| Recebimento: 03/11/2025 |
Fase: Distribuir proposição ao Procurador para elaboração de parecer |
Setor:Procuradoria |
| Envio: 01/12/2025 16:01:37 |
Ação: Parecer Emitido
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Tempo gasto: 28 dias, 5 horas, 16 minutos
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Complemento da Ação: PROCESSO Nº: 6372/2025
PROJETO DE LEI nº: 927/2025
REQUERENTE: Vereador George Guanabara
ASSUNTO: “Inclui no Calendário Oficial de Eventos do Município da Serra a Semana Municipal de Conscientização Sobre o Uso Seguro da Internet e a Prevenção de Desafios Perigosos nas Redes Sociais - (Lei Sarah Raissa) e dá Outras Providências”.
PARECER Nº: 823/2025
PARECER DA PROCURADORIA GERAL
1. RELATÓRIO.
Cuidam os autos de Projeto de Lei 927/2025, de autoria do ilustre Vereador George Guanabara, que “Inclui no Calendário Oficial de Eventos do Município da Serra a Semana Municipal de Conscientização Sobre o Uso Seguro da Internet e a Prevenção de Desafios Perigosos nas Redes Sociais - (Lei Sarah Raissa) e dá Outras Providências”.
O Vereador justifica sua propositura no seguinte sentido: “O presente Projeto de Lei propõe a inclusão da Semana Municipal de Conscientização sobre o Uso Seguro da Internet e Prevenção de Desafios Perigosos nas Redes Sociais no calendário oficial do Município da Serra, a ser realizada anualmente no dia 17 de maio, em consonância com o Dia Mundial da Internet. Esta proposta, que passa a ser denominada Lei Sarah Raíssa, nasce da urgência em promover a proteção integral de crianças e adolescentes frente aos riscos do ambiente digital, especialmente diante da crescente propagação de conteúdos nocivos e desafios virais de extremo perigo nas redes sociais”.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação quantos aos aspectos legais e constitucionais para o início da sua tramitação, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento a minuta de Projeto Indicativo, a sua justificativa e os despachos de encaminhamento para elaboração de parecer jurídico prévio.
Por fim, relatado o feito, passo a opinar.
2. FUNDAMENTAÇÃO.
Inicialmente, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no art. 18, IV, da Lei Municipal nº 6.134/2025, o qual determina à Procuradoria o assessoramento da Mesa Diretora e da Presidência desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 278/2020.
Nesse diapasão, convém destacar que a emissão do presente parecer não representa óbice a eventual análise jurídica acerca de outras questões não abordadas no mesmo ou no tocante ao mérito da matéria submetida ao apreço, em caso de solicitação pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência.
Nessa vereda, ressalta-se que no presente parecer jurídico preliminar, de um modo geral, aprecia-se a legalidade e constitucionalidade do projeto de lei sobre três perspectivas elementares: i) a matéria legislativa proposta deve se encontrar entre aquelas autorizadas pela CF/88 aos Municípios; ii) se foi respeitada a rígida observância das preferências quanto à iniciativa para proposição prevista pela ordem jurídico-constitucional; iii) a possibilidade de violação por parte da matéria legislativa proposta à direitos fundamentais ou instituições tuteladas por regras ou princípios constitucionais.
Inicialmente, cumpre destacar que a elevação de um Projeto ao patamar de Lei Municipal passa sempre pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, se percebe claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I e II, e 99, XIV, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Desta maneira, não se vislumbra nenhum óbice à tramitação do projeto, uma vez que o projeto trata de assunto de interesse local.
Nesse sentido, a instituição de datas comemorativas e sua inclusão no calendário oficial do Município são matérias de interesse local (art. 30, I, da Constituição Federal), inserindo-se, portanto, na competência legiferante desta Casa de Leis.
O Município da Serra, por meio da Lei nº 4.950/2019, sancionada pelo Chefe do Poder Executivo, consolidou e sistematizou o procedimento para tal finalidade. O Art. 2º da referida lei estabelece que "Todas as Leis que instituírem Eventos e Datas Comemorativas no Município da Serra deverão obrigatoriamente mencionar a inclusão nesta Lei."
Nesse aspecto, o Projeto de Lei nº 927/2025 acerta em seu procedimento formal. O parágrafo único do seu Art. 1º cumpre exatamente essa determinação, ao prever a alteração da tabela anexa à Lei nº 4.950/2019. Portanto, no que tange ao seu objetivo primário, criar uma data no calendário oficial, a proposição está em conformidade com a legislação municipal vigente.
Contudo, apesar do acerto procedimental em seu Art. 1º, o projeto de lei extrapola o simples ato de criar uma data comemorativa e avança sobre matéria de competência privativa do Chefe do Poder Executivo.
A Lei Orgânica do Município (LOM), em seu art. 143, parágrafo único, é clara ao reservar ao Prefeito a iniciativa de leis que disponham sobre a organização, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos do Poder Executivo (inciso V), bem como sobre o regime jurídico dos servidores públicos (inciso III).
Os artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º do projeto em análise incorrem precisamente neste vício, ao:
Detalhar o modo de execução de políticas públicas, determinando as atividades a serem realizadas pela Secretaria de Educação e pelas escolas (Arts. 2º e 3º);
Criar obrigações diretas para as unidades de ensino, como a inclusão de temas em seus projetos pedagógicos (Art. 7º);
Ingerir no regime funcional dos servidores, ao estabelecer proibições e cominar sanções administrativas aos profissionais da educação (Arts. 4º e 5º).
Essas disposições transformam uma lei que deveria ter caráter geral e abstrato (criação de uma data) em um ato de administração, definindo o como, o quando e o por quem as ações devem ser executadas. Tal conduta representa uma clara invasão da esfera de gestão e planejamento, que compete exclusivamente ao Poder Executivo, violando o princípio da separação dos poderes.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) é pacífica nesse sentido. O Tema 917 de Repercussão Geral (ARE 878.911) estabelece que a lei de iniciativa parlamentar não pode versar sobre a "estrutura ou da atribuição" de órgãos do Executivo.
STF — ARE 878911 — PUBLICADO EM 11/10/2016 - RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. REPERCUSSÃO GERAL. 2. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL. LEI 5.616/2013, DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. INSTALAÇÃO DE CÂMERAS DE MONITORAMENTO EM ESCOLAS E CERCANIAS. 3. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. VÍCIO DE INICIATIVA. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. NÃO OCORRÊNCIA. Não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos. Repercussão geral reconhecida com reafirmação da jurisprudência desta Corte. Recurso extraordinário provido. (STF - ARE: 878911 RJ, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 29/09/2016, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 11/10/2016)
Decisões mais recentes corroboram o entendimento, censurando leis que detalham a implementação de políticas públicas:
STF — ARE 1357552 — Publicado em 25/03/2022 - AGRAVO INTERNO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADI ESTADUAL. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR QUE ESTABELECE COMPETÊNCIAS PARA O PODER EXECUTIVO DO ESTADO. USURPAÇÃO DA INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. JURISPRUDÊNCIA DESTA SUPREMA CORTE. Trata-se de Agravo em Recurso Extraordinário por meio do qual a MESA DIRETORA DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO manifesta o seu inconformismo com o entendimento firmado pelo Tribunal de origem, que declarou a inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa, da Lei Estadual 8.723, de 24 de janeiro de 2020, que criou “o Programa Estadual de Videomonitoramento – PEV -, com o objetivo de aperfeiçoar e expandir o alcance do monitoramento por câmeras no Estado do Rio de Janeiro e dá outras providências”. A norma local, de iniciativa parlamentar, a despeito de sua boa intenção, estabelece competências para o Poder Executivo do Estado, em especial para a Secretaria de Estado de Polícia Militar e para a Secretaria de Estado de Polícia Civil. Ao assim dispor, usurpa a iniciativa legislativa privativa do Chefe do Poder Executivo, estabelecida para o Presidente da República no art. 61, § 1º, II, e, da Constituição Federal, aplicado simetricamente a todos os entes da Federação. A jurisprudência da CORTE registra que a iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, estabelecida no art. 61, § 1º, II, e, da Constituição Federal, para legislar sobre a organização administrativa no âmbito do ente federativo, veda que os demais legitimados para o processo legislativo proponham leis que criem, alterem ou extingam órgãos públicos, ou que lhes cominem novas atribuições. O acórdão recorrido observou esse entendimento, razão pela qual merece ser mantido. Agravo Interno a que se nega provimento. (STF - ARE: 1357552 RJ 0054261-12.2020.8.19.0000, Relator: ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 21/03/2022, Primeira Turma, Data de Publicação: 25/03/2022)
A jurisprudência da CORTE registra que a iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo (...) veda que os demais legitimados para o processo legislativo proponham leis que criem, alterem ou extingam órgãos públicos, ou que lhes cominem novas atribuições.
TJ-SP — DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 22723450920248260000 — PUBLICADO EM 13/02/2025 - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DA LEI MUNICIPAL Nº 4.830, DE 25 DE ABRIL DE 2024, QUE "AUTORIZA A INSTALAÇÃO DE CÂMERA DE VÍDEO DE MONITORAMENTO DE SEGURANÇA NAS ESCOLAS DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DO MUNICÍPIO DE MIRASSOL E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS". Vício de iniciativa - Inexistência - Ato normativo de origem parlamentar instituindo política pública - Legislação local que, em sua essência, não interfere na gestão do Município e tampouco veicula tema de iniciativa privativa do Prefeito - Matéria que não se insere em nenhuma daquelas previstas no rol taxativo do artigo 24, § 2º, da Carta Bandeirante - Competência legislativa concorrente - Tema 917 da Repercussão Geral (ARE nº 878.911/RJ) - Câmara Municipal que atuou no exercício legítimo de sua competência, regulando assunto de interesse local - Precedentes deste C. Órgão Especial. Falta de especificação de fonte de custeio, ademais, que não traduz infringência ao disposto no artigo 25 da Constituição Estadual, mas apenas inexequibilidade da norma no ano em que foi aprovada - Inexistência de afronta ao artigo 113 do ADCT – Instituição de política pública visando conferir maior segurança no ambiente escolar não impõe renúncia de receita, tampouco podendo ser considerada como despesa obrigatória. Parágrafo 1º do artigo 2º; Parágrafo 2º do artigo 2º; e artigos 3º, 4º e 7º, da Lei Municipal nº 4.830/2024 - Dispositivos normativos que definem detalhadamente os meios de implementação da política pública a ser implementada, determinando o modo de execução da lei e interferindo no juízo de conveniência e oportunidade do Chefe do Poder Executivo - Atos típicos de administração, cujo exercício e controle cabem ao Prefeito - Violação aos princípios da Reserva de Administração e da Separação dos Poderes - Desrespeito aos artigos 5º, 47, incisos II, XI, XIV e XIX, letra a, e 144 da Carta Paulista. Artigo 2º - Previsão de integração com as Polícias Civil e Militar, Corpo de Bombeiros e Defesa Civil – Inadmissibilidade - Competência normativa exclusiva do Estado de São Paulo – Violação ao pacto federativo - Ofensa aos artigos 144, § 6º, da Constituição Federal e 141 e 142, da Carta Bandeirante. Artigo 6º - Regras sobre proibição de divulgação de imagens, investigação policial, processo administrativo e judicial - Usurpação de competência privativa da União para legislar sobre direito civil e processo civil – Inteligência do artigo 22, inciso I, da Lei Maior – Desrespeito ao pacto federativo. Ação parcialmente procedente, com efeito ex tunc. (TJ-SP - Direta de Inconstitucionalidade: 22723450920248260000 São Paulo, Relator: Vianna Cotrim, Data de Julgamento: 12/02/2025, Órgão Especial, Data de Publicação: 13/02/2025)
Dispositivos normativos que definem detalhadamente os meios de implementação da política pública a ser implementada, determinando o modo de execução da lei e interferindo no juízo de conveniência e oportunidade do Chefe do Poder Executivo - Atos típicos de administração, cujo exercício e controle cabem ao Prefeito - Violação aos princípios da Reserva de Administração e da Separação dos Poderes.
O vício de iniciativa apontado é parcial e, portanto, sanável. A inconstitucionalidade não macula o projeto em sua totalidade, mas se restringe aos dispositivos que invadem a competência do Executivo.
Nessa seara, o Artigo 1º da proposição, por se limitar a alterar a Lei nº 4.950/2019 para incluir uma nova data no calendário oficial, é constitucional e meritório.
Dessa forma, o projeto pode ter sua tramitação regular, desde que os artigos viciados (2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º) sejam suprimidos, seja por meio de emendas parlamentares durante o processo legislativo, seja por veto do Chefe do Poder Executivo, caso o texto seja aprovado na íntegra.
Com relação às questões de técnica legislativa, observo que o projeto de lei atendeu às principais diretrizes da Lei Complementar nº 95/1998.
Contudo, observa-se a existência de proposição idêntica, a saber, Projeto de Lei 210/2025, que “Institui o Dia Municipal da Conscientização do Uso da Internet e das Redes Sociais por Crianças e Adolescentes no Município da Serra”, protocolado em 25/02/2025 às 15:23:08, de modo que o presente Projeto foi protocolado em 01/10/2025 às 17:06:18.
Nesse lamiré, observando o Art. 141 e seus parágrafos, do Regimento Interno desta Câmara Legislativa, a Resolução nº 278/2020, prescreve no seguinte sentido:
Art. 141 Todas as proposições apresentadas pelos Vereadores e verão ser protocolizadas eletronicamente ou, excepcionalmente, no Protocolo Geral da Câmara, onde receberão designação de data e hora, bem como serão numeradas em ordem sequencial, sendo encaminhadas à Presidência até o primeiro dia útil seguinte.
§ 1º Havendo proposição com objetos idênticos, a ordem de protocolo definirá a sua autoria.
§ 2º A proposição considerada idêntica deverá ser encaminhada à Presidência para arquivamento.
Vale frisar que o Projeto de Lei nº 210/2025 está tramitando nessa Casa Legislativa.
Nessa esteira, tem-se que o Projeto de Lei 927/2025 fica prejudicado pela existência de projeto idêntico, protocolado em dia e hora anterior a presente propositura, devendo, nos termos do § 2º do art. 141, do Regimento interno, ser ARQUIVADO;
3. CONCLUSÃO.
Diante do exposto, nos termos da fundamentação supra, que integra o presente parecer, opinamos pelo ARQUIVAMENTO do Projeto de Lei nº 927/2025, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que semelhantes ao presente projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer.
Serra/ES, 28 de novembro 2025.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
Procurador
Nº Funcional 4073096
MAYCON VICENTE DA SILVA
Assessor Jurídico
Nº Funcional 4113594-2
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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