Recebimento: 10/02/2025 |
Fase: Distribuir proposição ao Procurador para elaboração de parecer |
Setor:Procuradoria |
Envio: 08/04/2025 18:06:12 |
Ação: Parecer Emitido
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Tempo gasto: 57 dias, 6 horas, 57 minutos
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Complemento da Ação: Processo nº: 154/2025
Projeto de Lei nº: 17/2025
Requerente: Vereador Saulinho da Academia
Assunto: “Dispõe Sobre o Incentivo à Produção Familiar na Zona Rural do Município de Serra, Estado do Espírito Santo, e dá Outras Providências”.
Parecer nº: 215/2025
PARECER DA PROCURADORIA GERAL
1. RELATÓRIO
Cuidam os autos de Projeto de Lei de autoria do Vereador Saulinho da Academia, que dispõe sobre incentivo à produção familiar na zona rural do município de serra, com o objetivo instituir políticas de incentivo à produção familiar na zona rural.
Em seus fundamentos o Ilustre Vereador defende que “a agricultura familiar desempenha papel essencial no abastecimento do mercado interno, sendo responsável por uma significativa parcela da produção de alimentos, além de promover o fortalecimento das comunidades rurais”.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação da constitucionalidade do Projeto de Lei, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento o projeto de Lei e justificativa, motivo pelo qual a Presidência desta Casa de Lei nos encaminhou os autos para a sua análise jurídica preliminar. Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, considerando a importância e urgência da proposta sob avaliação, passo a opinar de forma direta e objetiva.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
Ab initio, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no art. 18, IV, da Lei Municipal nº 6.134/2025, o qual determina à Procuradoria elaborar pareceres escritos nos processos que lhe forem encaminhados pelo Presidente desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 278/2020.
Nesse diapasão, convém destacar que a emissão do presente parecer não representa óbice a eventual análise jurídica acerca de outras questões não abordadas no mesmo ou no tocante ao mérito da matéria submetida ao apreço, em caso de solicitação pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência.
Nessa vereda, ressalta-se que no presente parecer jurídico preliminar, de um modo geral, aprecia-se a legalidade e constitucionalidade do projeto de lei sobre três perspectivas elementares: a um, a matéria legislativa proposta deve se encontrar entre aquelas autorizadas pela CF/88 aos Municípios; a dois, se foi respeitada a rígida observância das preferências quanto à iniciativa para proposição prevista pela ordem jurídico-constitucional; a três, a possibilidade de violação por parte da matéria legislativa proposta à direitos fundamentais ou instituições tuteladas por regras ou princípios constitucionais.
Em via reflexa, cumpre destacar que a aprovação de um projeto de lei também passa pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, percebe-se claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I e II, e 99, XXVIII, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Constituição Federal
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Constituição Estadual
Art. 28. Compete ao Município:
I - legislar sobre assunto de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e estadual no que couber;
Lei Orgânica do Município da Serra
Art. 30 - Compete ao Município da:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - Suplementar a legislação federal e estadual, no que couber;
Com efeito, instituir uma política consiste em estabelecer um conjunto de diretrizes, princípios e objetivos estratégicos que orientam a atuação de uma entidade pública ou privada em determinada área, visando à promoção de valores, à resolução de problemas estruturais ou à garantia de direitos. A política tem caráter normativo e orientador, sendo geralmente de longo prazo e voltada à definição do “o quê” fazer e “por quê” fazê-lo.
Diferentemente de um programa, que representa a implementação operacional dessas diretrizes por meio de ações práticas, com metas, cronogramas, recursos e indicadores definidos, a política não se confunde com a execução direta, mas sim com o marco conceitual e institucional que fundamenta e legitima os programas e ações concretas.
Nesse sentido, o Projeto de Lei, ora analisado, versa sobre a instituição de uma “Política de Incentivo à Produção Familiar na Zona Rural”, e não a instituição de um Programa, que em regra, interfere na estrutura e gerando obrigações ao Poder Executivo.
Deste modo, após pertinentes esclarecimentos, vale destacar que o presente Projeto de Lei, visa incentivar a produção familiar na zona rural, e nesta toada a Lei Orgânica do Município da Serra prevê:
Lei Orgânica
Art. 99 - Compete à Câmara, com a sanção de Prefeito:
IX - Fomentar a produção agropecuária e a organização do abastecimento alimentar; (grifos nossos)
E ainda,
Art. 265 O Poder Público quanto ao planejamento agrícola municipal observará que:
I - a política de desenvolvimento rural do Município será consolidada em programa de desenvolvimento rural do Município, elaborado através do esforço conjunto entre instituições públicas, a iniciativa privada, o legislativo municipal, produtores rurais, as organizações sociais e as lideranças comunitárias, sendo seus representantes integrados em um conselho municipal de desenvolvimento rural, sob coordenação do Executivo Municipal, através de um setor especifico e que contemplará atividades de interesse da coletividade rural e o uso dos recursos disponíveis;
II – O programa de desenvolvimento rural será integrado por atividades agropecuárias, agroindustriais, reflorestamento, pesca artesanal, agricultura, preservação do meio ambiente e bem-estar social, incluindo as infraestruturas física se de serviços na zona rural e o abastecimento alimentar. (grifos nossos)
III - o programa de desenvolvimento rural do Município deve assegurar prioridade e incentivos aos produtores rurais, aos pescadores artesanais, aos trabalhadores rurais e aos jovens que moram em zona rural, contemplando ainda suas formas associativas;
IV – Fica assegurado, na forma da lei, o caráter democrático no planejamento e na execução da política fundiária e agrícola do Município, com a participação paritária entre órgãos da administração pública e entidades representativas das classes rurais.
Art. 266 É obrigação do Município implementar política agrícola, objetivando, principalmente, o incentivo à produção nas pequenas propriedades, assim definidas em lei, através do desenvolvimento de tecnologia compatível com as condições sócio-econômico-culturais dos produtores e adaptados às características dos ecossistemas regionais, de forma a garantir a exploração autossustentada dos recursos disponíveis. (grifos nossos)
Vale frisar que a Lei Orgânica caminhou no mesmo sentido da Constituição Federal, senão vejamos:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar; (grifos nossos)
Portanto, com relação às questões de técnica legislativa, observo que o projeto de lei ao instituir uma Política de Incentivo à Produção Familiar na Zona Rural do Município, o legislador em nada interfere na estrutura ou atribuições do Poder Executivo, pelo contrário, apenas estabelece diretrizes, ao passo que eventuais implementações serão regidas pela discricionariedade do Prefeito e dos seus Secretários.
Contudo, oportuno asseverar que o Art. 5º do Projeto de Lei 17/2025, autoriza a instituir o Fundo Municipal de Desenvolvimento da Agricultura Familiar (FMDAF), o que impõe uma análise minuciosa.
Nesse sentido, está Procuradoria firma o entendimento de que projetos de lei meramente autorizativo padece de vício de constitucionalidade, sobretudo, tendo em vista que as leis meramente autorizativas são aquelas que "autorizam" o Poder Executivo a adotar determinada providência, sem criar qualquer obrigação. Tais normas não possuem eficácia jurídica, pois o Executivo já possui autonomia para adotar as medidas que julgar pertinentes dentro de sua competência.
Críticas na doutrina já foram feitas, conforme ensina Sérgio Resende de Barros:
"A 'lei' autorizativa constitui um expediente, usado por parlamentares, para granjear o crédito político pela realização de obras ou serviços em campos materiais nos quais não têm iniciativa das leis. Tais 'leis', óbvio, são sempre de iniciativa parlamentar, pois jamais teria cabimento o Executivo se autorizar a si próprio, muito menos onde já o autoriza a própria Constituição." (Revista da Instituição Toledo de Ensino, 2000, p. 262).
Assim, a matéria objeto dessas leis já está inserida no âmbito de atribuições privativas do Chefe do Executivo, tornando sua autorização pelo Legislativo um ato sem validade jurídica.
Doutro giro, ao estipular prazo, ao Poder Executivo, para regulamentar a Lei, estabelecendo os procedimentos necessários à sua execução, criando assim uma obrigação, é medida que contraria os ditames do parágrafo único do art. 28 da Lei Orgânica:
Art. 28 São Poderes do Município, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo e o Executivo.
Parágrafo único. Salvo exceções previstas nas Constituições Federal e Estadual e por esta Lei, é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições. (grifos nossos)
Nessa toada, a despeito de o objeto central do Projeto de Lei não macular as normas previstas no artigo 143 da Lei Orgânica deste Município, por não entendermos se tratar de matéria legislativa, privativa do Poder Executivo, os artigos 5º e 6º, que autorizam e criam obrigação à Administração, esbarra em vícios de constitucionalidade.
Ressalto ainda que em consulta ao sítio eletrônico desta Casa, esta proposta legislativa não se encontra rejeitada nesta Sessão Legislativa, não incidindo, a princípio, o óbice previsto no artigo 67 da CF, e tampouco já foi proposta por outro parlamentar, conforme o § 1º, do Art. 141 do Regimento Interno.
Diante disso, ainda que reconhecendo os elevados valores que imbuíram a proposição da norma, não há como endossar o Projeto de Lei em avaliação tendo em vista que tratam da estruturação de órgãos do Executivo Municipal.
3. CONCLUSÃO
Posto isso, firmada em todas as razões e fundamentos já expostos, opina esta Procuradoria pelo prosseguimento com ressalvas do Projeto Indicativo nº 17/2025, desde que suprimido os artigos apontados com falha técnica, a fim de retirar texto incompatível com a propositura eleita, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Ressaltamos que o presente Parecer é de natureza opinativa e não vinculatório específico para este processo, de modo que, todos aqueles participantes do processo, em especial o gestor público, dentro da margem de discricionariedade, juízo de valor e ação que lhes são conferidos, deverão diligenciar pela observância dos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais no caso em destaque.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que parecidos a este projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer.
Serra/ES, 07 de abril de 2025.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
Procurador
Nº Funcional 4073096
MAYCON VICENTE DA SILVA
Assessor Jurídico
Nº Funcional 4113594-2
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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