| Recebimento: 24/03/2025 |
Fase: Distribuir proposição ao Procurador para elaboração de parecer |
Setor:Procuradoria |
| Envio: 28/11/2025 11:34:17 |
Ação: Parecer Emitido
|
Tempo gasto: 248 dias, 20 horas, 43 minutos
|
Complemento da Ação:
PROCESSO Nº: 881/2025
PROJETO DE LEI nº: 210/2025
REQUERENTE: Vereador Paulinho do Churrasquinho
ASSUNTO: “Institui o Dia Municipal da Conscientização do Uso da Internet e das Redes Sociais Por Crianças e Adolescentes no Município da Serra”.
PARECER Nº: 821/2025
PARECER DA PROCURADORIA GERAL
1. RELATÓRIO.
Cuidam os autos de Projeto de Lei 210/2025, de autoria do ilustre Vereador Paulinho do Churrasquinho, que “Institui o Dia Municipal da Conscientização do Uso da Internet e das Redes Sociais Por Crianças e Adolescentes no Município da Serra”.
Em seus fundamentos, o Vereador alega “O dia municipal da conscientização do uso da internet e das redes sociais por crianças e adolescentes, a ser celebrado em 10 de outubro, visa alertar pais, educadores e os próprios jovens sobre os perigos e as oportunidades da internet. Ao integrar o calendário oficial da Serra, a data será um marco para a promoção de debates e ações educativas que possam orientar a sociedade para o uso saudável e seguro do ambiente digital”.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação quantos aos aspectos legais e constitucionais para o início da sua tramitação, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento a minuta de Projeto de Lei, a sua justificativa e os despachos de encaminhamento para elaboração de parecer jurídico prévio.
Por fim, relatado o feito, passo a opinar.
2. FUNDAMENTAÇÃO.
Inicialmente, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no art. 18, IV, da Lei Municipal nº 6.134/2025, o qual determina à Procuradoria o assessoramento da Mesa Diretora e da Presidência desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 278/2020.
Nesse diapasão, convém destacar que a emissão do presente parecer não representa óbice a eventual análise jurídica acerca de outras questões não abordadas no mesmo ou no tocante ao mérito da matéria submetida ao apreço, em caso de solicitação pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência.
Nessa vereda, ressalta-se que no presente parecer jurídico preliminar, de um modo geral, aprecia-se a legalidade e constitucionalidade do projeto de lei sobre três perspectivas elementares: i) a matéria legislativa proposta deve se encontrar entre aquelas autorizadas pela CF/88 aos Municípios; ii) se foi respeitada a rígida observância das preferências quanto à iniciativa para proposição prevista pela ordem jurídico-constitucional; iii) a possibilidade de violação por parte da matéria legislativa proposta à direitos fundamentais ou instituições tuteladas por regras ou princípios constitucionais.
Inicialmente, cumpre destacar que a elevação de um Projeto ao patamar de Lei Municipal passa sempre pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, se percebe claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I e II, e 99, XIV, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Desta maneira, não se vislumbra nenhum óbice à tramitação do projeto, uma vez que o projeto trata de assunto de interesse local.
Vale frisar que a análise de um projeto de lei no âmbito desta Casa Legislativa deve abranger os aspectos de constitucionalidade e legalidade, tanto em seu viés formal (iniciativa, competência) quanto material (conteúdo).
Portanto, como j[a evidenciado a Constituição Federal de 1988 confere aos Municípios competência para legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I) e para suplementar a legislação federal e estadual no que couber (art. 30, II).
A instituição de datas comemorativas, como a proposta no artigo 1º do Projeto, é matéria que se insere na competência municipal, pois visa valorizar e promover a conscientização sobre tema de alta relevância para a comunidade local: a segurança de crianças e adolescentes no ambiente digital. A jurisprudência pátria reconhece a competência municipal para a criação de datas comemorativas e feriados de significação local, como se observa em julgado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
TJ-SC - Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial) 50277839620248240000 — Publicado em 07/08/2024 - AGRAVO INTERNO EM DECISÃO MONOCRÁTICA. INDEFERIMENTO DE PEDIDO CAUTELAR FORMULADO EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE VISANDO À SUSPENSÃO DA LEI MUNICIPAL N. 6.039/2024, DO MUNICÍPIO DE TUBARÃO, QUE POR VEZ, INSTITUIU FERIADO NA DATA COMEMORATIVA DO ANIVERSÁRIO DO MUNICÍPIO. DEMANDA INTENTADA POR SINDICATOS PATRONAIS. ALEGAÇÃO DE QUE A NORMA MUNICIPAL AFRONTA A COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA A INSTITUIÇÃO DE FERIADOS CIVIS, NOTADAMENTE POR TRATAR DE MATÉRIA RELACIONADA AO DIREITO DO TRABALHO, ALÉM DE TRADUZIR EFEITOS ECONÔMICOS NEGATIVOS. TESES NÃO ACOLHIDAS PELO RELATOR ORIGINÁRIO. ACERTO. PRONUNCIAMENTOS JUDICIAIS EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DA EXCELSA CORTE, NOTADAMENTE NO JULGAMENTO DA ADPF N. 634, QUE DECIDIU SOBRE A COMPETÊNCIA DOS MUNICÍPIOS PARA INSTITUÍREM FERIADO NO DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA. AFIRMAÇÃO CLARA, DO STF, DE QUE A LEGISLAÇÃO FEDERAL SOBRE A INSTITUIÇÃO DE FERIADOS NÃO DETÉM CONTORNOS NÍTIDOS E QUE AOS MUNICÍPIOS CABE, NO SEU INTERESSE LOCAL, INSTITUIR FERIADOS, INCLUSIVE PARA A PROTEÇÃO DE BENS IMATERIAIS, CASO DESTES AUTOS. DECISÕES DO RELATOR ACERTADAS. RECURSO DESPROVIDO. PARA O STF, "A LEI FEDERAL N. 9.093/1995, QUE PREVIU COMO FERIADOS CIVIS A DATA MAGNA DO ESTADO FIXADA EM LEI ESTADUAL (ART. 1º, II); OS DIAS DO INÍCIO E DO TÉRMINO DO ANO DO CENTENÁRIO DE FUNDAÇÃO DO MUNICÍPIO, FIXADOS EM LEI MUNICIPAL (ART. 1º, III); E, COMO FERIADOS RELIGIOSOS, OS DIAS DE GUARDA, DECLARADOS EM LEI MUNICIPAL, DE ACORDO COM A TRADIÇÃO LOCAL E EM NÚMERO NÃO SUPERIOR A QUATRO, NESTE INCLUÍDA A SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO (ART. 2º), NÃO OS RESTRINGE APENAS A ESSES CASOS. 2. É POSSÍVEL QUE ESTADOS E MUNICÍPIOS, COM O OBJETIVO DE PRESERVAR A MEMÓRIA DE BENS IMATERIAIS, INSTITUAM FERIADOS DE ALTA SIGNIFICAÇÃO ÉTNICA (STF, MIN, NUNES MARQUES). (TJSC, Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial) n. 5027783-96.2024.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Pedro Manoel Abreu, Órgão Especial, j. 07-08-2024).
Para o STF, a legislação federal sobre a instituição de feriados não detém contornos nítidos e que aos Municípios cabe, no seu interesse local, instituir feriados, inclusive para a proteção de bens imateriais.
Dessa forma, o objeto principal do Projeto de Lei, a criação de uma data de conscientização, alinha-se à competência legislativa do Município, não havendo, neste ponto, qualquer ilegalidade.
Doutro giro, a Lei Orgânica do Município da Serra, em seu artigo 143, estabelece que a iniciativa das leis compete, em regra, a qualquer Vereador. Contudo, o parágrafo único do mesmo artigo reserva ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa privativa de leis que disponham sobre:
II - organização administrativa e pessoal da administração do Poder Executivo;
V - criação, estruturação e atribuições das Secretarias Municipais e órgãos do Poder Executivo.
Ao analisar o Projeto de Lei nº 210/2025, observa-se que seus artigos 2º e 3º, embora utilizem o termo "poderá", acabam por detalhar e direcionar a atuação de órgãos da Administração Pública. O artigo 2º autoriza o Executivo a promover eventos e o artigo 3º especifica os temas a serem abordados, como a proteção de dados, prevenção ao cyberbullying e os efeitos do uso excessivo da internet.
Tal disposição, ainda que meritória, interfere na esfera de gestão e administração que é exclusiva do Poder Executivo, configurando o que a doutrina e a jurisprudência denominam vício de iniciativa. Leis de autoria parlamentar não podem criar ou detalhar atribuições para órgãos da administração, sob pena de violação ao princípio da separação dos poderes.
O Supremo Tribunal Federal possui entendimento consolidado sobre o tema:
STF — ARE 1568392 RJ - RIO DE JANEIRO — Publicado em 29/10/2025 - Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CONSTITUCIONAL. LEI MUNICIPAL. VÍCIO DE INICIATIVA. LEIS SOBRE A ORGANIZAÇÃO E O FUNCIONAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL: INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTE SUPREMO TRIBUNAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO COM APLICAÇÃO DE MULTA DE 1% SOBRE O VALOR ATUALIZADO DA CAUSA, SE UNÂNIME A VOTAÇÃO.(STF - ARE: 1568392 RJ - RIO DE JANEIRO, Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 27/10/2025, Primeira Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 28-10-2025 PUBLIC 29-10-2025)
Leis sobre a organização e o funcionamento da administração pública municipal são de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo.
STF — ARE 1443031 SP - SÃO PAULO — PUBLICADO EM 18/11/2025 EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. LEI MUNICIPAL. VÍCIO DE INICIATIVA. TRANSPORTE PÚBLICO COLETIVO. RESERVA DE INICIATIVA. SEPARAÇÃO DE PODERES. MODULAÇÃO DE EFEITOS. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame: Recurso extraordinário interposto contra acórdão de Tribunal de Justiça que declarou a inconstitucionalidade de lei municipal (Lei nº 2.399/1997, do Município de Cubatão) por vício de iniciativa, ao regulamentar o serviço de transporte público coletivo de passageiros, criando obrigações e delimitando a forma de atuação de órgãos do Poder Executivo municipal. O recorrente argumenta que os artigos da Constituição Estadual e Federal, sobre os quais se fundamentou a inconstitucionalidade, não se aplicam a lei municipal que regula o transporte público urbano. Subsidiariamente, pleiteia a modulação dos efeitos da decisão. O Tribunal de origem consignou a existência de vício de iniciativa na Lei nº 2.399/1997, de iniciativa parlamentar, por invadir a competência privativa do Chefe do Executivo para legislar sobre a estrutura e atribuição de órgãos da Administração Pública direta e indireta municipal, violando os princípios da separação de poderes e da reserva da Administração. II. Questão em discussão 4. Há duas questões em discussão: (i) saber se a Lei nº 2.399/1997, do Município de Cubatão, de origem parlamentar, padece de vício de iniciativa, ao regulamentar o serviço de transporte público coletivo de passageiros e impor atribuições a órgãos do Poder Executivo municipal; e (ii) se é cabível a modulação dos efeitos da decisão que declarou a inconstitucionalidade. III. Razões de decidir 5. O acórdão recorrido está alinhado à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que reconhece a inconstitucionalidade, por vício de iniciativa, de leis que regulamentam aspectos da estrutura e funcionamento da Administração Pública. 6. A Lei nº 2.399/1997, de iniciativa parlamentar, ao disciplinar o serviço de transporte de passageiros na modalidade lotação e prever atribuições de fiscalização e regulamentação para a Secretaria de Desenvolvimento Urbano, através da SEMUTRAN, impõe novas atribuições a órgão da Administração Pública e invade a competência privativa do Chefe do Poder Executivo. 7. A jurisprudência do STF consolidou o entendimento de que não usurpa a competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata de sua estrutura, da atribuição de seus órgãos ou do regime jurídico de servidores públicos. No entanto, a imposição de atribuições novas a órgão da Administração Pública ofende o princípio da separação dos poderes. 8. O acórdão também está alinhado com a jurisprudência desta Corte, que estabelece a necessidade de licitação para a exploração do serviço de transporte coletivo de passageiros: 9. Não há risco à segurança jurídica ou excepcional interesse social que justifiquem nova modulação de efeitos, uma vez que o Tribunal de origem já diferiu a produção de efeitos da decisão. IV. Dispositivo e tese 9. Recurso desprovido. (STF - ARE: 1443031 SP - SÃO PAULO, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 20/10/2025, Tribunal Pleno, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 17-11-2025 PUBLIC 18-11-2025)
A imposição de atribuições novas a órgão da Administração Pública por lei de iniciativa parlamentar ofende o princípio da separação dos poderes.
Portanto, os artigos 2º e 3º do Projeto de Lei padecem de inconstitucionalidade formal, por invadirem competência privativa do Prefeito Municipal.
Ademais, a matéria de fundo do Projeto não viola direitos ou garantias fundamentais. Pelo contrário, busca promover a proteção da criança e do adolescente, em consonância com o princípio da proteção integral previsto no artigo 227 da Constituição Federal.
O vício de iniciativa identificado restringe-se aos artigos 2º e 3º da proposição. O artigo 1º, que cria a data comemorativa, é plenamente constitucional e legal, tanto do ponto de vista formal quanto material.
Dessa forma, o vício é sanável mediante a supressão dos artigos 2º e 3º do Projeto de Lei. Com a supressão, a proposição se limitará a criar a data comemorativa, ato que se insere na competência parlamentar, cabendo ao Poder Executivo, em sua discricionariedade administrativa, decidir sobre a realização de eventos alusivos à data.
Com relação às questões de técnica legislativa, observo que o projeto de lei atendeu às principais diretrizes da Lei Complementar nº 95/1998.
Nesse contexto, cumpre esclarecer que, conforme estabelece o art. 141 e seus parágrafos do Regimento Interno desta Câmara Legislativa, nos termos da Resolução nº 278/2020, as proposições devem ser protocolizadas eletronicamente ou, excepcionalmente, no Protocolo Geral da Casa, sendo numeradas em ordem sequencial e encaminhadas à Presidência, prevalecendo, em caso de matérias idênticas, a de protocolo mais antigo, com arquivamento das demais. No entanto, após consulta ao sistema legislativo e ao sítio eletrônico desta Casa, verifica-se que não há, nesta Sessão Legislativa, qualquer outra proposição com o mesmo objeto, não incidindo, portanto, o óbice de duplicidade previsto no referido artigo, tampouco a vedação do art. 67 da Constituição Federal, que trata da reapresentação de projetos rejeitados na mesma sessão legislativa.
Ante a todo o exposto, entendo que o presente Projeto de Resolução reúne os requisitos mínimos legais para a sua tramitação.
3. CONCLUSÃO.
Diante do exposto, nos termos da fundamentação supra, que integra o presente parecer, opinamos pelo regular PROSSEGUIMENTO do Projeto de Lei nº 210/2025, desde que suprimido o Art. 2º e 3º do indigitado projeto de lei, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que semelhantes ao presente projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer.
Serra/ES, 28 de novembro 2025.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
Procurador
Nº Funcional 4073096
MAYCON VICENTE DA SILVA
Assessor Jurídico
Nº Funcional 4113594-2
|
Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
|
|
|
|