmo ou no tocante ao mérito da matéria submetida ao apreço, em caso de solicitação pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência.
Nessa vereda, ressalta-se que no presente parecer jurídico preliminar, de um modo geral, aprecia-se a legalidade e constitucionalidade do projeto de lei sobre três perspectivas elementares: a um, a matéria legislativa proposta deve se encontrar entre aquelas autorizadas pela CF/88 aos Municípios; a dois, se foi respeitada a rígida observância das preferências quanto à iniciativa para proposição prevista pela ordem jurídico-constitucional; a três, a possibilidade de violação por parte da matéria legislativa proposta à direitos fundamentais ou instituições tuteladas por regras ou princípios constitucionais.
Em via reflexa, cumpre destacar que a aprovação de um projeto de lei também passa pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, percebe-se claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I e II, e 99, XXVIII, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Constituição Federal
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Constituição Estadual
Art. 28. Compete ao Município:
I - legislar sobre assunto de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e estadual no que couber;
Art. 30 - Compete ao Município da:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - Suplementar a legislação federal e estadual, no que couber;
Nesse sentido, o equilíbrio entre os Poderes Legislativo e Executivo depende do respeito às suas competências constitucionais. No processo de criação de normas, é fundamental distinguir o papel de cada um:
Política Pública: É a diretriz, o objetivo, a norma geral e abstrata que o Poder Legislativo pode e deve estabelecer. Consiste em definir "o que" deve ser feito e "por que", traçando os contornos de uma finalidade de interesse público. Exemplo: uma lei que estabelece a "Política Municipal de Valorização do Servidor", determinando que o município deve promover ações para a saúde e o bem-estar de seus funcionários.
Programa de Governo (ou Ação Administrativa): É o instrumento de execução da política pública. Consiste em definir "como", "quando" e "com quais recursos" a política será implementada. A criação de programas, projetos, campanhas e a definição de seus detalhes operacionais são atos de gestão, de competência exclusiva do Poder Executivo.
Ao Poder Legislativo cabe criar a política; ao Poder Executivo, transformá-la em realidade por meio de programas e ações concretas.
Vale destacar que o Projeto de Lei em análise não se limita a instituir uma política pública genérica de saúde do servidor. Ao propor uma "Campanha", ele detalha uma ação administrativa específica, ou seja, um Programa de Governo.
A análise de seus artigos evidencia essa usurpação de competência:
Art. 3º: "A Campanha será executada preferencialmente por meio da rede municipal de saúde já existente." Este dispositivo é o ponto central do vício. Ele não apenas cria uma obrigação, mas determina o meio de sua execução, direcionando a utilização de órgãos e recursos da Administração. A decisão sobre como alocar a capacidade da rede de saúde é um ato de gestão privativo do Chefe do Executivo.
Art. 1º, § 1º: "A Campanha será realizada preferencialmente durante o mês de aniversário do servidor..." Ao sugerir um cronograma e uma metodologia para a ação, o Legislativo interfere no planejamento administrativo, que deve ser definido pelo Executivo com base em critérios de oportunidade, conveniência e capacidade operacional.
Essa ingerência indevida na organização e funcionamento da administração pública viola frontalmente a reserva de iniciativa do Poder Executivo, conforme jurisprudência consolidada:
STF — RE 1254886 RJ 0033794-51.2016.8.19.0000 — Publicado em 13/08/2020 - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PROCESSO LEGISLATIVO. ADMINISTRATIVO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. LEI MUNICIPAL. MATÉRIA DE COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – Esta Corte possui entendimento firmado no sentido de que há inconstitucionalidade formal em lei de iniciativa parlamentar que disponha sobre atribuições ou estabeleça obrigações a órgãos públicos, pois, nestes casos, cuida-se de matéria da competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo. II – Agravo regimental a que se nega provimento.
Há inconstitucionalidade formal em lei de iniciativa parlamentar que disponha sobre atribuições ou estabeleça obrigações a órgãos públicos, pois, nestes casos, cuida-se de matéria da competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo.
A proposição, portanto, não cria uma "política", mas um "programa", invadindo a esfera de execução que não lhe pertence. O Art. 4º, que prevê a regulamentação pelo Executivo, não convalida o projeto, pois o vício está na sua origem (iniciativa), sendo, portanto, insanável.
Com relação às questões de técnica legislativa, observo que o projeto de lei atendeu às principais diretrizes da Lei Complementar 95/98, o que não impede eventuais aperfeiçoamentos pelas Comissão deste Parlamento, dentro da margem da conveniência e oportunidade.
Ressalto ainda que em consulta ao sítio eletrônico desta Casa, esta proposta legislativa não se encontra rejeitada nesta Sessão Legislativa, não incidindo, a princípio, o óbice previsto no artigo 67 da CF, e tampouco já foi proposta por outro parlamentar, conforme o § 1º, do Art. 141 do Regimento Interno.
Frisa-se que, nada obsta que posteriormente, a matéria contida nestes autos de processo legislativo seja enviada por meio de Projeto Indicativo.
Como se sabe, o Projeto Indicativo é modalidade de proposição inserta no Regimento Interno da Câmara Municipal, especificamente no artigo 136, que se conceitua como a recomendação da Câmara de Vereadores ao Poder Executivo Municipal, em forma de Minuta de Lei, para que aquele Poder inicie processo legislativo sobre matéria de sua competência privativa.
Para melhor compreensão, vejamos a transcrição de alguns dos dispositivos legais que regulamentam o Projeto Indicativo:
Art. 136 O Projeto Indicativo é a recomendação da Câmara Municipal da Serra ao Poder Executivo local, no sentido de que este promova a abertura de processo legislativo que verse sobre matéria de sua competência.
Parágrafo único. Os Projetos Indicativos terão a forma de Minuta de Projeto de Lei.
Feita a transcrição, fica claro que a veiculação válida do Projeto Indicativo está necessariamente atrelada à verificação no caso de dois requisitos, quais sejam, que a matéria versada seja de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo e que, como em qualquer ato da Administração, haja interesse público em sua realização.
No caso concreto entendemos satisfeito o quesito “iniciativa privativa do Prefeito”, pelos fundamentos descritos anteriormente, de modo que a referida matéria poderá, caso entendam os nobres edis, ser enviada por meio de Projeto Indicativo.
Diante disso, ainda que reconhecendo os elevados valores que imbuíram a proposição da norma, não há como endossar o Projeto de Lei em avaliação tendo em vista que tratam da estruturação de órgãos do Executivo Municipal.
3. CONCLUSÃO
Posto isso, firmada em todas as razões e fundamentos já expostos, opina esta Procuradoria pelo não prosseguimento do Projeto de Lei nº 745/2025, por latente Inconstitucionalidade Formal, por Vício de Iniciativa, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Ressaltamos que o presente Parecer é de natureza opinativa e não vinculatório específico para este processo, de modo que, todos aqueles participantes do processo, em especial o gestor público, dentro da margem de discricionariedade, juízo de valor e ação que lhes são conferidos, deverão diligenciar pela observância dos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais no caso em destaque.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que parecidos a este projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer.
Serra/ES, 13 de novembro de 2025.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
Procurador
Nº Funcional 4073096
MAYCON VICENTE DA SILVA
Assessor Jurídico
Nº Funcional 4113594-2
|
Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
|
|
|
|