| Recebimento: 20/08/2025 |
Fase: Distribuir proposição ao Procurador para elaboração de parecer |
Setor:Procuradoria |
| Envio: 17/11/2025 11:40:05 |
Ação: Parecer Emitido
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Tempo gasto: 88 dias, 20 horas, 59 minutos
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Complemento da Ação:
PROCESSO Nº: 5031/2025
PROJETO DE LEI nº: 866/2025
REQUERENTE: Vereador Henrique Lima
ASSUNTO: “Institui o Dia Municipal do Neuropsicopedagogo no âmbito do Município de Serra, Estado do Espírito Santo, e dá outras providências."
PARECER Nº: 783/2025
PARECER DA PROCURADORIA GERAL
1. RELATÓRIO.
Cuidam os autos de Projeto de Lei 866/2025, de autoria do ilustre Vereador Henrique Lima, que ““Institui o Dia Municipal do Neuropsicopedagogo no âmbito do Município de Serra, Estado do Espírito Santo, e dá outras providências."
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação quantos aos aspectos legais e constitucionais para o início da sua tramitação, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento a minuta de Projeto Indicativo, a sua justificativa e os despachos de encaminhamento para elaboração de parecer jurídico prévio.
Por fim, relatado o feito, passo a opinar.
2. FUNDAMENTAÇÃO.
Inicialmente, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no art. 18, IV, da Lei Municipal nº 6.134/2025, o qual determina à Procuradoria o assessoramento da Mesa Diretora e da Presidência desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 278/2020.
Nesse diapasão, convém destacar que a emissão do presente parecer não representa óbice a eventual análise jurídica acerca de outras questões não abordadas no mesmo ou no tocante ao mérito da matéria submetida ao apreço, em caso de solicitação pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência.
Nessa vereda, ressalta-se que no presente parecer jurídico preliminar, de um modo geral, aprecia-se a legalidade e constitucionalidade do projeto de lei sobre três perspectivas elementares: i) a matéria legislativa proposta deve se encontrar entre aquelas autorizadas pela CF/88 aos Municípios; ii) se foi respeitada a rígida observância das preferências quanto à iniciativa para proposição prevista pela ordem jurídico-constitucional; iii) a possibilidade de violação por parte da matéria legislativa proposta à direitos fundamentais ou instituições tuteladas por regras ou princípios constitucionais.
Inicialmente, cumpre destacar que a elevação de um Projeto ao patamar de Lei Municipal passa sempre pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, se percebe claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I e II, e 99, XIV, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Desta maneira, não se vislumbra nenhum óbice à tramitação do projeto, uma vez que o projeto trata de assunto de interesse local.
A proposição legislativa é louvável e alinhada ao interesse público, buscando homenagear os Neuropsicopedagogo da cidade da Serra. A matéria se insere na competência do Município para legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I, CF/88). No entanto, a forma como o projeto foi redigido apresenta vícios que precisam ser sanados.
O ponto mais sensível da proposição reside em seu artigo 3º, que dispõe:
Art. 3º O Poder Executivo Municipal poderá, por meio de seus órgãos competentes, em parceria com entidades representativas da Neuropsicopedagogia e instituições de ensino e saúde, promover atividades alusivas ao Dia Municipal do Neuropsicopedagogo.
Embora a iniciativa legislativa seja, em regra, concorrente, o parágrafo único do artigo 143 da Lei Orgânica Municipal reserva ao Chefe do Poder Executivo a competência privativa para legislar sobre matérias que disponham sobre a criação, estruturação e atribuições das Secretarias Municipais e órgãos do Poder Executivo.
Ao prever que o Poder Executivo "poderá" promover atividades, o projeto, ainda que de forma autorizativa e não impositiva, interfere na esfera de gestão e organização da Administração Pública. Essa previsão, mesmo que bem-intencionada, cria uma atribuição para os órgãos municipais, invadindo a competência privativa do Prefeito para decidir sobre a conveniência e oportunidade de seus atos.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) é pacífica no sentido de que leis de iniciativa parlamentar que criam ou alteram atribuições de órgãos da Administração Pública padecem de vício de inconstitucionalidade formal, por violação ao princípio da separação dos poderes.
STF — RECURSO EXTRAORDINÁRIO: RE 1508920 SP - SÃO PAULO — PUBLICADO EM 16/10/2025 EMENTA DO RE 1508920 SP - EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. LEI MUNICIPAL. TRANSPARÊNCIA PÚBLICA. DADOS ABERTOS. VÍCIO DE INICIATIVA. CRIAÇÃO DE ÓRGÃO. SEPARAÇÃO DE PODERES. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em exame 1. Recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que declarou a inconstitucionalidade da Lei Municipal 8.677/2021 de Marília/SP por vício de iniciativa, ao argumento de violação ao princípio da separação de poderes e da reserva da administração. A lei impugnada disciplina a publicidade no âmbito municipal, tratando da divulgação de informações públicas no formato de dados abertos, incluindo a previsão de uma Política Municipal de Dados Abertos. 2. O Tribunal de Justiça julgou procedente o pedido formulado na ação direta de inconstitucionalidade, declarando a Lei 8.677/2021 inconstitucional ao fundamento de que a norma invadiu a competência exclusiva do Poder Executivo, notadamente por tratar da forma e do conteúdo da divulgação de informações e impor obrigações a servidores e a órgãos da Administração local. II. Questão em discussão 3. Há uma questão em discussão: saber se lei, de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre a criação de órgão público, bem como estabelece obrigações para regulamentar a publicidade e a transparência na administração municipal padece de vício de inconstitucionalidade formal. III. Razões de decidir 4. Os artigos 6º a 7º, § 2º, da Lei Municipal 8.677/2021, ao disporem sobre a criação de um órgão central para gerir a Política Municipal de Dados Abertos e definir suas atribuições, padecem de vício de iniciativa, em violação ao art. 61 da Constituição Federal, haja vista que a matéria é afeta à iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de que é inconstitucional, por vício formal, a lei resultante de iniciativa parlamentar que trate de atribuições de órgãos públicos. 5. Com relação aos demais dispositivos da Lei Municipal 8.677/2021, não há qualquer disposição que altere a estrutura ou a organização de órgãos da Administração municipal. De acordo com o tema 917 da repercussão geral, não usurpa a competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos. 6. As medidas de transparência e publicidade promovidas pela lei, em seus dispositivos constitucionais, refletem e promovem os princípios constitucionais da Administração Pública (publicidade, legalidade e moralidade – art. 37 da Constituição Federal) e o direito de acesso à informação (art. 5º, XIV, da Constituição Federal), contribuindo para a legitimidade das ações governamentais e a fiscalização pública. IV. Dispositivo e tese 7. Recurso extraordinário parcialmente provido. Reconhecimento da inconstitucionalidade dos artigos 6º e 7º, § 2º, da Lei 8.677/2021, do Município de Marília/SP, e manutenção da constitucionalidade dos demais dispositivos da referida norma. (STF - RE: 00000000000001508920 SP - SÃO PAULO, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 25/08/2025, Tribunal Pleno, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 15-10-2025 PUBLIC 16-10-2025)
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de que é inconstitucional, por vício formal, a lei resultante de iniciativa parlamentar que trate de atribuições de órgãos públicos.
STF — AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE: ADI 4727 DF — Publicado em 28/04/2023 - Ementa da ADI 4727 DF - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 1.600/2011 DO ESTADO DO AMAPÁ. PROGRAMA BOLSA ALUGUEL. VÍCIO DE INICIATIVA. INOCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE VINCULAÇÃO DO BENEFÍCIO AO SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA REGULAMENTAÇÃO DA LEI PELO PODER EXECUTIVO. INVIABILIDADE. PARCIAL PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. 1. A Lei amapaense, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata de estruturação ou atribuição de órgãos, tampouco de regime jurídico de servidores, mas tão somente determina que seja pago o auxílio aluguel, pelo Poder Público, nas situações nela contempladas, em caráter emergencial e assistencial, aplicando-se com exatidão a Tese 917 da Repercussão Geral à norma em exame. 2. A norma impugnada não incide na proibição constitucional de indexação ao salário mínimo, tendo em vista que (i) não é fixado valor, mas limite máximo do benefício; e (ii) inexiste inconstitucionalidade em qualquer vinculação a salários mínimos, mas apenas em relação a reajuste automático de salários de servidores. 3. A Constituição, ao estabelecer as competências de cada um dos Poderes constituídos, atribuiu ao Chefe do Poder Executivo a função de chefe de governo e de direção superior da Administração Pública ( CF, art. 84, II), o que significa, ao fim e ao cabo, a definição, por meio de critérios de conveniência e oportunidade, de metas e modos de execução dos objetivos legalmente traçados e em observância às limitações financeiras do Estado. Por esse motivo, a tentativa do Poder Legislativo de impor prazo ao Poder Executivo quanto ao dever regulamentar que lhe é originalmente atribuído pelo texto constitucional sem qualquer restrição temporal, viola o art. 2º da Constituição. 4. Procedência em parte do pedido para declarar a inconstitucionalidade da expressão “no prazo de 90 (noventa) dias”, contida no art. 8º da Lei 1.600, de 28 de dezembro de 2011, do Estado do Amapá. (STF - ADI: 4727 DF, Relator: Min. EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 23/02/2023, Tribunal Pleno, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 27-04-2023 PUBLIC 28-04-2023)
Mesmo que o verbo "poderá" sugira faculdade, a norma cria uma expectativa de atuação e interfere na organização administrativa, matéria de iniciativa reservada. Tal vício é considerado insanável pela sanção do Prefeito, conforme entendimento consolidado do STF (ADI 6337).
A solução para preservar a constitucionalidade do projeto é a supressão total do artigo 3º por meio de uma emenda supressiva. A retirada deste dispositivo elimina a ingerência nas competências do Poder Executivo, mantendo o mérito da proposta, que é a instituição da data comemorativa.
Doutro giro, o projeto de lei em análise também falha em observar o comando do artigo 2º da Lei Municipal nº 4.950/2019, que determina que toda nova lei que institua data comemorativa deve, obrigatoriamente, mencionar sua inclusão no Calendário Oficial consolidado.
Art. 2º Todas as Leis que instituírem Eventos e Datas Comemorativas no Município da Serra deverão obrigatoriamente mencionar a inclusão nesta Lei.
Este é um vício formal que pode e deve ser corrigido por meio de uma emenda aditiva, garantindo a correta técnica legislativa e a devida atualização do calendário de eventos do município.
Destarte, os vícios identificados, embora relevantes, são passíveis de correção no curso do processo legislativo. A jurisprudência permite o saneamento de projetos de lei, desde que as emendas não desnaturem a proposta original e corrijam as inconstitucionalidades.
A supressão do artigo 3º elimina o vício de iniciativa, restando a essência do projeto, que é a criação da data comemorativa. A adição do artigo que o adequa à Lei nº 4.950/2019, por sua vez, aperfeiçoa-o. Assim, não há impedimento para o prosseguimento da matéria, desde que emendada.
Com relação às questões de técnica legislativa, observo que o projeto de lei atendeu às principais diretrizes da Lei Complementar nº 95/1998.
Nesse contexto, cumpre esclarecer que, conforme estabelece o art. 141 e seus parágrafos do Regimento Interno desta Câmara Legislativa, nos termos da Resolução nº 278/2020, as proposições devem ser protocolizadas eletronicamente ou, excepcionalmente, no Protocolo Geral da Casa, sendo numeradas em ordem sequencial e encaminhadas à Presidência, prevalecendo, em caso de matérias idênticas, a de protocolo mais antigo, com arquivamento das demais. No entanto, após consulta ao sistema legislativo e ao sítio eletrônico desta Casa, verifica-se que não há, nesta Sessão Legislativa, qualquer outra proposição com o mesmo objeto, não incidindo, portanto, o óbice de duplicidade previsto no referido artigo, tampouco a vedação do art. 67 da Constituição Federal, que trata da reapresentação de projetos rejeitados na mesma sessão legislativa.
Ante a todo o exposto, entendo que o presente Projeto de Resolução reúne os requisitos mínimos legais para a sua tramitação.
3. CONCLUSÃO.
Diante do exposto, nos termos da fundamentação supra, que integra o presente parecer, opinamos pelo regular PROSSEGUIMENTO do Projeto de Lei nº 866/2025, desde que suprimido o Art. 3º do indigitado projeto de lei, bem como seja atendida a exigência do Art. 2º da Lei nº 4.950/2019 uma vez que não cumpriu requisito legal para a sua propositura, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que semelhantes ao presente projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer.
Serra/ES, 17 de novembro 2025.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
Procurador
Nº Funcional 4073096
MAYCON VICENTE DA SILVA
Assessor Jurídico
Nº Funcional 4113594-2
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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