Complemento da Ação: Processo nº: 4089/2025
Projeto de Lei nº: 802/2025
Requerente: Vereadora George Guanabara
Assunto: “Institui a Política Municipal de Compartilhamento de Imagens de Câmeras Privadas no Município da Serra/ES – CICP”.
Parecer nº: 470/2025
PARECER DA PROCURADORIA GERAL
1. RELATÓRIO
Cuidam os autos de Projeto de Lei nº 802/2025, de autoria da Vereadora George Guanabara, que “Institui a Política Municipal de Compartilhamento de Imagens de Câmeras Privadas no Município da Serra/ES – CICP”. Em seus fundamentos o Ilustre Vereador defende que “O presente Projeto de Lei tem por objetivo instituir a Política Municipal de Compartilhamento de Imagens de Câmeras Privadas no Município da Serra – CICP, um marco legal inovador e estratégico para o aprimoramento da segurança pública em nossa cidade. A proposta visa consolidar a cooperação entre o poder público municipal e a iniciativa privada, promovendo um ambiente urbano mais seguro e resiliente para todos os cidadãos da Serra”.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação da constitucionalidade do Projeto de Lei, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento o projeto de Lei e justificativa, motivo pelo qual a Presidência desta Casa de Lei nos encaminhou os autos para a sua análise jurídica preliminar. Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, considerando a importância e urgência da proposta sob avaliação, passo a opinar de forma direta e objetiva.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
Ab initio, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no art. 18, IV, da Lei Municipal nº 6.134/2025, o qual determina à Procuradoria elaborar pareceres escritos nos processos que lhe forem encaminhados pelo Presidente desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 278/2020.
Nesse diapasão, convém destacar que a emissão do presente parecer não representa óbice a eventual análise jurídica acerca de outras questões não abordadas no mesmo ou no tocante ao mérito da matéria submetida ao apreço, em caso de solicitação pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência.
Nessa vereda, ressalta-se que no presente parecer jurídico preliminar, de um modo geral, aprecia-se a legalidade e constitucionalidade do projeto de lei sobre três perspectivas elementares: a um, a matéria legislativa proposta deve se encontrar entre aquelas autorizadas pela CF/88 aos Municípios; a dois, se foi respeitada a rígida observância das preferências quanto à iniciativa para proposição prevista pela ordem jurídico-constitucional; a três, a possibilidade de violação por parte da matéria legislativa proposta à direitos fundamentais ou instituições tuteladas por regras ou princípios constitucionais.
Em via reflexa, cumpre destacar que a aprovação de um projeto de lei também passa pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, percebe-se claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I e II, e 99, XXVIII, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Constituição Federal
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Constituição Estadual
Art. 28. Compete ao Município:
I - legislar sobre assunto de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e estadual no que couber;
Lei Orgânica do Município da Serra
Art. 7º - O Poder Executivo Municipal, em prazo não superior a 180 (cento e oitenta) dias, apresentará o Projeto do Código de Postura Municipal, para votação pela Câmara Municipal.
Art. 30 - Compete ao Município da:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - Suplementar a legislação federal e estadual, no que couber;
A proposta busca, em síntese:
Criar uma política de cooperação voluntária entre o setor público e a iniciativa privada para o compartilhamento de imagens de câmeras de segurança.
Atribuir à Secretaria Municipal de Defesa Social a responsabilidade pela coordenação, recebimento, tratamento e integração das imagens cedidas.
Determinar que o Poder Executivo regulamente a matéria no prazo de 90 dias.
O objetivo é fortalecer a segurança pública municipal, utilizando a infraestrutura privada existente para ampliar a capacidade de monitoramento da cidade, em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Com efeito, em se tratando de propositura que visa instituir a Política Municipal de Compartilhamento de Imagens de Câmeras Privadas (CICP) no Município da Serra, este invade as atribuições do Poder Executivo, impondo obrigações à Administração Pública, aparentemente caracteriza interferência do Legislativo nas atribuições privativas do Poder Executivo.
O ponto central da análise é a verificação da competência para iniciar o processo legislativo sobre a matéria. A Lei Orgânica do Município da Serra, em seu artigo 143, estabelece as matérias de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo:
Art. 143. (...)
Parágrafo Único. São de iniciativa privativa do Prefeito as leis que disponham sobre: (...)
V - criação, estruturação e atribuições das Secretarias Municipais e órgãos do Poder Executivo.
Ao analisar o Projeto de Lei nº 802/2025, observa-se que seu artigo 4º dispõe expressamente sobre as funções de um órgão da administração direta:
Art. 4º A Secretaria Municipal de Defesa Social será responsável pela coordenação, recebimento, tratamento e integração das imagens cedidas (...)
Dessa forma, o projeto, ao criar novas e específicas atribuições para a Secretaria Municipal de Defesa Social, interfere diretamente na organização e no funcionamento de um órgão do Poder Executivo. Essa matéria, conforme o inciso “V” do parágrafo único do artigo 143 da Lei Orgânica, é de iniciativa exclusiva do Prefeito Municipal.
A proposição por um membro do Poder Legislativo configura, portanto, um vício de iniciativa insanável, que macula a constitucionalidade do projeto por violar o princípio da separação dos poderes.
Apesar do vício formal, o mérito da proposta é louvável. A matéria tratada, segurança pública e cooperação com a sociedade, é de competência municipal, conforme o interesse local (art. 30, I, da Constituição Federal). A criação de uma política de compartilhamento de imagens, com respeito à LGPD, é uma medida pertinente e alinhada às modernas práticas de gestão de segurança.
Não há, portanto, um vício material no conteúdo da proposta, que se mostra alinhada ao interesse público.
Com relação às questões de técnica legislativa, O projeto de lei está redigido de forma clara e objetiva, com seus artigos organizados de maneira lógica. A linguagem utilizada é adequada e a estrutura segue os padrões da boa técnica legislativa.
Ressalto ainda que em consulta ao sítio eletrônico desta Casa, esta proposta legislativa não se encontra rejeitada nesta Sessão Legislativa, não incidindo, a princípio, o óbice previsto no artigo 67 da CF, e tampouco já foi proposta por outro parlamentar, conforme o § 1º, do Art. 141 do Regimento Interno.
Destarte, nada obsta que posteriormente, a matéria contida nestes autos de processo legislativo seja enviada por meio de Projeto Indicativo.
Como se sabe, o Projeto Indicativo é modalidade de proposição inserta no Regimento Interno da Câmara Municipal, especificamente no artigo 136, que se conceitua como a recomendação da Câmara de Vereadores ao Poder Executivo Municipal, em forma de Minuta de Lei, para que aquele Poder inicie processo legislativo sobre matéria de sua competência privativa.
Para melhor compreensão, vejamos a transcrição de alguns dos dispositivos legais que regulamentam o Projeto Indicativo:
Art. 136 O Projeto Indicativo é a recomendação da Câmara Municipal da Serra ao Poder Executivo local, no sentido de que este promova a abertura de processo legislativo que verse sobre matéria de sua competência.
Parágrafo único. Os Projetos Indicativos terão a forma de Minuta de Projeto de Lei.
Feita a transcrição, fica claro que a veiculação válida do Projeto Indicativo está necessariamente atrelada à verificação no caso de dois requisitos, quais sejam, que a matéria versada seja de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo e que, como em qualquer ato da Administração, haja interesse público em sua realização.
No caso concreto entendemos satisfeito o quesito “iniciativa privativa do Prefeito”, pelos fundamentos descritos anteriormente, de modo que a referida matéria poderá, caso entendam os nobres edis, ser enviada por meio de Projeto Indicativo.
Diante disso, ainda que reconhecendo os elevados valores que imbuíram a proposição da norma, não há como endossar o Projeto de Lei em avaliação tendo em vista que tratam da estruturação de órgãos do Executivo Municipal.
3. CONCLUSÃO
Posto isso, firmada em todas as razões e fundamentos já expostos, opina esta Procuradoria pelo não prosseguimento do Projeto de Lei nº 802/2025, embora meritório em seu conteúdo, apresenta vício formal de iniciativa, por tratar de matéria reservada à competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo, conforme o art. 143, parágrafo único, V, da Lei Orgânica do Município da Serra, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Ressaltamos que o presente Parecer é de natureza opinativa e não vinculatório específico para este processo, de modo que, todos aqueles participantes do processo, em especial o gestor público, dentro da margem de discricionariedade, juízo de valor e ação que lhes são conferidos, deverão diligenciar pela observância dos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais no caso em destaque.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que parecidos a este projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer.
Serra/ES, 21 de julho de 2025.
LUIZ GUSTAVO GALLON BIANCHI
Procurador
Nº Funcional 4075277
MAYCON VICENTE DA SILVA
Assessor Jurídico
Nº Funcional 4113594-2
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