Complemento da Ação: PROCESSO Nº.: 1.451/2022
PROJETO INDICATIVO Nº.: 29/2022
REQUERENTE: Vereador Dr.º William Miranda
ASSUNTO: Projeto Indicativo que dispõe sobre a obrigatoriedade de ações socioeducativas nas escolas da rede municipal, visando afirmar a importância da garantia da igualdade de oportunidades, no trabalho e na sociedade, para as mulheres.
PARECER Nº.: 562/2022
EMENTA: Socioeducativo. Educação Fundamental. Crianças e Adolescentes. Igualdade de Gêneros. Mulheres. Competência Suplementar. Iniciativa Concorrente. Constitucionalidade. Prosseguimento.
PARECER PRÉVIO DA PROCURADORIA GERAL
1 - RELATÓRIO
A eminente Presidência desta Casa Legislativa encaminhou-nos, consoante disposição do artigo 139 c/c artigo 117, inciso XVII, da Resolução Municipal nº.: 278/2020[1], o Processo em epígrafe para análise e emissão do respectivo Parecer Jurídico, com a apreciação de seus aspectos legais e constitucionais, oportunizando assim a continuidade de sua tramitação.
Até o presente momento os Autos são compostos de Minuta de Projeto Indicativo e despachos de encaminhamento para elaboração de Parecer Jurídico prévio.
O Projeto Indicativo de Lei, por sua vez, de autoria do ilustríssimo e emérito Vereador DR.º WILLIAM MIRANDA, tem como objeto a obrigatoriedade de ações socioeducativas nas escolas da rede municipal, visando afirmar a importância da garantia da igualdade de oportunidades, no trabalho e na sociedade, para as mulheres.
A justificativa[2] apresentada, pelo douto Vereador, se resume em conscientizar os alunos sobre a importância do respeito às mulheres e a necessidade da garantia da igualdade de gênero, tanto no trabalho como na sociedade de modo geral.
Afirma, ainda, que visa regulamentar artigos elencados nas Leis nº.: 11.340/06 (Lei Maria da Penha) e 13.185/15 (Lei de Combate ao Bullying).
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
2 - FUNDAMENTAÇÃO
2.1 – Natureza Jurídica do Parecer
O Parecer corresponde a manifestação enunciativa, com finalidade precípua de auxiliar tecnicamente a autoridade solicitante, possuindo, portanto, caráter estritamente opinativo e orientador, consoante disposto no Anexo VI, Item 7.1 da Lei Municipal nº.: 2.656/2003.
Quanto ao seu objeto, a análise se restringirá aos aspectos legais e documentações carreadas, até o presente momento, nos autos em testilha, não cabendo a este órgão se imiscuir em questões meritórias ou discricionárias do Ordenador de Despesas.
Em arremate, consignamos que a emissão do parecer não representa impedimento a eventuais consultas e análises jurídicas suscitadas supervenientemente pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência desta Cassa Legislativa.
2.2 – Da Juridicidade e da Constitucionalidade
O controle de constitucionalidade consubstancia mecanismo importante à verificação da compatibilidade entre a lei ou qualquer ato normativo infraconstitucional à Carta Magna, apurando-se o fundamento de validade desta em face do ordenamento jurídico. Com relação ao tema, o autor Flávio Martins[3] apresenta um conceito elucidativo:
Controle de constitucionalidade consiste na verificação da compatibilidade das leis e dos atos normativos com a Constituição. Decorre da supremacia formal da Constituição sobre as demais leis do ordenamento jurídico de um país. Ora, se a Constituição é a lei mais importante do ordenamento jurídico, sendo o pressuposto de validade de todas as leis, para que uma lei seja válida precisa ser compatível com a Constituição. Caso a lei ou o ato normativo não seja compatível com a Constituição, será inválido, inconstitucional.
A própria Lei Orgânica Municipal (Lei nº.: 0/1990, art. 30, XI), de modo expresso, dispõe[4] o dever do Município ao respeito a constitucionalidade e a legalidade, nos seguintes termos:
Art. 30 - Compete ao Município da Serra:
[...]
XI - zelar pela guarda da Constituição Federal, da Constituição Estadual, desta Lei Orgânica, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;
Ultrapassada esta premissa, destaca-se que a aferição da constitucionalidade pode se dar sob o prisma material e formal.
O controle material de constitucionalidade é aquele que leva em consideração se conteúdo da matéria da proposição é de competência de determinado ente. Enquanto o controle formal visa aferir se o processo legislativo fora respeitado. É o entendimento da doutrina pátria[5], a seguir:
Há duas espécies de inconstitucionalidade por ação: material e formal.
a) Inconstitucionalidade material
Ocorre a inconstitucionalidade material quando o conteúdo da lei ou ato normativo fere a Constituição. Assim, se o conteúdo de uma lei violar as regras ou princípios constitucionais, poderá ser declarado inconstitucional, pelo vício material.
[...]
Se o conteúdo da lei violar regra ou princípio constitucional, será declarado materialmente inconstitucional.
b) Inconstitucionalidade formal
Ao contrário da inconstitucionalidade material, na qual o problema está no conteúdo da norma, na inconstitucionalidade formal, o problema, o vício, está no processo de criação da norma, na sua forma, portanto.
[...]
b.1) Inconstitucionalidade formal orgânica
Trata-se do vício de inconstitucionalidade decorrente da incompetência para elaboração da lei ou ato normativo. A Constituição Federal enumera a competência dos entes federativos.
[...]
b.2) Inconstitucionalidade formal propriamente dita
A inconstitucionalidade formal propriamente dita ocorre quando há um vício no processo de formação da lei (processo legislativo). O vício pode se dar em qualquer uma das fases desse processo. Primeiramente, pode ocorrer um vício de iniciativa.
b.3) Inconstitucionalidade formal por violação a pressupostos objetivos do ato normativo
[...]
Em algumas situações, a lei, ou ato normativo, é feita pela autoridade correta, legítima, respeita integralmente o seu procedimento de criação, mas não atende a um requisito objetivo externo.
2.2.1 – Da Constitucionalidade Material
Sob o prisma do controle material de constitucionalidade e de legalidade, a matéria do Projeto Indicativo de Lei em tela não fere os princípios constitucionais, nem a legislação infraconstitucional.
O Município possui competência material, aquelas relativas ao exercício e à implementação de políticas públicas ou de atividades administrativas, para atuar na área de programas de educação infantil e de ensino fundamental, conforme dispõe a Constituição, ipsis litteris:
Art. 30. Compete aos Municípios:
[...]
VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental;
Ademais, a Proposição em testilha busca concretizar a Constituição Federal, a Lei Orgânica do Município, e as Leis nº.: 11.340/06 (Lei Maria da Penha), 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) e 13.185/15 (Lei de Combate ao Bullying), a seguir:
Constituição Federal
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
III - a dignidade da pessoa humana;
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
(Grifos apostos)
Lei Orgânica Municipal (LC nº.: 0/1990)
Art. 11- É dever do Município assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda as formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Art. 14 - É assegurado a todo cidadão, nos termos das Constituições Federal e Estadual e desta Lei Orgânica, o direito social à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância, à assistência aos desamparados, bem como ao transporte e ao meio ambiente equilibrado e ao seu desenvolvimento com a construção de uma comunidade livre, justa e solidária, fundamentada na autonomia, na cidadania, na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho e no pluralismo político, exercendo seu poder de decisão de munícipe.
Art. 234-C - É dever da família, da sociedade e do Poder Público assegurar à criança e ao adolescente, com prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Art. 234-E - O Município, de forma coordenada com o Estado, procurará desenvolver programas de combate e prevenção à violência contra a mulher buscando garantir:
(Grifos apostos)
Estatuto da Criança e do Adolescente
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
(Grifos apostos)
Lei Maria da Penha:
Art. 2º - Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.
Art. 3º - Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
[...]
§ 2º - Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.
Art. 8º - A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:
[...]
V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;
[...]
VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;
IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.
(Grifos apostos)
Lei de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying).
Art. 1º Fica instituído o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying) em todo o território nacional.
§ 1º No contexto e para os fins desta Lei, considera-se intimidação sistemática (bullying) todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.
§ 2º O Programa instituído no caput poderá fundamentar as ações do Ministério da Educação e das Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, bem como de outros órgãos, aos quais a matéria diz respeito.
[...]
Art. 4º Constituem objetivos do Programa referido no caput do art. 1º :
I - prevenir e combater a prática da intimidação sistemática ( bullying ) em toda a sociedade;
[...]
III - implementar e disseminar campanhas de educação, conscientização e informação;
O C. Supremo Tribunal Federal coaduna com a necessidade de proteção especial destinada às mulheres, a saber:
Ementa:
MEDIDA CAUTELAR. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO N. 8.008/2018 (ART. 1º, §3º). VÍTIMAS DE ESTUPRO. MENORES DE IDADE DO SEXO FEMININO. PERITO LEGISTA MULHER. OBRIGATORIEDADE. ALEGA OFENSA À COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO (ART. 22, I, DA CFRB) E NORMAS GERAIS SOBRE PROCEDIMENTOS EM MATÉRIA PROCESSUAL (ART, 24, XI, DA CFRB). INEXISTÊNCIA. COMPETÊNCIA PREVISTA NO ART. 24, XV, DA CFRB. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL POR OFENSA AO DIREITO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES DE ACESSO À JUSTIÇA E AOS PRINCÍPIOS DA PROTEÇÃO INTEGRAL E DA PRIORIDADE ABSOLUTA (arts. 5º, XXXV, e 227, caput, da CRFB). SUSPENSÃO DA NORMA DEFERIDA. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. DESDE QUE NÃO IMPORTE RETARDAMENTO OU PREJUÍZO DA DILIGÊNCIA. EFEITOS EX TUNC.
1. A Lei Estadual n.º 8.008/2018 do Rio de Janeiro, que impõe a obrigatoriedade de que as crianças e adolescentes do sexo feminino vítimas de estupro sejam examinadas por perito legista mulher, não padece do vício de inconstitucionalidade formal, porque a regra concerne à competência concorrente prevista no art. 24, inciso XV, da CFRB, “proteção à infância e à juventude”.
2. Trata-se de regra que reforça o princípio federativo, protegendo a autonomia de seus membros e conferindo máxima efetividade aos direitos fundamentais, no caso, o direito da criança e da adolescente à absoluta prioridade na proteção dos seus direitos (CFRB, art. 227). Compreensão menos centralizadora e mais cooperativa da repartição de competências no federalismo brasileiro. A lei federal n. 13.431/2017 (Estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência) reservou espaço à conformação dos Estados. Inconstitucionalidade formal afastada.
3. Lei impugnada em sintonia com o direito fundamental à igualdade material (art. 5º, I, da CRFB), que impõe especial proteção à mulher e o atendimento empático entre iguais, evitando-se a revitimização da criança ou adolescente, mulher, vítima de violência.
4. Risco evidenciado pela negativa de realização de atos periciais às vítimas menores de idade do sexo feminino por legistas homens, o que compromete, concretamente e de modo mais urgente, o direito de crianças e adolescente de acesso à justiça (art. 39 da Convenção sobre os Direitos das Crianças) e os princípios da proteção integral e da prioridade absoluta (arts. 5º, XXXV, e 227 da CRFB). Inconstitucionalidade material concreta. Necessidade de interpretação conforme à Constituição. Desde que não importe retardamento ou prejuízo da diligência.
5. Medida cautelar deferida. Suspensão da norma impugnada. Efeitos excepcionais efeitos ex tunc, a fim de resguardar as perícias que porventura tenham sido feitas por profissionais do sexo masculino.
(ADI 6039 MC, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 13/03/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-167 DIVULG 31-07-2019 PUBLIC 01-08-2019)
Fica demonstrada não apenas a constitucionalidade e a legalidade da matéria, mas, sobretudo, a preocupação do legislador em ampliar e garantir que a igualdade de gênero e tutela dos direitos das mulheres ocorra desde a tenra idade.
2.2.2 – Da Constitucionalidade Formal
Quanto a constitucionalidade formal orgânica, a Constituição Federal prevê ser de competência legislativa dos municípios o poder de complementar (poder suplementar) a legislação federal e estadual para ajustar a sua execução às particularidades locais. Nesse mister legislativo, a lei municipal não poderá contrariá-las e deverá estar adstrita ao interesse local, requisito da repartição de competências dos municípios.
Esse raciocínio decorre da própria Legislação Pátria, mais precisamente da Constituição Federal (art.30, I e II), da Constituição Estadual (art.28, I e II) e da Lei Orgânica Municipal (Lei nº.: 0/1990, art. 30, I e II), a saber:
Constituição Federal:
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Constituição Estadual:
Art. 28. Compete ao Município:
I - legislar sobre assunto de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e estadual no que couber;
Lei Orgânica Municipal:
Art. 30. Compete ao Município da:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - Suplementar a legislação federal e estadual, no que couber;
Dessa forma, não sendo a matéria de competência exclusiva ou privativa da União e/ou Estados, exceto nos casos em que cabe à União somente editar normas gerais (CRFB, art. 22, XXI e XXVII), poderá o Município realizar a suplementação legislativa, desde que haja interesse local e não seja conflitante com lei federal ou estadual.
Trata-se de um poder derivado do artigo 18 da Constituição Federal[6], no qual os Entes Federativos possuem autonomia para a sua organização político-administrativa, conforme lições[7] a seguir:
A autonomia é o poder atribuído aos entes federativos, constitucionalmente assegurado. Implica o poder de auto-organização, dentro dos limites constitucionais, de cada ente federativo, ou seja, um poder governamental próprio, político e administrativo. Para que a autonomia se concretize, é necessário que o ente federativo possua competências e rendas próprias.
O Projeto Indicativo de Lei nº.: 29/2022, consoante discrimina os artigos 1º e 2º da Minuta de Projeto de Lei, demonstra ser matéria passível de suplementação, eis que não se pretende legislar sobre normas gerais, é afeta ao interesse local e por tratar de normas específicas sobre diretrizes e bases da educação do Município referentes a concretização da proteção de comandos constitucionais e legais vigentes sobre infância, juventude e mulheres.
Salienta-se, outrossim, que a Proposição em comento não pretende legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, restando afastada a competência privativa da União (CRFB, art. 22, XXIV[8]), além de estar devidamente autorizada pela respectiva Lei Federal nº.: 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional[9]), nos seus artigos 11, III e 26[10], além de outros igualmente aplicáveis.
Logo, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal (CRFB, art.30, I e II) uma vez que não se trata de norma geral e existe um interesse local que não afronta os artigos e princípios constitucionais ou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996).
No que tange o controle formal de constitucionalidade propriamente dito, aquele que visa aferir se o processo legislativo fora respeitado, será analisada a iniciativa para deflagração do processo legislativo referente a matéria apresentada em virtude do estágio que se encontra o trâmite do Processo nº.: 1.451/2022.
Neste ponto, o ponto determinante para delimitação da legitimidade da iniciativa da proposição do Legislativo não está na criação de despesa, mas sim em imiscuir-se nas matérias dispostas no rol do §1º do art. 61 da Magna Carta, do p.único do art. 63 da Constituição Estadual e do p.único do art. 143 da Lei Orgânica Municipal[11], consoante entendimento consolidado do C. Supremo Tribunal Federal, a seguir:
1. Recurso extraordinário com agravo. Repercussão geral.
[...]
3. Inconstitucionalidade formal. Vício de iniciativa. Competência privativa do Poder Executivo municipal. Não ocorrência. Não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos.
(ARE 878911 RG, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 29/09/2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-217 DIVULG 10-10-2016 PUBLIC 11-10-2016) [12]
(Grifos apostos)
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 1º, 2º E 3º DA LEI N. 50, DE 25 DE MAIO DE 2.004, DO ESTADO DO AMAZONAS. [...]
1. Ao contrário do afirmado pelo requerente, a lei atacada não cria ou estrutura qualquer órgão da Administração Pública local. Não procede a alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo Chefe do Executivo. As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Precedentes.
(ADI 3394, Relator(a): EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 02/04/2007, DJe-087 DIVULG 23-08-2007 PUBLIC 24-08-2007 REPUBLICAÇÃO: DJe-152 DIVULG 14-08-2008 PUBLIC 15-08-2008 EMENT VOL-02328-01 PP-00099 DJ 24-08-2007 PP-00023 RT v. 96, n. 866, 2007, p. 112-117)
(Grifos apostos)
Com relação a competência para iniciativa da lei é privativa do Poder Executivo (princípio da reserva da Administração) por se tratar de uma norma destinada a criar obrigação à Prefeitura com repercussão em sua organização administrativa, na área de diretrizes e bases[13], adentrando no elenco das competências privativas dispostas no inciso V do parágrafo único do artigo 143 da Lei Municipal nº.: 0/1990, vejamos:
Art. 143 - A iniciativa das leis compete a qualquer Vereador ou Comissão da Câmara Municipal, ao Prefeito Municipal, e aos cidadãos na forma e nos casos previstos nesta Lei Orgânica.
Parágrafo Único. São de iniciativa privativa do Prefeito as leis que disponham sobre:
[...]
V - criação, estruturação e atribuições das Secretarias Municipais e órgãos do Poder Executivo;
(Grifos apostos)
Dessa forma, a proposição, ora analisada, não é inconstitucional ou ilegal por ser uma recomendação da Câmara Legislativa para que o Poder Executivo deflagre o início do processo legislativo sobre matéria de sua competência, não usurpando sua competência, conforme regulamentou a Resolução Municipal nº.: 278/2020 no artigo 136, a saber:
Art. 136 O Projeto Indicativo é a recomendação da Câmara Municipal da Serra ao Poder Executivo local, no sentido de que este promova a abertura de processo legislativo que verse sobre matéria de sua competência.
Parágrafo único. Os Projetos Indicativos terão a forma de Minuta de Projeto de Lei.
(Grifos apostos)
Significa que a Recomendação respeita a legitimidade do Poder Executivo para deflagrar a iniciativa de lei cuja matéria é de sua competência e segundo sua discricionariedade.
2.3 – Da Técnica Legislativa
Em relação a técnica legislativa aplicada à Minuta, verifica-se que preencheu as principais diretrizes da Lei Complementar nº.: 95/98 e da Resolução Municipal nº.: 278/2020.
Contudo, o inciso II do artigo 3º da Minuta merece ser corrigido, eis que apresenta um erro material[14], a seguir:
Art. 3º - II – Informar toda a comunidade, para que a sociedade paulistana desenvolva criticidade diante das desigualdades de direitos e oportunidades, e que sejam cientes de seu papel transformador na busca por uma sociedade mais justa e igualitária.
(Grifos apostos)
Sendo assim, por não ser atinente ao objeto deste Projeto Indicativo, opina-se sobre a necessidade em realizar a respectiva correção, v.g., por sociedade serrana.
Além disso, após consulta ao sítio eletrônico desta Casa, essa Proposição não se encontra rejeitada nesta Sessão Legislativa, não incidindo, a princípio, o óbice previsto no artigo 67 da CF.
3 - CONCLUSÃO
Ante o exposto, OPINA esta Procuradoria pelo PROSSEGUIMENTO PARCIAL do Projeto Indicativo de Lei nº.: 29/2022, eis que embora esteja em conformidade com a Magna Carta e a legislação infraconstitucional, reclama a retificação do erro material presente no art. 3º, II da Minuta, alterando ou suprimindo o termo “paulistana”.
Salienta-se que o presente Parecer não avaliou a oportunidade e conveniência da matéria, eis que é exclusiva do Vereador proponente, não cabendo a esta Procuradoria sobre ela emitir juízo de valor.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer.
À consideração superior.
Serra/ES, 14 de outubro de 2022.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
Procurador
Nº Funcional 4073096
LEANDRO PALHONI MAGEVISKI
Assessor Jurídico
Nº Funcional 4125029-00
[1] Art. 117 São modalidades de proposição:
[...]
XVII – os projetos indicativos;
Art. 139 As proposições constantes nos incisos I, II, III, IV, V, IX, XI, XII, XIV e XVI do art. 117, serão protocolizadas e submetidas pela Presidência à Procuradoria, no prazo de 05 dias úteis, para análise jurídica preliminar.
Parágrafo único. Nos casos de proposições submetidas ao regime de urgência especial, a Procuradoria será instada a se manifestar de imediato.
[2] Art. 122, II da Resolução nº.: 278/2020
[3] MARTINS, Flávio. Curso de Direito Constitucional. 3ª ed. São Paulo, SP: SaraivaJur. 2019.
[4] De igual forma os artigos 29 e 20 da Constituição Federal e Estadual, respectivamente:
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
Art. 20 - O Município rege-se por sua lei orgânica e leis que adotar, observados os princípios da Constituição Federal e os desta Constituição.
(Grifos apostos)
[5] Idem.
[6] Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.
[7] Constituição Federal Interpretada. Organizadores Costa Machado e Anna Candida da Cunha Ferraz. 9ª Ed. Barueri, SP: Malone, 2018. Página 120.
[8] Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
[...]
XXIV - diretrizes e bases da educação nacional;
[9] A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) regulamenta o sistema educacional brasileiro (público ou privado).
[10] Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de:
[...]
III - baixar normas complementares para o seu sistema de ensino;
Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos.
[11] Art. 61, § 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;
II - disponham sobre:
a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;
b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;
c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;
d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;
e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI;
f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.
Art. 63. Parágrafo único - São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que disponham sobre:
I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo ou aumento de sua remuneração;
II - fixação ou modificação do efetivo da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar;
III - organização administrativa e pessoal da administração do Poder Executivo;
IV - servidores públicos do Poder Executivo, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, reforma e transferência de militares para a inatividade;
V - organização do Ministério Público, da Procuradoria-Geral do Estado e da Defensoria Pública;
IV - servidores públicos do Poder Executivo, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, reforma e transferência de militares para a inatividade;
V - organização do Ministério Público, da Procuradoria-Geral do Estado e da Defensoria Pública;
Art. 143. Parágrafo Único. São de iniciativa privativa do Prefeito as leis que disponham sobre:
I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo ou aumento de sua remuneração;
II - organização administrativa e pessoal da administração do Poder Executivo;
III - servidores públicos do Poder Executivo, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;
IV - organização da Procuradoria Geral do Município;
V - criação, estruturação e atribuições das Secretarias Municipais e órgãos do Poder Executivo.
[12] Tema 917 (STF) - Competência para iniciativa de lei municipal que preveja a obrigatoriedade de instalação de câmeras de segurança em escolas públicas municipais e cercanias.
Tese (STF) - Não usurpa competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, § 1º, II, "a", "c" e "e", da Constituição Federal).
[13] Artigo 1º e 2º do Projeto Indicativo nº.: 29/2022:
Art. 1º - É obrigatória a realização de ações socioeducativas nas escolas da rede pública municipal de ensino, visando afirmar a importância da garantia da igualdade de oportunidades, no trabalho e na sociedade para as mulheres.
Art.2º - As ações socioeducativas a que se refere o artigo 1º tem por objetivo a sensibilização das crianças e adolescentes sobre as desigualdades de gênero, promovendo o combate à discriminação contra a mulher, através da leitura de textos, informativos, cartazes, peças teatrais, palestras, dinâmicas e etc.
[14] Erro material é aquele de fácil percepção e não prejudica ou altera o julgamento da matéria, embora deva ser prontamente corrigido tendo em vista que não reflete visto ser algo que não reflete a realidade da situação definida na proposição como, por exemplo, nomes trocados, erros de grafia, de expressões etc.
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