| Recebimento: 29/05/2025 |
Fase: Distribuir proposição ao Procurador para elaboração de parecer |
Setor:Procuradoria |
| Envio: 16/10/2025 15:11:09 |
Ação: Parecer Emitido
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Tempo gasto: 140 dias, 3 horas, 26 minutos
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Complemento da Ação: Processo nº: 2613/2025
Projeto de Lei nº: 629/2025
Requerente: Vereador Antônio Carlos CeA
Assunto: Cria a Base da Guarda Civil Litorânea com sede em Jacaraípe e atuação em todos os balneários do Município da Serra, e dá outras providências.
Parecer nº: 665/2025
PARECER DA PROCURADORIA GERAL
1. RELATÓRIO
Cuidam os autos de Projeto de Lei nº 629/2025, de autoria do Vereador Antônio Carlos CeA, que “Cria a Base da Guarda Civil Litorânea com sede em Jacaraípe e atuação em todos os balneários do Município da Serra”.
Em seus fundamentos o Ilustre Vereador defende que “A presente proposição visa estruturar uma resposta permanente, organizada e preventiva às necessidades de segurança pública nos balneários da Serra. Com sede em Jacaraípe e atuação em toda a extensão litorânea, a Guarda Civil Litorânea será instrumento fundamental na proteção dos moradores, turistas, patrimônios naturais e bens públicos, principalmente durante os períodos de alta temporada, eventos e festas populares”.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação da constitucionalidade do Projeto de Lei, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento o projeto de Lei e justificativa, motivo pelo qual a Presidência desta Casa de Lei nos encaminhou os autos para a sua análise jurídica preliminar. Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, considerando a importância e urgência da proposta sob avaliação, passo a opinar de forma direta e objetiva.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
Ab initio, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no art. 18, IV, da Lei Municipal nº 6.134/2025, o qual determina à Procuradoria elaborar pareceres escritos nos processos que lhe forem encaminhados pelo Presidente desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 278/2020.
Nesse diapasão, convém destacar que a emissão do presente parecer não representa óbice a eventual análise jurídica acerca de outras questões não abordadas no mesmo ou no tocante ao mérito da matéria submetida ao apreço, em caso de solicitação pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência.
Nessa vereda, ressalta-se que no presente parecer jurídico preliminar, de um modo geral, aprecia-se a legalidade e constitucionalidade do projeto de lei sobre três perspectivas elementares: a um, a matéria legislativa proposta deve se encontrar entre aquelas autorizadas pela CF/88 aos Municípios; a dois, se foi respeitada a rígida observância das preferências quanto à iniciativa para proposição prevista pela ordem jurídico-constitucional; a três, a possibilidade de violação por parte da matéria legislativa proposta à direitos fundamentais ou instituições tuteladas por regras ou princípios constitucionais.
Em via reflexa, cumpre destacar que a aprovação de um projeto de lei também passa pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, percebe-se claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I e II, e 99, XXVIII, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Constituição Federal
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Constituição Estadual
Art. 28. Compete ao Município:
I - legislar sobre assunto de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e estadual no que couber;
Art. 30 - Compete ao Município da:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - Suplementar a legislação federal e estadual, no que couber;
Inicialmente, cumpre registrar que o Município possui competência para legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I, da Constituição Federal), e que não há óbice para tratar de assuntos relacionados a Guarda Civil.
Contudo, o ponto central da análise reside na verificação da competência para a iniciativa do processo legislativo. A Lei Orgânica do Município da Serra (LOM), em seu artigo 143, estabelece a regra geral da iniciativa concorrente, permitindo que qualquer Vereador, Comissão, o Prefeito ou os cidadãos proponham leis.
Nesse sentido, o parágrafo único do mesmo artigo estabelece as matérias de iniciativa privativa do Prefeito Municipal, entre as quais se destaca:
Art. 143, Parágrafo Único. São de iniciativa privativa do Prefeito as leis que disponham sobre: (...)
V - criação, estruturação e atribuições das Secretarias Municipais e órgãos do Poder Executivo.
O Projeto de Lei nº 629/2025, ao propor a criação de uma "Base da Guarda Civil Litorânea", com definição de sede e finalidades, interfere diretamente na estrutura organizacional da Guarda Civil Municipal, que é um órgão integrante da administração pública do Poder Executivo.
Dessa forma, a proposição por um membro do Poder Legislativo invade a esfera de competência exclusiva do Prefeito Municipal, configurando um vício de iniciativa insanável e uma clara violação ao princípio da separação dos poderes.
A jurisprudência é uníssona em reconhecer a inconstitucionalidade de normas com esse mesmo vício.
STF - AgR RE: 1232084 DF, Relator: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 13/12/2019, Primeira Turma, Data de Publicação: 03/02/2020 - AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. LEI DISTRITAL 5.422/2014 PROPOSTA PELO PODER LEGISLATIVO. LEI QUE INTERFERE NA ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DE ÓRGÃOS PÚBLICOS SUJEITOS À DIREÇÃO SUPERIOR DO PODER EXECUTIVO. VÍCIO DE INICIATIVA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. 3º, 4º E 5º. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. - Tem-se, na origem, ação direta de inconstitucionalidade proposta em face da Lei Distrital 5.422, de 24 de novembro de 2014 - que disque sobre a obrigatoriedade de avaliação dos impactos das políticas fiscais, tributárias e creditícias do Governador do Distrito Federal e dá outras providências”. Apesar de não criar expressamente órgãos ou cargos públicos, os dispositivos da Lei Distrital que ora se analisam atribuem deveres ao ESTADO, que, claramente, demandam a atuação da Administração Pública. A iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, estabelecida no rt. 61, § 1º, II, c , da Constituição Federa, para legislar sobre a organização administrativa no âmbito do ente federativo, veda que os demais legitimados para o processo legislativo proponham leis que criem, alterem ou extingam órgãos públicos, ou que lhes cominem novas atribuições. Precedentes. Agravo Interno a que se nega provimento.
A iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, estabelecida no art. 61, § 1º, II, c e e, da Constituição Federal, para legislar sobre a organização administrativa no âmbito do ente federativo, veda que os demais legitimados para o processo legislativo proponham leis que criem, alterem ou extingam órgãos públicos, ou que lhes cominem novas atribuições.
No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) tem decidido reiteradamente que leis de iniciativa parlamentar que impõem obrigações e afetam a estrutura de órgãos do Executivo são inconstitucionais, como se verifica na AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5005136-88.2023.8.08.0000.
Há inconstitucionalidade formal em artigos de lei que afetam a estrutura do Executivo de maneira sensível, impondo-lhe obrigação relacionada à admissão e à atribuição de pessoal, repercutindo nas atribuições pré-definidas de órgãos municipais e de servidores públicos. A inconstitucionalidade reside também na violação ao princípio da Separação dos Poderes.
Embora a intenção do legislador seja meritória, a forma escolhida para sua implementação é incompatível com a ordem constitucional. A criação de novas estruturas administrativas, é um ato de gestão e organização típico do Poder Executivo.
Com relação às questões de técnica legislativa, observo que o projeto de lei atendeu às principais diretrizes da Lei Complementar 95/98, o que não impede eventuais aperfeiçoamentos pelas Comissão deste Parlamento, dentro da margem da conveniência e oportunidade.
Ressalto ainda que em consulta ao sítio eletrônico desta Casa, esta proposta legislativa não se encontra rejeitada nesta Sessão Legislativa, não incidindo, a princípio, o óbice previsto no artigo 67 da CF, e tampouco já foi proposta por outro parlamentar, conforme o § 1º, do Art. 141 do Regimento Interno.
Destarte, nada obsta que posteriormente, a matéria contida nestes autos de processo legislativo seja enviada por meio de Projeto Indicativo.
Como se sabe, o Projeto Indicativo é modalidade de proposição inserta no Regimento Interno da Câmara Municipal, especificamente no artigo 136, que se conceitua como a recomendação da Câmara de Vereadores ao Poder Executivo Municipal, em forma de Minuta de Lei, para que aquele Poder inicie processo legislativo sobre matéria de sua competência privativa.
Para melhor compreensão, vejamos a transcrição de alguns dos dispositivos legais que regulamentam o Projeto Indicativo:
Art. 136 O Projeto Indicativo é a recomendação da Câmara Municipal da Serra ao Poder Executivo local, no sentido de que este promova a abertura de processo legislativo que verse sobre matéria de sua competência.
Parágrafo único. Os Projetos Indicativos terão a forma de Minuta de Projeto de Lei.
Feita a transcrição, fica claro que a veiculação válida do Projeto Indicativo está necessariamente atrelada à verificação no caso de dois requisitos, quais sejam, que a matéria versada seja de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo e que, como em qualquer ato da Administração, haja interesse público em sua realização.
No caso concreto entendemos satisfeito o quesito “iniciativa privativa do Prefeito”, pelos fundamentos descritos anteriormente, de modo que a referida matéria poderá, caso entendam os nobres edis, ser enviada por meio de Projeto Indicativo.
Diante disso, ainda que reconhecendo os elevados valores que imbuíram a proposição da norma, não há como endossar o Projeto de Lei em avaliação tendo em vista que tratam da estruturação de órgãos do Executivo Municipal.
3. CONCLUSÃO
Posto isso, firmada em todas as razões e fundamentos já expostos, opina esta Procuradoria pelo não prosseguimento do Projeto de Lei nº 629/2025, por latente Inconstitucionalidade Formal, por vício de iniciativa, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Ressaltamos que o presente Parecer é de natureza opinativa e não vinculatório específico para este processo, de modo que, todos aqueles participantes do processo, em especial o gestor público, dentro da margem de discricionariedade, juízo de valor e ação que lhes são conferidos, deverão diligenciar pela observância dos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais no caso em destaque.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que parecidos a este projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer.
Serra/ES, 16 de outubro de 2025.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
Procurador
Nº Funcional 4073096
MAYCON VICENTE DA SILVA
Assessor Jurídico
Nº Funcional 4113594-2
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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