Complemento da Ação: Processo nº: 4090/2025
Projeto de Lei nº: 803/2025
Requerente: Vereadora George Guanabara
Assunto: “Dispõe Sobre a Criação e Regulamentação do Polo Municipal Digital da Serra, Seu Modelo de Gestão, Fontes de Investimento e Demais Providências”.
Parecer nº: 461/2025
PARECER DA PROCURADORIA GERAL
1. RELATÓRIO
Cuidam os autos de Projeto de Lei nº 803/2025, de autoria da Vereadora George Guanabara, que “Dispõe Sobre a Criação e Regulamentação do Polo Municipal Digital da Serra, Seu Modelo de Gestão, Fontes de Investimento e Demais Providências”. Em seus fundamentos o Ilustre Vereador defende que “este estudo apresenta a estimativa do impacto orçamentário-financeiro da criação do Polo Municipal Digital da Serra e da instituição do Programa de Incentivo à Inovação no Município da Serra, em conformidade com as exigências da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF), Art. 14 e Art. 17. As projeções são baseadas na Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2024 e 2025 do Município da Serra, e consideram dados preliminares e expectativas de desenvolvimento do setor de ecommerce”.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação da constitucionalidade do Projeto de Lei, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento o projeto de Lei e justificativa, motivo pelo qual a Presidência desta Casa de Lei nos encaminhou os autos para a sua análise jurídica preliminar. Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, considerando a importância e urgência da proposta sob avaliação, passo a opinar de forma direta e objetiva.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
Ab initio, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no art. 18, IV, da Lei Municipal nº 6.134/2025, o qual determina à Procuradoria elaborar pareceres escritos nos processos que lhe forem encaminhados pelo Presidente desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 278/2020.
Nesse diapasão, convém destacar que a emissão do presente parecer não representa óbice a eventual análise jurídica acerca de outras questões não abordadas no mesmo ou no tocante ao mérito da matéria submetida ao apreço, em caso de solicitação pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência.
Nessa vereda, ressalta-se que no presente parecer jurídico preliminar, de um modo geral, aprecia-se a legalidade e constitucionalidade do projeto de lei sobre três perspectivas elementares: a um, a matéria legislativa proposta deve se encontrar entre aquelas autorizadas pela CF/88 aos Municípios; a dois, se foi respeitada a rígida observância das preferências quanto à iniciativa para proposição prevista pela ordem jurídico-constitucional; a três, a possibilidade de violação por parte da matéria legislativa proposta à direitos fundamentais ou instituições tuteladas por regras ou princípios constitucionais.
Em via reflexa, cumpre destacar que a aprovação de um projeto de lei também passa pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, percebe-se claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I e II, e 99, XXVIII, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Constituição Federal
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Constituição Estadual
Art. 28. Compete ao Município:
I - legislar sobre assunto de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e estadual no que couber;
Lei Orgânica do Município da Serra
Art. 7º - O Poder Executivo Municipal, em prazo não superior a 180 (cento e oitenta) dias, apresentará o Projeto do Código de Postura Municipal, para votação pela Câmara Municipal.
Art. 30 - Compete ao Município da:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - Suplementar a legislação federal e estadual, no que couber;
Com efeito, em se tratando de propositura que “Dispõe Sobre a Criação e Regulamentação do Polo Municipal Digital da Serra, Seu Modelo de Gestão, Fontes de Investimento e Demais Providências”, este invade as atribuições do Poder Executivo, impondo obrigações à Administração Pública, aparentemente caracteriza interferência do Legislativo nas atribuições privativas do Poder Executivo, extrapolando os contornos previstos pelo STF quando julgou os limites da iniciativa parlamentar na criação de obrigações ao Executivo.
Nessa toada, o Projeto de Lei interfere diretamente na estrutura e organização da Administração Pública Municipal, o que é de competência exclusiva do Prefeito.
Fundamento Legal (LOM): Art. 143, Parágrafo Único, incisos II e V.
Art. 143. (...)
Parágrafo Único. São de iniciativa privativa do Prefeito as leis que disponham sobre: (...)
II - organização administrativa e pessoal da administração do Poder Executivo; (...)
V - criação, estruturação e atribuições das Secretarias Municipais e órgãos do Poder Executivo.
Assim o Art. 1º e Art. 2º do projeto, cria o "Polo Municipal Digital da Serra" e define estruturas como o "Centro de Transformação Digital do Varejo (CTDV)", detalhando suas atribuições. Tais estruturas, ainda que concebidas como um "ecossistema", funcionam na prática como programas e órgãos vinculados à política pública municipal, cuja criação e estruturação cabem ao Executivo.
Já o Art. 3º, determina o modelo de gestão do Polo, impondo que seja administrado por uma Organização Social (OS) a ser qualificada pelo Poder Executivo. A definição do modelo de gestão de políticas e equipamentos públicos é um ato típico de administração, inserido na competência discricionária do Prefeito. O Legislativo não pode impor ao Executivo a adoção de um modelo específico de parceria com o terceiro setor.
Vale destacar ainda o Art. 7º, que cria um novo órgão colegiado, o "Conselho Gestor do Polo Municipal Digital da Serra", definindo sua composição (com representantes de Secretarias Municipais) e suas atribuições. A criação de conselhos, comitês ou quaisquer outros órgãos na estrutura da administração pública é matéria de organização administrativa, de iniciativa reservada ao Prefeito.
Doutro giro, é nítido a Usurpação de Competência em Matéria Tributária e Orçamentária, senão vejamos:
O projeto de lei estabelece renúncia de receita e cria um programa de incentivos fiscais, matérias que também são de iniciativa privativa do Poder Executivo.
Destarte, embora a LOM não seja explícita sobre a iniciativa de leis tributárias, a jurisprudência dos tribunais superiores é pacífica no sentido de que leis que concedem benefícios fiscais e, consequentemente, geram renúncia de receita, devem ser de iniciativa do Chefe do Executivo. Isso se deve ao impacto direto no orçamento e na arrecadação, cuja gestão é de responsabilidade primária do Prefeito.
Assim, o Art. 4º institui um "Programa de Incentivo à Inovação" e concede benefício fiscal explícito, permitindo que empresas abatam até 20% do valor devido de ISS e IPTU. A criação de despesa indireta (renúncia de receita) sem a iniciativa do Executivo é inconstitucional.
Já o Art. 4º, §4º e §6º, atribui à Secretaria Municipal de Fazenda a emissão dos certificados e a fiscalização, ou seja, cria novas atribuições para um órgão do Executivo, reforçando o vício de iniciativa.
Em via distinta, além dos vícios formais, o projeto apresenta vícios materiais por violar normas de finanças públicas.
O Art. 14 da LRF exige que a concessão de benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita seja acompanhada de uma estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes. Além disso, deve demonstrar que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária e que não afetará as metas de resultados fiscais, ou estar acompanhada de medidas de compensação (aumento de receita ou redução de despesa).
O projeto de lei não apresenta o estudo de impacto financeiro nem as medidas compensatórias exigidas, sendo, portanto, materialmente incompatível com a LRF.
Com relação às questões de técnica legislativa, o projeto também apresenta impropriedades, com delegação excessiva e imprópria, como se observa no Art. 10º, onde delega ao Poder Executivo a regulamentação de praticamente todos os aspectos essenciais da lei (procedimentos de qualificação da OS, critérios do benefício fiscal, regimento do Conselho, etc.). Isso representa uma delegação excessiva da função legislativa, tornando a lei uma mera "carta de intenções" a ser preenchida por decreto.
Por derradeiro, a Estrutura de Governança Questionável, quando no Art. 4º, §4º, condiciona a emissão de Certificados de Incentivo Fiscal pela Secretaria de Fazenda à "análise e aprovação pelo Comitê Gestor". Submeter um ato de gestão tributária de um órgão do Executivo à aprovação de um conselho com participação de entidades privadas é um arranjo de governança atípico e juridicamente questionável, podendo ferir os princípios da impessoalidade e da supremacia do interesse público.
Ressalto ainda que em consulta ao sítio eletrônico desta Casa, esta proposta legislativa não se encontra rejeitada nesta Sessão Legislativa, não incidindo, a princípio, o óbice previsto no artigo 67 da CF, e tampouco já foi proposta por outro parlamentar, conforme o § 1º, do Art. 141 do Regimento Interno.
Destarte, nada obsta que posteriormente, a matéria contida nestes autos de processo legislativo seja enviada por meio de Projeto Indicativo.
Como se sabe, o Projeto Indicativo é modalidade de proposição inserta no Regimento Interno da Câmara Municipal, especificamente no artigo 136, que se conceitua como a recomendação da Câmara de Vereadores ao Poder Executivo Municipal, em forma de Minuta de Lei, para que aquele Poder inicie processo legislativo sobre matéria de sua competência privativa.
Para melhor compreensão, vejamos a transcrição de alguns dos dispositivos legais que regulamentam o Projeto Indicativo:
Art. 136 O Projeto Indicativo é a recomendação da Câmara Municipal da Serra ao Poder Executivo local, no sentido de que este promova a abertura de processo legislativo que verse sobre matéria de sua competência.
Parágrafo único. Os Projetos Indicativos terão a forma de Minuta de Projeto de Lei.
Feita a transcrição, fica claro que a veiculação válida do Projeto Indicativo está necessariamente atrelada à verificação no caso de dois requisitos, quais sejam, que a matéria versada seja de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo e que, como em qualquer ato da Administração, haja interesse público em sua realização.
No caso concreto entendemos satisfeito o quesito “iniciativa privativa do Prefeito”, pelos fundamentos descritos anteriormente, de modo que a referida matéria poderá, caso entendam os nobres edis, ser enviada por meio de Projeto Indicativo.
Diante disso, ainda que reconhecendo os elevados valores que imbuíram a proposição da norma, não há como endossar o Projeto de Lei em avaliação tendo em vista que tratam da estruturação de órgãos do Executivo Municipal.
3. CONCLUSÃO
Posto isso, firmada em todas as razões e fundamentos já expostos, opina esta Procuradoria pelo não prosseguimento do Projeto de Lei nº 803/2025, haja vista que “Dispõe Sobre a Criação e Regulamentação do Polo Municipal Digital da Serra, Seu Modelo de Gestão, Fontes de Investimento e Demais Providências”, estabelecendo políticas públicas municipais que demandam a estruturação de órgãos do Executivo Municipal com despesas, violando o artigo 143, V da Lei Orgânica Municipal, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Ressaltamos que o presente Parecer é de natureza opinativa e não vinculatório específico para este processo, de modo que, todos aqueles participantes do processo, em especial o gestor público, dentro da margem de discricionariedade, juízo de valor e ação que lhes são conferidos, deverão diligenciar pela observância dos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais no caso em destaque.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que parecidos a este projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer.
Serra/ES, 18 de julho de 2025.
LUIZ GUSTAVO GALLON BIANCHI
Procurador
Nº Funcional 4075277
MAYCON VICENTE DA SILVA
Assessor Jurídico
Nº Funcional 4113594-2
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