| Recebimento: 24/03/2025 |
Fase: Distribuir proposição ao Procurador para elaboração de parecer |
Setor:Procuradoria |
| Envio: 07/11/2025 17:12:01 |
Ação: Parecer Emitido
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Tempo gasto: 228 dias, 2 horas, 18 minutos
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Complemento da Ação: Processo nº: 1147/2025
Projeto de Lei nº: 250/2025
Requerente: Vereador Stefano Andrade
Assunto: “Dispõe Sobre a Alteração na Forma de Exibição das Demais Deduções Salariais dos Servidores no Portal da Transparência Municipal e da Outras Providencias”.
Parecer nº: 753/2025
PARECER DA PROCURADORIA GERAL
1. RELATÓRIO
Cuidam os autos de Projeto de Lei nº 250/2025, de iniciativa parlamentar, subscrito pelo nobre Vereador Stefano Andrade, que visa alterar a forma de exibição das informações remuneratórias dos servidores públicos no Portal da Transparência do Município da Serra.
A proposição busca vedar a exposição de descontos de caráter pessoal (Art. 1º) e instituir a obrigatoriedade de uma nota explicativa sobre a composição do valor líquido divulgado (Art. 2º). A justificativa do projeto invoca a necessidade de equilibrar o princípio da transparência com a proteção de direitos fundamentais à privacidade e à intimidade dos servidores, em linha com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação da constitucionalidade do Projeto de Lei, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento o projeto de Lei e justificativa, motivo pelo qual a Presidência desta Casa de Lei nos encaminhou os autos para a sua análise jurídica preliminar. Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, considerando a importância e urgência da proposta sob avaliação, passo a opinar de forma direta e objetiva.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
Ab initio, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no art. 18, IV, da Lei Municipal nº 6.134/2025, o qual determina à Procuradoria elaborar pareceres escritos nos processos que lhe forem encaminhados pelo Presidente desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 278/2020.
Nesse diapasão, convém destacar que a emissão do presente parecer não representa óbice a eventual análise jurídica acerca de outras questões não abordadas no mesmo ou no tocante ao mérito da matéria submetida ao apreço, em caso de solicitação pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência.
Nessa vereda, ressalta-se que no presente parecer jurídico preliminar, de um modo geral, aprecia-se a legalidade e constitucionalidade do projeto de lei sobre três perspectivas elementares: a um, a matéria legislativa proposta deve se encontrar entre aquelas autorizadas pela CF/88 aos Municípios; a dois, se foi respeitada a rígida observância das preferências quanto à iniciativa para proposição prevista pela ordem jurídico-constitucional; a três, a possibilidade de violação por parte da matéria legislativa proposta à direitos fundamentais ou instituições tuteladas por regras ou princípios constitucionais.
Em via reflexa, cumpre destacar que a aprovação de um projeto de lei também passa pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, percebe-se claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I e II, e 99, XXVIII, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Constituição Federal
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Constituição Estadual
Art. 28. Compete ao Município:
I - legislar sobre assunto de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e estadual no que couber;
Art. 30 - Compete ao Município da:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - Suplementar a legislação federal e estadual, no que couber;
A análise da proposição legislativa deve ser realizada sob dois prismas: o controle de constitucionalidade formal, que avalia o processo de sua criação, e o controle de constitucionalidade material, que examina seu conteúdo.
A. Da Análise da Constitucionalidade Formal: Vício de Iniciativa
O princípio da separação dos Poderes, consagrado no art. 2º da Constituição Federal e replicado na esfera municipal, estabelece uma divisão de funções entre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, garantindo o equilíbrio e a harmonia institucional. Desse princípio decorre a regra do processo legislativo, que reserva a iniciativa de certas matérias com exclusividade a um determinado Poder.
A Constituição Federal, em seu art. 61, § 1º, elenca as matérias cuja iniciativa legislativa é privativa do Chefe do Poder Executivo. Essas regras são de observância obrigatória pelos municípios, por força do princípio da simetria.
A Lei Orgânica do Município da Serra, em seu artigo 143, disciplina a matéria de forma análoga:
Art. 143 A iniciativa das leis compete a qualquer Vereador ou Comissão da Câmara Municipal, ao Prefeito Municipal, e aos cidadãos na forma e nos casos previstos nesta Lei Orgânica.
Parágrafo Único. São de iniciativa privativa do Prefeito as leis que disponham sobre:
I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo ou aumento de sua remuneração;
II - organização administrativa e pessoal da administração do Poder Executivo;
III - servidores públicos do Poder Executivo, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (...)
V - criação, estruturação e atribuições das Secretarias Municipais e órgãos do Poder Executivo.
O Projeto de Lei em análise, ao determinar a forma como dados remuneratórios de servidores devem ser tratados e exibidos no Portal da Transparência, um serviço público gerido pela administração direta, interfere diretamente na organização administrativa e na gestão de pessoal do Poder Executivo. A norma proposta cria uma obrigação específica para órgãos da Prefeitura, alterando a execução de um serviço administrativo.
Portanto, a matéria se enquadra na reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, conforme os incisos II, III e V do parágrafo único do art. 143 da Lei Orgânica Municipal. A proposição por um membro do Poder Legislativo configura o que se denomina vício de iniciativa, uma falha formal insanável que macula a constitucionalidade do projeto.
A jurisprudência dos tribunais superiores é pacífica nesse sentido, reafirmando que leis de iniciativa parlamentar que disponham sobre a estrutura, atribuições ou regime de servidores de órgãos do Executivo são inconstitucionais.
O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do RE 1.445.377, reafirmou a tese de que há reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo para edição de normas que alterem o regime jurídico dos servidores públicos.
Na mesma linha, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5004689-03.2023.8.08.0000, declarou a inconstitucionalidade de uma lei municipal de iniciativa parlamentar que criava atribuições para uma Secretaria Municipal, por violação à iniciativa reservada ao Prefeito.
Embora o STF tenha fixado a tese no Tema 917 de Repercussão Geral (ARE 878.911) de que "não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos", o caso em tela é distinto. O projeto não apenas gera um potencial impacto administrativo, mas trata diretamente da atribuição de um órgão do Executivo (o responsável pelo Portal da Transparência) e da forma de gestão de informações de seus servidores, incidindo precisamente na exceção prevista pela tese.
B. Da Análise da Constitucionalidade Material: Ponderação entre Transparência e Privacidade
Superada a questão formal, a análise de mérito revela que o objetivo do projeto é louvável e alinhado aos preceitos constitucionais. A proposta busca ponderar dois princípios de grande relevância:
Princípio da Publicidade/Transparência (Art. 37, CF/88): Exige que a administração pública atue de forma transparente, permitindo o controle social sobre a gestão dos recursos públicos, o que inclui as despesas com pessoal.
Direito à Privacidade e à Proteção de Dados (Art. 5º, X e LXXIX, CF/88): Garante a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, bem como a proteção dos dados pessoais, nos termos da lei (LGPD - Lei nº 13.709/2018).
A divulgação da remuneração dos servidores é uma exigência da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011). Contudo, a exposição de "descontos de caráter pessoal", como empréstimos consignados, pensões alimentícias ou contribuições para planos de saúde privados, excede o interesse público e adentra a esfera privada do servidor, podendo gerar constrangimento e exposição indevida.
O projeto, ao propor a ocultação desses dados sensíveis e a inclusão de uma nota explicativa, parece encontrar um equilíbrio razoável entre os princípios em conflito. Ele não impede o controle social sobre os gastos públicos (a remuneração bruta e os descontos obrigatórios permanecem visíveis), mas protege informações que dizem respeito unicamente à vida privada do indivíduo.
Do ponto de vista material, portanto, a proposta não apresenta inconstitucionalidade, pois visa concretizar e harmonizar garantias fundamentais.
Com relação às questões de técnica legislativa, observo que o projeto de lei atendeu às principais diretrizes da Lei Complementar 95/98, o que não impede eventuais aperfeiçoamentos pelas Comissão deste Parlamento, dentro da margem da conveniência e oportunidade.
Ressalto ainda que em consulta ao sítio eletrônico desta Casa, esta proposta legislativa não se encontra rejeitada nesta Sessão Legislativa, não incidindo, a princípio, o óbice previsto no artigo 67 da CF, e tampouco já foi proposta por outro parlamentar, conforme o § 1º, do Art. 141 do Regimento Interno.
Destarte, nada obsta que posteriormente, a matéria contida nestes autos de processo legislativo seja enviada por meio de Projeto Indicativo.
Como se sabe, o Projeto Indicativo é modalidade de proposição inserta no Regimento Interno da Câmara Municipal, especificamente no artigo 136, que se conceitua como a recomendação da Câmara de Vereadores ao Poder Executivo Municipal, em forma de Minuta de Lei, para que aquele Poder inicie processo legislativo sobre matéria de sua competência privativa.
Para melhor compreensão, vejamos a transcrição de alguns dos dispositivos legais que regulamentam o Projeto Indicativo:
Art. 136 O Projeto Indicativo é a recomendação da Câmara Municipal da Serra ao Poder Executivo local, no sentido de que este promova a abertura de processo legislativo que verse sobre matéria de sua competência. Parágrafo único. Os Projetos Indicativos terão a forma de Minuta de Projeto de Lei.
Feita a transcrição, fica claro que a veiculação válida do Projeto Indicativo está necessariamente atrelada à verificação no caso de dois requisitos, quais sejam, que a matéria versada seja de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo e que, como em qualquer ato da Administração, haja interesse público em sua realização.
No caso concreto entendemos satisfeito o quesito “iniciativa privativa do Prefeito”, pelos fundamentos descritos anteriormente, de modo que a referida matéria poderá, caso entendam os nobres edis, ser enviada por meio de Projeto Indicativo.
Diante disso, ainda que reconhecendo os elevados valores que imbuíram a proposição da norma, não há como endossar o Projeto de Lei em avaliação tendo em vista que tratam da estruturação de órgãos do Executivo Municipal.
3. CONCLUSÃO
Posto isso, firmada em todas as razões e fundamentos já expostos, opina esta Procuradoria pelo não prosseguimento do Projeto de Lei nº 250/2025, por latente vício de iniciativa, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Ressaltamos que o presente Parecer é de natureza opinativa e não vinculatório específico para este processo, de modo que, todos aqueles participantes do processo, em especial o gestor público, dentro da margem de discricionariedade, juízo de valor e ação que lhes são conferidos, deverão diligenciar pela observância dos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais no caso em destaque.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que parecidos a este projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer.
Serra/ES, 29 de outubro de 2025.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
Procurador
Nº Funcional 4073096
MAYCON VICENTE DA SILVA
Assessor Jurídico
Nº Funcional 4113594-2
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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