| Recebimento: 29/05/2025 |
Fase: Distribuir proposição ao Procurador para elaboração de parecer |
Setor:Procuradoria |
| Envio: 01/12/2025 14:24:34 |
Ação: Distribuído
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Tempo gasto: 186 dias, 2 horas, 41 minutos
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Complemento da Ação: Processo nº: 2893/2025
Projeto de Lei nº: 685/2025
Requerente: Vereadora Andrea Duarte
Assunto: “Institui diretrizes para a Política Municipal de Acolhimento ao Luto Gestacional, Neonatal e Infantil no Município da Serra/ES e dá outras providências.”
Parecer nº: 775/2025
PARECER DA PROCURADORIA GERAL
1. RELATÓRIO.
Cuidam os autos de Projeto de Lei de autoria da Vereadora Andrea Duarte, que visa instituir diretrizes para a Política Municipal de Acolhimento ao Luto Gestacional, Neonatal e Infantil no Município da Serra/ES e dá outras providências.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação quantos aos aspectos legais e constitucionais para o início da sua tramitação, com consequente emissão de Parecer.
Compõem o presente caderno processual, até o momento, a minuta de projeto de Lei em estudo, a sua justificativa e os despachos de encaminhamento para elaboração de parecer jurídico prévio.
Por fim, relatado o feito, passo a opinar.
2. FUNDAMENTAÇÃO.
Inicialmente, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no art. 18, IV, da Lei Municipal nº 6.134/2025, o qual determina à Procuradoria o assessoramento da Mesa Diretora e da Presidência desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 278/2020.
Nesse diapasão, convém destacar que a emissão do presente parecer não representa óbice a eventual análise jurídica acerca de outras questões não abordadas no mesmo ou no tocante ao mérito da matéria submetida ao apreço, em caso de solicitação pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência.
Nessa vereda, ressalta-se que no presente parecer jurídico preliminar, de um modo geral, aprecia-se a legalidade e constitucionalidade do projeto de lei sobre três perspectivas elementares: a um, a matéria legislativa proposta deve se encontrar entre aquelas autorizadas pela CF/88 aos Municípios; a dois, se foi respeitada a rígida observância das preferências quanto à iniciativa para proposição prevista pela ordem jurídico-constitucional; a três, a possibilidade de violação por parte da matéria legislativa proposta à direitos fundamentais ou instituições tuteladas por regras ou princípios constitucionais.
Em via reflexa, cumpre destacar que a aprovação de um projeto de lei também passa pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, percebe-se claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I e II, e 99, XXVIII, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Constituição Federal
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Constituição Estadual
Art. 28. Compete ao Município:
I - legislar sobre assunto de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e estadual no que couber;
Lei Orgânica do Município da Serra
Art. 30 - Compete ao Município da:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - Suplementar a legislação federal e estadual, no que couber;
O Projeto de Lei em questão visa instituir uma política pública de grande relevância social, voltada ao cuidado humanizado de famílias que enfrentam a dor da perda gestacional, neonatal ou infantil. A análise a seguir se debruça sobre os aspectos formais e materiais da proposta.
A matéria tratada, saúde e assistência social, insere-se na competência concorrente entre União, Estados e Municípios, conforme o artigo 24, incisos VI e XII, da Constituição Federal. Ao Município cabe legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e estadual no que couber (art. 30, I e II, da CF). A criação de uma política de acolhimento ao luto se enquadra perfeitamente no interesse local, visando aprimorar os serviços de saúde e assistência social para a população serrana.
O projeto, em seu mérito, não apenas respeita, mas busca efetivar direitos e garantias fundamentais. Ao propor um acolhimento digno e humanizado, a norma visa concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e o direito fundamental à saúde (art. 196 da CF), em sua dimensão de cuidado integral, que abrange também a saúde mental e o bem-estar psicossocial.
Ademais, não existe óbice jurídico quanto à iniciativa do projeto, haja vista que a matéria articulada no referido projeto não se encontra expressamente entre aquelas de competência privativa do Executivo Municipal previstas no artigo 143 da Lei Orgânica deste Município. Contudo, tratando-se dos artigos 3º e 4º, nota-se que estes detalham o modus operandi da política pública, determinando a instituição de protocolos, a garantia de atendimentos, a criação de grupos de apoio e a qualificação de profissionais. Tais disposições interferem diretamente na organização e nas atribuições das Secretarias de Saúde e de Assistência Social, configurando uma invasão na competência discricionária do Poder Executivo para planejar e executar suas políticas, matéria cuja iniciativa é privativa do Chefe do Executivo, conforme o art. 143, parágrafo único, inciso V, da Lei Orgânica Municipal. Portanto, há vício de iniciativa, devendo tais dispositivos ser suprimidos, com o escopo de não macular o Projeto de Lei.
A jurisprudência é consolidada no sentido de que leis de iniciativa parlamentar não podem impor ao Executivo obrigações que impliquem em atos de gestão e administração. O Supremo Tribunal Federal, no Tema 917 de Repercussão Geral (ARE 878.911), estabeleceu que não há vício de iniciativa em leis parlamentares que criam despesas, desde que não tratem da estrutura ou atribuição de órgãos do Executivo. No presente caso, os artigos 3º e 4º tratam exatamente da atribuição e da forma de atuação desses órgãos.
Portanto, os artigos 3º e 4º do projeto padecem de vício de iniciativa, o que os torna formalmente inconstitucionais por violação ao art. 143 da Lei Orgânica e ao princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF).
O vício identificado, contudo, é passível de saneamento. A supressão dos artigos 3º e 4º elimina a interferência indevida na gestão administrativa, mantendo o núcleo do projeto, que é a instituição da política e suas diretrizes gerais.
Com a remoção desses dispositivos, o projeto passa a ter um caráter programático, estabelecendo o "que" deve ser feito (as diretrizes do art. 2º), mas deixando ao Poder Executivo a competência para definir o "como" será feito, por meio de decreto regulamentador e da organização de seus serviços.
Ressalto ainda que em consulta ao sítio eletrônico desta Casa, esta proposta legislativa não se encontra rejeitada nesta Sessão Legislativa, não incidindo, a princípio, o óbice previsto no artigo 67 da CF, e tampouco já foi proposta por outro parlamentar, conforme o § 1º, do Art. 141 do Regimento Interno.
Diante disso, ainda que reconhecendo os elevados valores que imbuíram a proposição da norma, não há como endossar o Projeto de Lei em avaliação tendo em vista que tratam da estruturação de órgãos do Executivo Municipal.
3. CONCLUSÃO.
Posto isso, firmada em todas as razões e fundamentos já expostos, opina esta Procuradoria pelo PROSSEGUIMENTO do Projeto de Lei nº 685/2025, com ressalvas quanto aos artigos 3°e 4°, pois invadem competência privativa do Chefe do Executivo, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que semelhantes ao presente projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer.
Serra/ES, 26 de novembro de 2025.
LUIZ GUSTAVO GALLON BIANCHI
Procurador
Nº Funcional 4075277
JÚLIA CANDIDA DOS SANTOS BATISTA DE OLIVEIRA
Assessora Jurídica
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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