| Recebimento: 29/05/2025 |
Fase: Distribuir proposição ao Procurador para elaboração de parecer |
Setor:Procuradoria |
| Envio: 26/11/2025 13:49:29 |
Ação: Parecer Emitido
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Tempo gasto: 181 dias, 2 horas, 7 minutos
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Complemento da Ação: Processo nº: 3376/2025
Projeto de lei nº: 723/2025
Requerente: Vereador Cabo Rodrigues
Assunto: “Proíbe a contratação de shows e eventos pelo município da Serra de artistas que cantem músicas que façam apologia ao crime organizado, tráfico ou uso de drogas ou ataques as forças policiais”.
Parecer nº: 809/2025
PARECER DA PROCURADORIA GERAL
1. RELATÓRIO
Cuidam os autos de Projeto de Lei nº 723/2025, de autoria do Vereador Cabo Rodrigues, que “Proíbe a contratação de shows e eventos pelo município da Serra de artistas que cantem músicas que façam apologia ao crime organizado, tráfico ou uso de drogas ou ataques as forças policiais”.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação da constitucionalidade do Projeto de Lei, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento o projeto de Lei e justificativa, motivo pelo qual a Presidência desta Casa de Lei nos encaminhou os autos para a sua análise jurídica preliminar. Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, considerando a importância e urgência da proposta sob avaliação, passo a opinar de forma direta e objetiva.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
Inicialmente, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no art. 18, IV, da Lei Municipal nº 6.134/2025, o qual determina à Procuradoria elaborar pareceres escritos nos processos que lhe forem encaminhados pelo Presidente desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 278/2020.
Nesse diapasão, convém destacar que a emissão do presente parecer não representa óbice a eventual análise jurídica acerca de outras questões não abordadas no mesmo ou no tocante ao mérito da matéria submetida ao apreço, em caso de solicitação pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência.
Nessa vereda, ressalta-se que no presente parecer jurídico preliminar, de um modo geral, aprecia-se a legalidade e constitucionalidade do projeto de lei sobre três perspectivas elementares: a um, a matéria legislativa proposta deve se encontrar entre aquelas autorizadas pela CF/88 aos Municípios; a dois, se foi respeitada a rígida observância das preferências quanto à iniciativa para proposição prevista pela ordem jurídico-constitucional; a três, a possibilidade de violação por parte da matéria legislativa proposta à direitos fundamentais ou instituições tuteladas por regras ou princípios constitucionais.
Em via reflexa, cumpre destacar que a aprovação de um projeto de lei também passa pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, percebe-se claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I e II, e 99, XXVIII, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Constituição Federal
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Constituição Estadual
Art. 28. Compete ao Município:
I - legislar sobre assunto de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e estadual no que couber;
Art. 30 - Compete ao Município da:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - Suplementar a legislação federal e estadual, no que couber;
A proposição, embora meritória em suas intenções de proteger a infância e a juventude, apresenta vícios de inconstitucionalidade formais e materiais que impedem sua aprovação.
A Constituição Federal estabelece um rigoroso sistema de repartição de competências legislativas entre os Poderes. No âmbito municipal, a Lei Orgânica do Município da Serra (LOM) reproduz esse modelo, definindo em seu artigo 143 as matérias cuja iniciativa para legislar é reservada ao Chefe do Poder Executivo.
O parágrafo único do referido artigo estabelece que são de iniciativa privativa do Prefeito as leis que disponham sobre:
II - organização administrativa e pessoal da administração do Poder Executivo; (...)
V - criação, estruturação e atribuições das Secretarias Municipais e órgãos do Poder Executivo.
O Projeto de Lei em análise, ao proibir a contratação de determinados artistas, interfere diretamente em atos de gestão e administração que são de competência exclusiva do Poder Executivo. A decisão sobre quais artistas contratar para eventos municipais é um ato típico de administração, que envolve planejamento, alocação de recursos e execução de políticas culturais.
Ao criar uma regra de proibição, o projeto impõe uma nova atribuição aos órgãos da Prefeitura (como a Secretaria de Cultura ou de Turismo), que passariam a ter o dever de fiscalizar o conteúdo das obras dos artistas antes de contratá-los. Isso caracteriza uma clara interferência na organização e nas atribuições da administração pública, matéria reservada à iniciativa do Prefeito.
O Supremo Tribunal Federal (STF) já consolidou o entendimento de que leis de iniciativa parlamentar que, a pretexto de legislar sobre matéria de interesse local, acabam por criar novas obrigações e interferir na gestão administrativa do Executivo, são inconstitucionais por vício de iniciativa.
Conforme a tese fixada no Tema 917 de Repercussão Geral, não há usurpação de competência do Executivo em lei de iniciativa parlamentar que crie despesas, desde que não trate da estrutura ou da atribuição de seus órgãos.
EMENTA: AGRAVO INTERNO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 5.499/2018 DO MUNICÍPIO DE VOLTA REDONDA. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR. AUSÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO EXECUTIVO. TEMA 917 DA REPERCUSSÃO GERAL. Cuida-se, na origem, de Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo PREFEITO DO MUNICÍPIO DE VOLTA REDONDA em face da Lei Municipal 5.499, de 5 de julho de 2018, de origem parlamentar, que dispõe sobre a divulgação das listagens dos pacientes que aguardam por consultas com especialistas, exames e cirurgias na rede pública do Município de Volta Redonda e da outras providências. O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro julgou procedente o pedido, declarando a inconstitucionalidade da norma, com efeitos ex tunc, aos fundamentos de que (a) a norma incorre em inconstitucionalidade formal, pois cria nova rotina e atribuições à Administração Pública Municipal; e (b) a norma padece também de inconstitucionalidade material, já que “importa em evidente e indevida interferência do Poder Legislativo na organização do Poder Executivo” (Vol. 1, fl. 6). A respeito da matéria, o Plenário do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no julgamento do ARE 878.911-RG, Tema 917 da Repercussão Geral, firmou tese no sentido de que: “Não usurpa competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, § 1º, II, a, c e e, da Constituição Federal)”. A Lei Municipal 5.499/2018, do Município de Volta Redonda, não prevê a criação de qualquer estrutura dentro da Administração Municipal, tampouco interfere no regime jurídico de servidores públicos municipais. A norma em nada altera a organização e o funcionamento dos órgãos da Administração municipal já existentes, de modo que não há que se falar em desrespeito à iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo. Precedentes do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no mesmo sentido, em casos nos quais eram questionadas leis de iniciativa parlamentar que impunham à Administração a formação e divulgação de cadastros/listagens ( RE 1.298.077-AgR, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe de 15/3/2021; RE 613.481, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe de 9/4/2014). Agravo Interno a que se nega provimento. (STF - RE: 1329296 RJ, Relator: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 03/10/2022, Primeira Turma, Data de Publicação: 07/10/2022)
A Lei Municipal 5.499/2018, do Município de Volta Redonda, não prevê a criação de qualquer estrutura dentro da Administração Municipal, tampouco interfere no regime jurídico de servidores públicos municipais. A norma em nada altera a organização e o funcionamento dos órgãos da Administração municipal já existentes, de modo que não há que se falar em desrespeito à iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo.
No caso em tela, o projeto cria uma nova atribuição para os órgãos do Executivo (a de censor do conteúdo artístico), o que se enquadra na vedação do Tema 917 e configura usurpação da competência privativa do Prefeito, violando o princípio da separação dos poderes.
EMENTA: AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. LEI DISTRITAL 5.422/2014 PROPOSTA PELO PODER LEGISLATIVO. LEI QUE INTERFERE NA ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DE ÓRGÃOS PÚBLICOS SUJEITOS À DIREÇÃO SUPERIOR DO PODER EXECUTIVO. VÍCIO DE INICIATIVA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. 3º, 4º E 5º. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. Tem-se, na origem, ação direta de inconstitucionalidade proposta em face da Lei Distrital 5.422, de 24 de novembro de 2014 - que ?dispõe sobre a obrigatoriedade de avaliação dos impactos das políticas fiscais, tributárias e creditícias do Governador do Distrito Federal e dá outras providências?. Apesar de não criar expressamente órgãos ou cargos públicos, os dispositivos da Lei Distrital que ora se analisam atribuem deveres ao ESTADO, que, claramente, demandam a atuação da Administração Pública. A iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, estabelecida no art. 61, § 1º, II, c e e, da Constituição Federal, para legislar sobre a organização administrativa no âmbito do ente federativo, veda que os demais legitimados para o processo legislativo proponham leis que criem, alterem ou extingam órgãos públicos, ou que lhes cominem novas atribuições. Precedentes. Agravo Interno a que se nega provimento. (STF - AgR RE: 1232084 DF, Relator: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 13/12/2019, Primeira Turma, Data de Publicação: 03/02/2020)
A iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, estabelecida no art. 61, § 1º, II, c e e, da Constituição Federal, para legislar sobre a organização administrativa no âmbito do ente federativo, veda que os demais legitimados para o processo legislativo proponham leis que criem, alterem ou extingam órgãos públicos, ou que lhes cominem novas atribuições.
Portanto, o Projeto de Lei padece de vício formal insanável.
Doutro giro, além do vício formal, o projeto apresenta grave inconstitucionalidade material por violar direitos e garantias fundamentais, notadamente a liberdade de expressão artística, prevista no art. 5º, IX, e no art. 220 da Constituição Federal.
O art. 220, § 2º, da Constituição é categórico ao vedar toda e qualquer forma de censura de natureza política, ideológica e artística. A proposta legislativa, ao proibir a contratação de artistas com base no conteúdo de suas músicas, institui uma clara modalidade de censura prévia, o que é expressamente vedado pela ordem constitucional.
Ainda que o objetivo seja coibir a "apologia ao crime", a definição do que se enquadra nessa categoria é subjetiva e perigosa. Termos vagos como "ataques às forças policiais" ou "apologia à pornografia" abrem margem para interpretações arbitrárias e para a perseguição de manifestações artísticas que, embora possam ser críticas ou controversas, são protegidas pela liberdade de expressão.
O combate à criminalidade e a proteção de crianças e adolescentes devem ser feitos por meios legítimos e que não impliquem o sacrifício de garantias constitucionais. A proibição generalizada e prévia de manifestações artísticas não é o caminho adequado em um Estado Democrático de Direito.
Nesse lamiré, o consulente sugere a possibilidade de o parecer ser pelo prosseguimento com ressalvas, caso o vício possa ser suprimido. No presente caso, isso é inviável.
O núcleo do Projeto de Lei é o seu artigo 5º, que contém o comando proibitivo. Os artigos 1º a 4º são meramente declaratórios e servem de justificativa para a proibição. A inconstitucionalidade, tanto formal quanto material, reside justamente no ato de proibir, que é a própria essência da proposta. A supressão do artigo 5º esvaziaria completamente o projeto, tornando-o inócuo.
Dessa forma, o vício de iniciativa é insanável, pois contamina a própria concepção da lei, não sendo possível sua correção por meio de emendas.
Por derradeiro, adicionalmente aos vícios de inconstitucionalidade apontados, observa-se que o Projeto de Lei foi apresentado sem a devida justificativa.
A justificativa é peça processual obrigatória e essencial à técnica legislativa, conforme preceitua o Regimento Interno desta Casa. Sua finalidade é expor os motivos fáticos e jurídicos que fundamentam a proposição, permitindo que os parlamentares compreendam o alcance, a pertinência e a necessidade da medida legislativa proposta.
A ausência da justificativa compromete a análise de mérito e a própria deliberação parlamentar, pois priva os vereadores dos elementos necessários para formar seu convencimento sobre a matéria. Trata-se de um vício na instrução formal do projeto que, por si só, já seria suficiente para prejudicar sua tramitação. Este defeito formal, somado às graves inconstitucionalidades de iniciativa e de mérito já detalhadas, reforça a inviabilidade jurídica da proposta. Com relação às questões de técnica legislativa, observo que o projeto de lei atendeu às principais diretrizes da Lei Complementar 95/98, o que não impede eventuais aperfeiçoamentos pelas Comissão deste Parlamento, dentro da margem da conveniência e oportunidade.
Ressalto ainda que em consulta ao sítio eletrônico desta Casa, esta proposta legislativa não se encontra rejeitada nesta Sessão Legislativa, não incidindo, a princípio, o óbice previsto no artigo 67 da CF, e tampouco já foi proposta por outro parlamentar, conforme o § 1º, do Art. 141 do Regimento Interno.
Diante disso, ainda que reconhecendo os elevados valores que imbuíram a proposição da norma, não há como endossar o Projeto de Lei em avaliação tendo em vista que tratam da estruturação de órgãos do Executivo Municipal.
3. CONCLUSÃO
Posto isso, firmada em todas as razões e fundamentos já expostos, opina esta Procuradoria pelo não prosseguimento do Projeto de Lei nº 723/2025, por latente Inconstitucionalidade Formal e Material, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Ressaltamos que o presente Parecer é de natureza opinativa e não vinculatório específico para este processo, de modo que, todos aqueles participantes do processo, em especial o gestor público, dentro da margem de discricionariedade, juízo de valor e ação que lhes são conferidos, deverão diligenciar pela observância dos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais no caso em destaque.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que parecidos a este projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer.
Serra/ES, 25 de novembro de 2025.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
Procurador
Nº Funcional 4073096
MAYCON VICENTE DA SILVA
Assessor Jurídico
Nº Funcional 4113594-2
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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