Complemento da Ação: Processo nº: 4150/2025
Projeto de Lei nº: 809/2025
Requerente: Vereadora George Guanabara
Assunto: “Institui a “Calçada da Fama da Serra”, cria o Comitê Municipal de Honrarias da Serra e Dispõe Sobre os Critérios para Homenagem a Personalidades no Âmbito do Município Da Serra”.
Parecer nº: 460/2025
PARECER DA PROCURADORIA GERAL
1. RELATÓRIO
Cuidam os autos de Projeto de Lei nº 809/2025, de autoria da Vereadora George Guanabara, que Institui a “Calçada da Fama da Serra”, Cria o Comitê Municipal de Honrarias da Serra e Dispõe Sobre os Critérios para Homenagem a Personalidades no Âmbito do Município Da Serra. Em seus fundamentos o Ilustre Vereador defende que “a Serra, cidade de gente trabalhadora e vibrante, com uma população que ultrapassa os 500 mil habitantes, é um polo de desenvolvimento no Espírito Santo.
Sua história é tecida pelas mãos e mentes de inúmeras personalidades que, nas mais diversas áreas, deixaram e continuam a deixar marcas indeléveis. No entanto, muitas dessas histórias de sucesso e contribuição ainda carecem de um espaço público permanente para sua devida celebração. É nesse contexto que o presente Projeto de Lei ganha sua relevância, ao instituir a "Calçada da Fama da Serra" e o Comitê Municipal de Honrarias da Serra”.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação da constitucionalidade do Projeto de Lei, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento o projeto de Lei e justificativa, motivo pelo qual a Presidência desta Casa de Lei nos encaminhou os autos para a sua análise jurídica preliminar. Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, considerando a importância e urgência da proposta sob avaliação, passo a opinar de forma direta e objetiva.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
Ab initio, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no art. 18, IV, da Lei Municipal nº 6.134/2025, o qual determina à Procuradoria elaborar pareceres escritos nos processos que lhe forem encaminhados pelo Presidente desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 278/2020.
Nesse diapasão, convém destacar que a emissão do presente parecer não representa óbice a eventual análise jurídica acerca de outras questões não abordadas no mesmo ou no tocante ao mérito da matéria submetida ao apreço, em caso de solicitação pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência.
Nessa vereda, ressalta-se que no presente parecer jurídico preliminar, de um modo geral, aprecia-se a legalidade e constitucionalidade do projeto de lei sobre três perspectivas elementares: a um, a matéria legislativa proposta deve se encontrar entre aquelas autorizadas pela CF/88 aos Municípios; a dois, se foi respeitada a rígida observância das preferências quanto à iniciativa para proposição prevista pela ordem jurídico-constitucional; a três, a possibilidade de violação por parte da matéria legislativa proposta à direitos fundamentais ou instituições tuteladas por regras ou princípios constitucionais.
Em via reflexa, cumpre destacar que a aprovação de um projeto de lei também passa pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, percebe-se claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I e II, e 99, XXVIII, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Constituição Federal
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Constituição Estadual
Art. 28. Compete ao Município:
I - legislar sobre assunto de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e estadual no que couber;
Lei Orgânica do Município da Serra
Art. 7º - O Poder Executivo Municipal, em prazo não superior a 180 (cento e oitenta) dias, apresentará o Projeto do Código de Postura Municipal, para votação pela Câmara Municipal.
Art. 30 - Compete ao Município da:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - Suplementar a legislação federal e estadual, no que couber;
Com efeito, em se tratando de propositura que visa Institui a “Calçada da Fama da Serra”, Cria o Comitê Municipal de Honrarias da Serra e Dispõe Sobre os Critérios para Homenagem a Personalidades no Âmbito do Município Da Serra, este invade as atribuições do Poder Executivo, impondo obrigações à Administração Pública, aparentemente caracteriza interferência do Legislativo nas atribuições privativas do Poder Executivo, extrapolando os contornos previstos pelo STF quando julgou os limites da iniciativa parlamentar na criação de obrigações ao Executivo, conforme jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Espírito Santo, senão vejamos:
Nessa toada, o principal ponto de atenção no projeto é a usurpação da competência privativa do Chefe do Poder Executivo, configurando um vício de iniciativa.
O art. 143, parágrafo único, inciso V, da Lei Orgânica do Município da Serra estabelece que são de iniciativa privativa do Prefeito as leis que disponham sobre a "criação, estruturação e atribuições das Secretarias Municipais e órgãos do Poder Executivo".
O art. 4º do Projeto de Lei propõe a criação do "Comitê Municipal de Honrarias da Serra", definindo-o como um órgão consultivo e deliberativo. Além disso, estabelece sua composição, incluindo representantes de diversas Secretarias Municipais (Educação, Cultura, Esportes).
Ao criar um novo órgão na estrutura da administração, definir suas atribuições e determinar a participação de secretarias municipais, o projeto de lei, de iniciativa parlamentar, interfere diretamente na organização e no funcionamento do Poder Executivo. Essa matéria, conforme a Lei Orgânica municipal e o princípio da separação dos poderes, é de competência exclusiva do Prefeito.
A jurisprudência dos tribunais superiores é consolidada nesse sentido. Leis de iniciativa parlamentar que criam ou estruturam órgãos colegiados (conselhos, comitês) com a participação de membros do Executivo são consistentemente declaradas inconstitucionais.
TJ-SP — Direta de Inconstitucionalidade 21026604820178260000 — Publicado em 04/12/2017
O Tribunal de Justiça de São Paulo declarou a inconstitucionalidade de uma lei de iniciativa parlamentar que criava um "projeto bolsa-atleta" e uma "Comissão Municipal do Esporte", por entender que a criação de órgãos e a definição de atribuições no âmbito da administração é de competência legislativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo, violando o princípio da separação de poderes.
TJ-SP — Direta de Inconstitucionalidade 22426712020238260000 — Publicado em 01/02/2024
Em caso semelhante, foi declarada a inconstitucionalidade de lei que criava um "Comitê Gestor Intersetorial", por entender que a norma impunha obrigações de gestão e modificava o rol de atribuições de órgãos públicos, caracterizando intromissão em atos de gestão e ofensa à reserva da Administração.
Por derradeiro, doutrinadores como José dos Santos Carvalho Filho (Manual de Direito Administrativo) afirmam que a interferência do Legislativo em matéria administrativa viola o princípio da separação dos poderes (artigo 2º da Constituição Federal).
Doutro giro, o art. 7º do PL prevê que as despesas correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, e a justificativa do projeto estima um impacto de R$ 220.000,00 (duzentos e vinte mil reais).
Conforme a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 917 de Repercussão Geral, a mera criação de despesas por lei de iniciativa parlamentar não é, por si só, inconstitucional. No entanto, a tese é clara ao ressalvar que a lei não pode tratar da estrutura ou da atribuição de órgãos da administração.
No caso em análise, a despesa é uma consequência direta da criação de uma estrutura administrativa (o Comitê) e de suas novas atribuições. Portanto, o vício não está na criação da despesa em si, mas na usurpação de competência que a origina.
Com relação às questões de técnica legislativa, observo que o projeto de lei atendeu às principais diretrizes da Lei Complementar 95/98, o que não impede eventuais aperfeiçoamentos pelas Comissão deste Parlamento, dentro da margem da conveniência e oportunidade.
Ressalto ainda que em consulta ao sítio eletrônico desta Casa, esta proposta legislativa não se encontra rejeitada nesta Sessão Legislativa, não incidindo, a princípio, o óbice previsto no artigo 67 da CF, e tampouco já foi proposta por outro parlamentar, conforme o § 1º, do Art. 141 do Regimento Interno.
Destarte, nada obsta que posteriormente, a matéria contida nestes autos de processo legislativo seja enviada por meio de Projeto Indicativo.
Como se sabe, o Projeto Indicativo é modalidade de proposição inserta no Regimento Interno da Câmara Municipal, especificamente no artigo 136, que se conceitua como a recomendação da Câmara de Vereadores ao Poder Executivo Municipal, em forma de Minuta de Lei, para que aquele Poder inicie processo legislativo sobre matéria de sua competência privativa.
Para melhor compreensão, vejamos a transcrição de alguns dos dispositivos legais que regulamentam o Projeto Indicativo:
Art. 136 O Projeto Indicativo é a recomendação da Câmara Municipal da Serra ao Poder Executivo local, no sentido de que este promova a abertura de processo legislativo que verse sobre matéria de sua competência.
Parágrafo único. Os Projetos Indicativos terão a forma de Minuta de Projeto de Lei.
Feita a transcrição, fica claro que a veiculação válida do Projeto Indicativo está necessariamente atrelada à verificação no caso de dois requisitos, quais sejam, que a matéria versada seja de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo e que, como em qualquer ato da Administração, haja interesse público em sua realização.
No caso concreto entendemos satisfeito o quesito “iniciativa privativa do Prefeito”, pelos fundamentos descritos anteriormente, de modo que a referida matéria poderá, caso entendam os nobres edis, ser enviada por meio de Projeto Indicativo.
Diante disso, ainda que reconhecendo os elevados valores que imbuíram a proposição da norma, não há como endossar o Projeto de Lei em avaliação tendo em vista que tratam da estruturação de órgãos do Executivo Municipal.
3. CONCLUSÃO
Posto isso, firmada em todas as razões e fundamentos já expostos, opina esta Procuradoria pelo não prosseguimento do Projeto de Lei nº 809/2025, haja vista que trata Institui a “Calçada da Fama da Serra”, Cria o Comitê Municipal de Honrarias da Serra, estabelecendo políticas públicas municipais que demandam a estruturação de órgãos do Executivo Municipal com despesas, violando o artigo 143, V da Lei Orgânica Municipal, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Ressaltamos que o presente Parecer é de natureza opinativa e não vinculatório específico para este processo, de modo que, todos aqueles participantes do processo, em especial o gestor público, dentro da margem de discricionariedade, juízo de valor e ação que lhes são conferidos, deverão diligenciar pela observância dos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais no caso em destaque.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que parecidos a este projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer.
Serra/ES, 18 de julho de 2025.
LUIZ GUSTAVO GALLON BIANCHI
Procurador
Nº Funcional 4075277
MAYCON VICENTE DA SILVA
Assessor Jurídico
Nº Funcional 4113594-2
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