Complemento da Ação:
PARECER DA PROCURADORIA GERAL
Processo nº: 2969/2022
Projeto de Lei nº: 204/2022
Requerente: Paulinho do Churrasquinho
Assunto: Projeto que dispõe sobre a vedação do Executivo Municipal a locar veículos automotores licenciados fora do Município de Serra.
Parecer nº: 0534/2022
RELATÓRIO
Cuidam os autos de Projeto de Lei de autoria do ilustre Vereador Paulinho do Churrasquinho, que dispõe sobre a vedação do Executivo Municipal a locar veículos automotores licenciados fora do Município de Serra.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação de sua constitucionalidade e legalidade, com consequente emissão de Parecer Prévio Preliminar.
Compõem os autos até o momento somente da Minuta de Projeto de Lei em estudo, justificativa, folha de despachos e encaminhamentos.
FUNDAMENTAÇÃO
Ab initio, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no item 7.1 da Lei Municipal nº 2.656/2006, o qual determina à Procuradoria o assessoramento da Mesa Diretora e da Presidência desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 95/86.
Nesse diapasão, convém destacar que a emissão do presente parecer não representa óbice a eventual análise jurídica acerca de outras questões não abordadas no mesmo ou no tocante ao mérito da matéria submetida ao apreço, em caso de solicitação pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência.
Nessa vereda, ressalta-se que no presente parecer jurídico preliminar, de um modo geral, aprecia-se a legalidade e constitucionalidade do projeto de lei sobre três perspectivas elementares: i) a matéria legislativa proposta deve se encontrar entre aquelas autorizadas pela CF/88 aos Municípios; ii) se foi respeitada a rígida observância das preferências quanto à iniciativa para proposição prevista pela ordem jurídico-constitucional; iii) a possibilidade de violação por parte da matéria legislativa proposta à direitos fundamentais ou instituições tuteladas por regras ou princípios constitucionais.
Inicialmente, cumpre destacar que a elevação de um Projeto ao patamar de Lei Municipal passa sempre pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, se percebe claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I e II, e 99, XIV, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Ocorre que, no que diz respeito à constitucionalidade da proposição em análise, entendo que a mesma padece de vício material em virtude de mácula do Projeto em razão da competência privativa da União para legislar sobre o assunto abrigado em seu bojo, nos termos do artigo 22, I e XVI:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
(...)
XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III;
(...)
Com efeito, ao dispor acerca de contratações públicas, o Projeto extrapola a competência legislativa local.
Isso porque, a competência para legislar sobre normas gerais em contratação, como aquela de que trata a proposição, é exclusiva da União, conforme deflui da inteligência do art. 22, XXVII, da Constituição Federal brasileira, sendo, por isso, vedado aos municípios editarem leis que usurpem essa competência legislativa reservada constitucionalmente.
Dessa forma, não pode prosperar o Projeto de Lei que, embora nobre e louvável em suas pretensões, invade a competência legislativa da União e contraria regra material estabelecida expressamente na Carta Política.
Também registramos a inconstitucionalidade da distinção feita entre veículos locados na Serra e fora da Serra, ao determinar que a proibição será feita em face de veículos licenciados fora do Município da Serra, eis que também viola o art. 19, III da Constituição.
Quanto à iniciativa da propositura, a matéria articulada no referido projeto não se encontra expressamente entre as de competência privativa do Executivo Municipal previstas no artigo 143 da Lei Orgânica deste Município, eis que não cria despesa ao Executivo.
No entanto, observa-se que o artigo 3º do referido Projeto de Lei, determina o prazo para o poder executivo regulamentar a lei proposta. O chefe do Poder Executivo tem competência exclusiva para examinar a conveniência e a oportunidade para desempenho de suas atividades legislativas e regulamentares. Logo, a norma que impõe prazo certo para a prática de tais atos configura interferência indevida do Poder Legislativo em atividade própria do Poder Executivo, caracterizando intervenção na condução superior da Administração Pública e ofensa ao princípio da separação dos poderes.
Nesse interim, o Supremo Tribunal Federal, na ADI 4728/DF, por maioria, conheceu, em parte, da ação direta e, na parte conhecida, julgou procedente o pedido formulado, para declarar a inconstitucionalidade do art. 9º da Lei 1.601/2011 do Estado do Amapá, nos termos do voto da Relatora, vencida parcialmente a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, Sessão Virtual de 5.11.2021 a 12.11.2021.
Ementa Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 1.601/2011, do Estado do Amapá. Instituição da Política Estadual de Prevenção, Enfrentamento das Violências, Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Preliminar. Ausência de impugnação específica dos dispositivos da lei questionada. Não conhecimento, em parte. Art. 9º. Estabelecimento de prazo para o Poder Executivo regulamentar as disposições legais constantes de referido diploma normativo. Impossibilidade. Violação dos arts. 2º e 84, II, da Constituição da República. 1. Recai sobre o autor das ações de controle concentrado de constitucionalidade o ônus processual de indicar os dispositivos impugnados e realizar o cotejo analítico entre cada uma das proposições normativas e os respectivos motivos justificadores do acolhimento da pretensão de inconstitucionalidade, sob pena de indeferimento da petição inicial, por inépcia. 2. Não se mostra processualmente viável a impugnação genérica da integralidade de um decreto, lei ou código por simples objeção geral, insuficiente, para tanto, a mera invocação de princípios jurídicos em sua formulação abstrata, sem o confronto pontual e fundamentado entre cada um dos preceitos normativos questionados e o respectivo parâmetro de controle. 3. Firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido da incompatibilidade de dispositivos normativos que estabeleçam prazos, ao Poder Executivo, para apresentação de projetos de lei e regulamentação de preceitos legais, por violação dos arts. 2º e 84, II, da Constituição da República. 4. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida em parte e, nessa extensão, pedido julgado procedente. (grifo nosso)
(ADI 4728, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 16/11/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-244 DIVULG 10-12-2021 PUBLIC 13-12-2021)
Com relação às questões de técnica legislativa, observo que o projeto de lei atendeu às principais diretrizes da Lei Complementar 95/98, o que não impede eventuais aperfeiçoamentos pelas Comissão deste Parlamento, dentro da margem da conveniência e oportunidade.
Ressalto ainda que em consulta ao sítio eletrônico desta Casa, esta proposta legislativa não se encontra rejeitada nesta Sessão Legislativa, não incidindo, a princípio, o óbice previsto no artigo 67 da CF assim transcrito:
Ante a todo o exposto, com base nos elementos dos atos, é forçosa a conclusão de que o Projeto NÃO se reveste de regularidade formal para seu prosseguimento.
CONCLUSÃO
Posto isso, firmada em todas as razões e fundamentos já expostos, opina esta Procuradoria pelo NÃO prosseguimento do Projeto de Lei nº 204/2022, haja vista que invade competência delegada à União Federal (artigo 22, XXVII CF/88), cria distinção entre brasileiros vedada pela Constituição (art. 19, III CF) e também viola o princípio da separação dos poderes (Art. 2 º e 84, II da CF), motivo pelo qual sugiro seu arquivamento, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Ressaltamos que o presente Parecer é de natureza opinativa e não vinculatório, de modo que, todos aqueles participantes do processo, em especial o gestor público, dentro da margem de discricionariedade, juízo de valor e ação que lhes são conferidos, deverão diligenciar pela observância dos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais no caso em destaque.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que parecidos a este projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer que submetemos à apreciação Superior, motivo pelo qual ENCAMINHAMOS os autos à Presidência.
Serra/ES, 26 de setembro de 2022.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
Procurador
Nº Funcional 4073096
NATALINA MÁRCIA DE OLIVEIRA
Assessora Jurídica
Nº funcional 4121490
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