| Recebimento: 29/05/2025 |
Fase: Distribuir proposição ao Procurador para elaboração de parecer |
Setor:Procuradoria |
| Envio: 13/11/2025 15:48:43 |
Ação: Parecer Emitido
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Tempo gasto: 168 dias, 4 horas, 3 minutos
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Complemento da Ação: Processo nº: 2696/2025
Projeto de Lei nº: 632/2025
Requerente: Vereador Pequeno do Gás
Assunto: “Dispõe sobre a isenção de taxas municipais para microempresas, empresas de pequeno porte e empreendedores individuais recém-criados no município da Serra, Estado do Espírito Santo, nos primeiros 6 (seis) meses de atividade, e dá outras providências”.
Parecer nº: 771/2025
PARECER DA PROCURADORIA GERAL
1. RELATÓRIO
Cuidam os autos de Projeto de Lei nº 632/2025, de autoria do Vereador Pequeno do Gás, que “Dispõe sobre a isenção de taxas municipais para microempresas, empresas de pequeno porte e empreendedores individuais recém-criados no município da Serra, Estado do Espírito Santo, nos primeiros 6 (seis) meses de atividade, e dá outras providências”.
Em sua fundamentação o Nobre Vereador justificou “O presente Projeto de Lei tem como objetivo fomentar o desenvolvimento econômico do Município da Serra por meio da isenção de taxas municipais para microempresas (ME), empresas de pequeno porte (EPP) e microempreendedores individuais (MEI) durante os primeiros seis meses de atividade. Tal iniciativa visa estimular a formalização de novos empreendimentos, promover a geração de empregos e fortalecer a economia local”.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação da constitucionalidade do Projeto de Lei, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento o projeto de Lei e justificativa, motivo pelo qual a Presidência desta Casa de Lei nos encaminhou os autos para a sua análise jurídica preliminar. Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, considerando a importância e urgência da proposta sob avaliação, passo a opinar de forma direta e objetiva.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
Inicialmente, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no art. 18, IV, da Lei Municipal nº 6.134/2025, o qual determina à Procuradoria elaborar pareceres escritos nos processos que lhe forem encaminhados pelo Presidente desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 278/2020.
Nesse diapasão, convém destacar que a emissão do presente parecer não representa óbice a eventual análise jurídica acerca de outras questões não abordadas no mesmo ou no tocante ao mérito da matéria submetida ao apreço, em caso de solicitação pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência.
Nessa vereda, ressalta-se que no presente parecer jurídico preliminar, de um modo geral, aprecia-se a legalidade e constitucionalidade do projeto de lei sobre três perspectivas elementares: a um, a matéria legislativa proposta deve se encontrar entre aquelas autorizadas pela CF/88 aos Municípios; a dois, se foi respeitada a rígida observância das preferências quanto à iniciativa para proposição prevista pela ordem jurídico-constitucional; a três, a possibilidade de violação por parte da matéria legislativa proposta à direitos fundamentais ou instituições tuteladas por regras ou princípios constitucionais.
Em via reflexa, cumpre destacar que a aprovação de um projeto de lei também passa pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, percebe-se claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I e II, e 99, XXVIII, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Constituição Federal
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Constituição Estadual
Art. 28. Compete ao Município:
I - legislar sobre assunto de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e estadual no que couber;
Art. 30 - Compete ao Município da:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - Suplementar a legislação federal e estadual, no que couber;
O ponto crucial da análise deste Projeto de Lei é a sua iniciativa. A Constituição Federal, em seu artigo 61, § 1º, estabelece um rol de matérias cuja iniciativa legislativa é privativa do Chefe do Poder Executivo. Por simetria, essa regra é de observância obrigatória pelos Estados e Municípios.
Embora a concessão de isenção tributária não esteja expressamente listada no referido artigo, a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal (STF) e dos Tribunais de Justiça, incluindo o do Espírito Santo (TJES), consolidou o entendimento de que leis que concedem benefícios fiscais e, consequentemente, implicam em renúncia de receita, são de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo.
Isso ocorre porque tais leis afetam diretamente o orçamento e a gestão financeira do município, matérias de natureza eminentemente administrativa, cuja responsabilidade primária é do Prefeito. A concessão de isenção sem o planejamento do Executivo pode gerar desequilíbrio nas contas públicas.
Nesse sentido, a jurisprudência é clara:
STF — ADI 4288 SP — Publicado em 13/08/2020 - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 12.257/2006, DO ESTADO DE SÃO PAULO. POLÍTICA DE REESTRUTURAÇÃO DAS SANTAS CASAS E HOSPITAIS FILANTRÓPICOS. INICIATIVA PARLAMENTAR. INOBSERVÂNCIA DA EXCLUSIVIDADE DE INICIATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. ATRIBUIÇÃO DE ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DESTINAÇÃO DE RECEITAS PÚBLICAS. RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO. PEDIDO PROCEDENTE. A Lei Estadual 12.257/2006, de iniciativa parlamentar, dispõe sobre política pública a ser executada pela Secretaria de Estado da Saúde, com repercussão direta nas atribuições desse órgão, que passa a assumir a responsabilidade pela qualificação técnica de hospitais filantrópicos, e com previsão de repasse de recursos do Fundo Estadual de Saúde (art. 2º). Inconstitucionalidade formal. Processo legislativo iniciado por parlamentar, quando a Constituição Federal (art. 61, § 1º, II, c e e) reserva ao chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que tratem do regime jurídico de servidores desse Poder ou que modifiquem a competência e o funcionamento de órgãos administrativos. Ação Direta julgada procedente.
O STF julgou inconstitucional lei de iniciativa parlamentar que dispunha sobre política pública com repercussão nas atribuições de órgãos e destinação de receitas, reforçando a reserva de iniciativa do Executivo em matérias que afetam a administração e o orçamento.
TJ-ES — Direta de Inconstitucionalidade 50121150320228080000 - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL DE LINHARES Nº 4.070/2022. VÍCIO DE INICIATIVA E NÃO OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DE SEPARAÇÃO DE PODERES. PROPOSTA LEGISLATIVA QUE CRIA ATRIBUIÇÕES À SECRETARIA MUNICIPAL. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL VERIFICADA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. Viola o disposto nos artigos 17 e 63, parágrafo único, incisos III e VI, ambos da Constituição Estadual (artigos 2º e 61, § 1º, inciso II, alíneas a e e, ambos da Constituição da Republica), a lei municipal de iniciativa parlamentar que cuida de atividades eminentemente executivas, eis que cria novas atribuições ao Poder Executivo Municipal, tratando, em última medida, de política pública de saúde municipal. Precedentes. A teor dos artigos 926 e 927, incisos I e V, ambos do Código de Processo Civil, que estabelecem o dever de uniformização de jurisprudência, a necessidade de observância aos precedentes do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade, bem como do órgão plenário deste e. Tribunal de Justiça, não há outro caminho se não o de adotar ao presente caso a mesma solução dada pelos tribunais pátrios a casos análogos ao presente. A questão analisada não se amolda àquela resguardada pelo Supremo Tribunal Federal na tese de Repercussão Geral nº 917, vez que a legislação municipal impugnada tratou da organização e de atribuições de órgãos do Poder Executivo Municipal. A declaração de inconstitucionalidade de lei autorizativa se faz necessária para evitar que se consolide o entendimento no sentido de que as leis que autorizam 'aquilo que não poderia autorizar' podem existir e viger. Precedentes. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei Municipal de Linhares nº 4.070/2022, com efeitos ex tunc.
O Tribunal de Justiça do Espírito Santo declarou a inconstitucionalidade de lei municipal de iniciativa parlamentar que criava novas atribuições e despesas para o Executivo, tratando de política pública, por violação à separação de poderes e vício de iniciativa. O raciocínio é análogo para a renúncia de receita.
TJ-ES — Direta de Inconstitucionalidade 99501020188080000 — Publicado em 22/03/2019 - CONSTITUCIONAL – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL – VÍCIO FORMAL SUBJETIVO – VÍCIO DE INICIATIVA – RECONHECIMENTO – INVASÃO PELO LEGISLATIVO A MATÉRIA DE INICIATIVA EXCLUSIVA DO CHEFE DO EXECUTIVO – PROCEDÊNCIA DO PEDIDO PARA RATIFICAR A LIMINAR DEFERIDA E DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI COM EFEITO EX TUNC. A Lei Orgânica do Município de Cariacica, em seu artigo 53, incisos IV e V, prevê como de iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo a proposta de leis referentes à organização administrativa e às atribuições dos órgãos da administração pública municipal. Projeto de autoria do Poder Legislativo que, ao estabelecer condições para concessão de auxílio funeral à população de Cariacica e dar atribuições ao Conselho Municipal de Assistência Social do Município, incorre em vício de inconstitucionaldade formal (ou nomodinâmica) subjetiva, na medida em que invade esfera direcionada exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo. Procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 5759/2017, do Município de Cariacica, atribuindo efeitos ex tunc à declaração e ratificando, por fim, a medida liminar ao seu tempo concedida.
Em outro julgado, o TJES reconheceu o vício de iniciativa em lei parlamentar que invadiu esfera de competência exclusiva do Executivo ao criar atribuições e despesas, o que se aplica à gestão orçamentária afetada pela isenção fiscal.
Portanto, ao propor uma isenção de taxas, o Projeto de Lei incorre em vício de iniciativa formal, usurpando competência que é privativa do Prefeito Municipal.
Nessa toada, vale ressaltar que além do vício de iniciativa, o projeto apresenta um vício material por não atender às exigências da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal).
O artigo 14 da LRF estabelece que a concessão de benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de:
Estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes.
Demonstração de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária e que não afetará as metas de resultados fiscais, ou estar acompanhada de medidas de compensação (aumento de receita ou redução de despesa).
O Projeto de Lei em análise não apresenta o estudo de impacto financeiro nem as medidas compensatórias exigidas pela LRF. Essa omissão não é uma mera irregularidade, mas um vício de inconstitucionalidade material, pois descumpre norma geral de finanças públicas editada pela União (art. 163 e 169 da CF/88).
Com relação às questões de técnica legislativa, observo que o projeto de lei atendeu às principais diretrizes da Lei Complementar 95/98, o que não impede eventuais aperfeiçoamentos pelas Comissão deste Parlamento, dentro da margem da conveniência e oportunidade.
Ressalto ainda que em consulta ao sítio eletrônico desta Casa, esta proposta legislativa não se encontra rejeitada nesta Sessão Legislativa, não incidindo, a princípio, o óbice previsto no artigo 67 da CF, e tampouco já foi proposta por outro parlamentar, conforme o § 1º, do Art. 141 do Regimento Interno.
Frisa-se que, nada obsta que posteriormente, a matéria contida nestes autos de processo legislativo seja enviada por meio de Projeto Indicativo.
Como se sabe, o Projeto Indicativo é modalidade de proposição inserta no Regimento Interno da Câmara Municipal, especificamente no artigo 136, que se conceitua como a recomendação da Câmara de Vereadores ao Poder Executivo Municipal, em forma de Minuta de Lei, para que aquele Poder inicie processo legislativo sobre matéria de sua competência privativa.
Para melhor compreensão, vejamos a transcrição de alguns dos dispositivos legais que regulamentam o Projeto Indicativo:
Art. 136 O Projeto Indicativo é a recomendação da Câmara Municipal da Serra ao Poder Executivo local, no sentido de que este promova a abertura de processo legislativo que verse sobre matéria de sua competência.
Parágrafo único. Os Projetos Indicativos terão a forma de Minuta de Projeto de Lei.
Feita a transcrição, fica claro que a veiculação válida do Projeto Indicativo está necessariamente atrelada à verificação no caso de dois requisitos, quais sejam, que a matéria versada seja de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo e que, como em qualquer ato da Administração, haja interesse público em sua realização.
No caso concreto entendemos satisfeito o quesito “iniciativa privativa do Prefeito”, pelos fundamentos descritos anteriormente, de modo que a referida matéria poderá, caso entendam os nobres edis, ser enviada por meio de Projeto Indicativo.
Diante disso, ainda que reconhecendo os elevados valores que imbuíram a proposição da norma, não há como endossar o Projeto de Lei em avaliação tendo em vista que tratam da estruturação de órgãos do Executivo Municipal.
3. CONCLUSÃO
Posto isso, firmada em todas as razões e fundamentos já expostos, opina esta Procuradoria pelo não prosseguimento do Projeto de Lei nº 632/2025, por latente Inconstitucionalidade Formal e Material, por Vício de Iniciativa e Violação do Art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Ressaltamos que o presente Parecer é de natureza opinativa e não vinculatório específico para este processo, de modo que, todos aqueles participantes do processo, em especial o gestor público, dentro da margem de discricionariedade, juízo de valor e ação que lhes são conferidos, deverão diligenciar pela observância dos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais no caso em destaque.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que parecidos a este projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer.
Serra/ES, 13 de novembro de 2025.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
Procurador
Nº Funcional 4073096
MAYCON VICENTE DA SILVA
Assessor Jurídico
Nº Funcional 4113594-2
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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