| Recebimento: 10/02/2025 |
Fase: Distribuir proposição ao Procurador para elaboração de parecer |
Setor:Procuradoria |
| Envio: 16/06/2025 17:27:28 |
Ação: Parecer Emitido
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Tempo gasto: 126 dias, 6 horas, 20 minutos
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Complemento da Ação: Processo nº: 360/2025
Projeto de Lei nº: 75/2025
Requerente: Vereador Paulinho do Churrasquinho
Assunto: “Dispõe Sobre a Criação da Guarda Municipal de Proteção Animal no Município da Serra”.
Parecer nº: 368/2025
PARECER DA PROCURADORIA GERAL
1. RELATÓRIO
Cuidam os autos de Projeto de Lei nº 75/2025, de autoria do Vereador Paulinho do Churrasquinho, que Cria a Guarda Municipal de Proteção Animal no Município da Serra. Em seus fundamentos o Ilustre Vereador defende que “é frequente e, infelizmente comum, o tratamento cruel que recebem os animais em nossa Cidade. Assim, são necessários órgãos especiais que os protejam, bem como investiguem e coíbam crimes e maus tratos que contra esses forem praticados. Nesse sentido, a criação da Guarda Municipal especializada em Proteção aos Animais é imprescindível na Serra. Essa Guarda atuará em casos de violência, abandono, espancamento, mutilação, envenenamento, acorrentamento, transporte indevido e criminoso e tantas outras crueldades de que se toma conhecimento todos os dias.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação da constitucionalidade do Projeto de Lei, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento o projeto de Lei e justificativa, motivo pelo qual a Presidência desta Casa de Lei nos encaminhou os autos para a sua análise jurídica preliminar. Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, considerando a importância e urgência da proposta sob avaliação, passo a opinar de forma direta e objetiva.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
Ab initio, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no art. 18, IV, da Lei Municipal nº 6.134/2025, o qual determina à Procuradoria elaborar pareceres escritos nos processos que lhe forem encaminhados pelo Presidente desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 278/2020.
Nesse diapasão, convém destacar que a emissão do presente parecer não representa óbice a eventual análise jurídica acerca de outras questões não abordadas no mesmo ou no tocante ao mérito da matéria submetida ao apreço, em caso de solicitação pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência.
Nessa vereda, ressalta-se que no presente parecer jurídico preliminar, de um modo geral, aprecia-se a legalidade e constitucionalidade do projeto de lei sobre três perspectivas elementares: a um, a matéria legislativa proposta deve se encontrar entre aquelas autorizadas pela CF/88 aos Municípios; a dois, se foi respeitada a rígida observância das preferências quanto à iniciativa para proposição prevista pela ordem jurídico-constitucional; a três, a possibilidade de violação por parte da matéria legislativa proposta à direitos fundamentais ou instituições tuteladas por regras ou princípios constitucionais.
Em via reflexa, cumpre destacar que a aprovação de um projeto de lei também passa pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, percebe-se claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I e II, e 99, XXVIII, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Constituição Federal
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Constituição Estadual
Art. 28. Compete ao Município:
I - legislar sobre assunto de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e estadual no que couber;
Lei Orgânica do Município da Serra
Art. 7º - O Poder Executivo Municipal, em prazo não superior a 180 (cento e oitenta) dias, apresentará o Projeto do Código de Postura Municipal, para votação pela Câmara Municipal.
Art. 30 - Compete ao Município da:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - Suplementar a legislação federal e estadual, no que couber;
Com efeito, em se tratando de propositura que visa cria a guarda municipal de proteção animal no Município da Serra, este invade as atribuições do Poder Executivo, vez que trata de estruturação da Guarda Municipal, impactando diretamente na Secretaria a qual faz parte, aparentemente caracteriza interferência do Legislativo nas atribuições privativas do Poder Executivo, extrapolando os contornos previstos pelo STF quando julgou os limites da iniciativa parlamentar na criação de obrigações ao Executivo, conforme jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Espírito Santo, senão vejamos:
TJ-ES - DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 50030111620248080000
JurisprudênciaAcórdãopublicado em 20/08/2024
Ementa: REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – – LEI Nº 3.875/2019 DO MUNICÍPIO DE LINHARES – OBRIGATORIEDADE DA PRESENÇA DE GUARDA MUNICIPAL OU AGENTE DE SEGURANÇA ARMADA DURANTE O HORÁRIO REGULAR DE FUNCIONAMENTO DAS ESCOLAS DA REDE MUNICIPAL – LEI MUNICIPAL QUE INTERFERE NA ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DO EXECUTIVO – VÍCIO FORMAL DE INCONSTITUCIONALIDADE – USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL – REPRESENTAÇÃO JULGADA PROCEDENTE – DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – EFEITOS EX TUNC. 1. A Lei Municipal nº 3.875 , publicada no Diário Oficial de 26/09/2019, de iniciativa parlamentar, interfere na organização administrativa do Poder Executivo ao fixar a obrigatoriedade de permanência da guarda municipal ou agente de segurança armada durante horário regular de funcionamento as escolas da rede municipal de ensino, criando clara atribuição para órgão da Administração Pública Municipal, inclusive impondo treinamento específico e prevendo contratação de serviço terceirizado para atendimento da exigência legal sem a respectiva fonte de custeio. 2. Compete privativamente ao Chefe do Poder Executivo deflagrar o processo legislativo que verse sobre a organização administrativa e pessoal da administração (artigo 63, parágrafo único, inciso III, da Constituição do Estado); assim como acerca da criação, estruturação e atribuições das Secretarias Municipais e órgãos da administração pública municipal (artigo 63, parágrafo único, inciso IV, da Constituição do Estado; artigo 31, parágrafo único, inciso IV, da Lei Orgânica do Município). 3. De acordo com o entendimento já sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal, padece de inconstitucionalidade formal a lei de iniciativa parlamentar que disponha sobre atribuições ou estabeleça obrigações a órgãos públicos, matéria da competência privativa do Chefe do Poder Executivo. 4. Representação de inconstitucionalidade julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade formal da Lei Ordinária nº 3.875, de 26 de setembro de 2019, do Município de Linhares, com efeitos ex tunc.
Doutra banda, oportuno mencionar que o Projeto de Lei prevê a criação da Guarda Municipal de proteção animal, com infraestrutura tecnológica, com aquisição de viaturas identificadas, com novos servidores e criação de canais oficiais para denuncia, entre outras implementações. No entanto, não há previsão da fonte de custeio, contrariando dispositivos constitucionais e fiscais.
Art. 167. São vedados:
I - o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual;
No mesmo sentido, a Lei de Responsabilidade Fiscal determina:
Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17.
Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de:
I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes;
II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.
Em que pese a boa intenção do proponente, considerando que o presente Projeto de Lei versa sobre criação de uma nova estrutura na Guarda Civil Municipal, vislumbra-se óbice jurídico quanto a iniciativa do projeto, haja vista que os artigos do Projeto articulado tratam da obrigatoriedade da rede municipal em se estruturar visando implementar tais políticas públicas, trazendo obrigações à Secretaria Municipal de Defesa Social (Sedes), acarretando despesas ao Executivo, sendo, portanto, um projeto que trata de assunto de iniciativa privativa do Executivo Municipal previstas no artigo 143, V da Lei Orgânica deste Município:
Art. 143 - A iniciativa das leis compete a qualquer Vereador ou Comissão da Câmara Municipal, ao Prefeito Municipal, e aos cidadãos na forma e nos casos previstos nesta Lei Orgânica.
Parágrafo Único. São de iniciativa privativa do Prefeito as leis que disponham sobre:
V - criação, estruturação e atribuições das Secretarias Municipais e órgãos do Poder Executivo.
Nesse sentido, doutrinadores como José dos Santos Carvalho Filho (Manual de Direito Administrativo) afirmam que a interferência do Legislativo em matéria administrativa viola o princípio da separação dos poderes (artigo 2º da Constituição Federal).
Com relação às questões de técnica legislativa, observo que o projeto de lei atendeu às principais diretrizes da Lei Complementar 95/98, o que não impede eventuais aperfeiçoamentos pelas Comissão deste Parlamento, dentro da margem da conveniência e oportunidade.
Nesse contexto, cumpre esclarecer que, conforme estabelece o art. 141 e seus parágrafos do Regimento Interno desta Câmara Legislativa, nos termos da Resolução nº 278/2020, as proposições devem ser protocolizadas eletronicamente ou, excepcionalmente, no Protocolo Geral da Casa, sendo numeradas em ordem sequencial e encaminhadas à Presidência, prevalecendo, em caso de matérias idênticas, a de protocolo mais antigo, com arquivamento das demais. No entanto, após consulta ao sistema legislativo e ao sítio eletrônico desta Casa, verifica-se que não há, nesta Sessão Legislativa, qualquer outra proposição com o mesmo objeto, não incidindo, portanto, o óbice de duplicidade previsto no referido artigo, tampouco a vedação do art. 67 da Constituição Federal, que trata da reapresentação de projetos rejeitados na mesma sessão legislativa.
Destarte, nada obsta que posteriormente, a matéria contida nestes autos de processo legislativo seja enviada por meio de Projeto Indicativo.
Como se sabe, o Projeto Indicativo é modalidade de proposição inserta no Regimento Interno da Câmara Municipal, especificamente no artigo 136, que se conceitua como a recomendação da Câmara de Vereadores ao Poder Executivo Municipal, em forma de Minuta de Lei, para que aquele Poder inicie processo legislativo sobre matéria de sua competência privativa.
Para melhor compreensão, vejamos a transcrição de alguns dos dispositivos legais que regulamentam o Projeto Indicativo:
Art. 136 O Projeto Indicativo é a recomendação da Câmara Municipal da Serra ao Poder Executivo local, no sentido de que este promova a abertura de processo legislativo que verse sobre matéria de sua competência.
Parágrafo único. Os Projetos Indicativos terão a forma de Minuta de Projeto de Lei.
Feita a transcrição, fica claro que a veiculação válida do Projeto Indicativo está necessariamente atrelada à verificação no caso de dois requisitos, quais sejam, que a matéria versada seja de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo e que, como em qualquer ato da Administração, haja interesse público em sua realização.
No caso concreto entendemos satisfeito o quesito “iniciativa privativa do Prefeito”, pelos fundamentos descritos anteriormente, de modo que a referida matéria poderá, caso entendam os nobres edis, ser enviada por meio de Projeto Indicativo.
Diante disso, ainda que reconhecendo os elevados valores que imbuíram a proposição da norma, não há como endossar o Projeto de Lei em avaliação tendo em vista que tratam da estruturação de órgãos do Executivo Municipal.
3. CONCLUSÃO
Posto isso, firmada em todas as razões e fundamentos já expostos, opina esta Procuradoria pelo não prosseguimento do Projeto de Lei nº 75/2025, haja vista que trata da criação da Guarda Municipal de Proteção Animal, estabelecendo políticas públicas municipais que demandam a estruturação de órgãos do Executivo Municipal com despesas, violando o artigo 143, V da Lei Orgânica Municipal, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Ressaltamos que o presente Parecer é de natureza opinativa e não vinculatório específico para este processo, de modo que, todos aqueles participantes do processo, em especial o gestor público, dentro da margem de discricionariedade, juízo de valor e ação que lhes são conferidos, deverão diligenciar pela observância dos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais no caso em destaque.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que parecidos a este projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer.
Serra/ES, 16 de maio de 2025.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
Procurador
Nº Funcional 4073096
MAYCON VICENTE DA SILVA
Assessor Jurídico
Nº Funcional 4113594-2
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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