Recebimento: 10/02/2025 |
Fase: Distribuir proposição ao Procurador para elaboração de parecer |
Setor:Procuradoria |
Envio: 11/04/2025 15:13:51 |
Ação: Parecer Emitido
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Tempo gasto: 60 dias, 4 horas, 5 minutos
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Complemento da Ação: Processo nº: 189/2025
Projeto de Lei nº: 22/2025
Requerente: Vereadora Raphaela Moraes
Assunto: “Institui Sobre a Obrigatoriedade de Prestação de Socorro aos Animais Atropelados nas Vias Públicas do Município da Serra e dá Outras Providências”.
Parecer nº: 226/2025
PARECER PRÉVIO DA PROCURADORIA GERAL
1. RELATÓRIO
Cuidam os autos de Projeto de Lei 22/2025, de autoria da ilustre Vereadora Raphaela Moraes que “Institui Sobre a Obrigatoriedade de Prestação de Socorro aos Animais Atropelados nas Vias Públicas do Município da Serra”.
Em sua justificativa, esclarece a vereadora que a Constituição Federal, especialmente em seu artigo 225, reconhece os animais como parte do patrimônio ambiental, assegurando-lhes proteção jurídica. A Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998) reforça essa proteção ao tipificar maus-tratos como crime, enquanto a própria Constituição, em seu artigo 30, atribui aos Municípios a competência para legislar sobre interesses locais, inclusive em matéria ambiental. Assim, dentro dos limites das competências concorrentes com União e Estados, os Municípios podem complementar a legislação federal e estadual, regulamentando aspectos específicos da proteção animal conforme as demandas locais. Diante disso, o texto defende a aprovação de uma proposta legislativa municipal que busca preencher lacunas legais e garantir amparo adequado aos animais, especialmente no tocante ao manuseio e assistência a animais em trânsito, combatendo a omissão de socorro e promovendo o bem-estar animal.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação quantos aos aspectos legais e constitucionais para o início da sua tramitação, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento a Minuta de Projeto em estudo, a correspondente Justificativa, fotos e os despachos de encaminhamento para elaboração de parecer jurídico prévio.
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Ab initio, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no art. 18, IV, da Lei Municipal nº 6.134/2025, o qual determina à Procuradoria elaborar pareceres escritos nos processos que lhe forem encaminhados pelo Presidente desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 278/2020.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, se percebe claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Resolução Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I, II e V, 99, XIV e 260, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Constituição Federal
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Constituição Estadual
Art. 28. Compete ao Município:
I - legislar sobre assunto de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e estadual no que couber;
Lei Orgânica do Município da Serra
Art. 30 - Compete ao Município da:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - Suplementar a legislação federal e estadual, no que couber;
Ocorre que, no que diz respeito à constitucionalidade da proposição em análise, entendo que a mesma padece de vício material em virtude de mácula do Projeto em razão da competência privativa da União para legislar sobre o assunto abrigado em seu bojo, nos termos do artigo 22, IX e XI:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
IX - diretrizes da política nacional de transportes;
XI - trânsito e transporte;
Com efeito, ao instituir sobre a obrigatoriedade de prestação de socorro aos animais atropelados nas vias públicas do Município, o Projeto extrapola a competência legislativa local.
Isso porque, a competência para legislar sobre normas relacionadas a trânsito e transporte, como aquela de que trata a proposição, é privativa da União, conforme deflui da inteligência do art. 22, XXVII, da Constituição Federal brasileira, sendo, por isso, vedado aos municípios editarem leis que usurpem essa competência legislativa reservada constitucionalmente.
Nesse sentido, destaca-se que o Legislativo Municipal não pode suplementar legislação que seja de competência privativa da União. A Constituição Federal estabelece, no art. 30, inciso II, que compete aos Municípios:
“suplementar a legislação federal e a estadual no que couber”.
No entanto, essa suplementação só é permitida nas matérias de competência concorrente, conforme previsto no art. 24 da Constituição Federal (como direito ambiental, por exemplo), ou nas questões de interesse local.
Assim, a despeito de a Ilustre Vereadora tratar, em sua justificativa, o presente Projeto de Lei, como sendo em defesa dos animais, a essência da pretensa norma é regular o transito local, inclusive com a estipulação de multa de trânsito para os condutores que descumprirem a Lei.
Já os temas de competência privativa da União (art. 22 da CF), como direito civil, penal, comercial, trânsito, entre outros, não podem ser legislados ou suplementados pelos Municípios, salvo se houver autorização expressa por lei federal (parágrafo único do art. 22 da CF).
“Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo”.
Portanto, se a matéria for de competência privativa da União e não houver delegação, o Município não pode legislar nem suplementar.
Esse já o entendimento do TJES, na Ação Direta de Inconstitucionalidade, senão vejamos:
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 7.100/2007 DO MUNICÍPIO DE VITÓRIA-ES QUE RESTRINGE O EMBARQUE DE PASSAGEIROS POR VEÍCULOS DE TRANSPORTE INDIVIDUAL, PRIVADO OU PÚBLICO, DE OUTROS MUNICÍPIOS. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL. COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR DO MUNICÍPIO QUE TRANSBORDOU A COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA DISCIPLINAR NORMAS GERAIS SOBRE TRÂNSITO E TRANSPORTE. AFRONTA AOS POSTULADOS DA IGUALDADE, LIVRE INICIATIVA E LIVRE CONCORRÊNCIA. TEMA REPERCUSSÃO GERAL Nº 967 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DEMAIS DISPOSITIVOS SEM AUTONOMIA. INCONSTITUCIONALIDADE POR ARRASTAMENTO. SEGURANÇA JURÍDICA QUE RECOMENDA A ATRIBUIÇÃO EXCEPCIONAL DA MODULAÇÃO DOS EFEITOS EX NUNC. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. I. CASO EM EXAME 1. Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Ministério Público do Estado do Espírito Santo contra os arts. 1º e 2º da Lei nº 7.100/2007 do Município de Vitória-ES, que proíbe veículos de aluguel a taxímetro de outros municípios e veículos de transporte privado individual de qualquer município de pararem ou estacionarem para embarque de passageiros no território municipal da capital. A requerente alega que a norma impugnada afronta a competência privativa da União para legislar sobre trânsito e transporte (art. 22, incisos IX e XI, da CF/88), além de violar os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência previstos no art. 170 da Constituição Federal e no art. 206 da Constituição Estadual. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a legislação municipal invadiu a competência legislativa privativa da União ao regular matéria de transporte e trânsito; (ii) estabelecer se a norma municipal restringe de maneira desproporcional o direito à livre iniciativa e à livre concorrência. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Compete privativamente à União legislar sobre diretrizes da política nacional de transportes, trânsito e transporte (CF/1988, art. 22, incisos IX e XI). A lei municipal, ao restringir o embarque de passageiros na capital por táxis de outros municípios ou motoristas privados de qualquer município, invadiu essa competência, caracterizando vício formal. 4. A norma impugnada viola os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, ao criar reserva de mercado para taxistas licenciados em Vitória-ES, contrariando o entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema de Repercussão Geral nº 967, que proíbe restrições desproporcionais à atividade de transporte individual privado. 5. A Lei Federal nº 12.587/2012, alterada pela Lei nº 13.640/2018, atribui aos municípios competência para regulamentar o transporte individual de passageiros, mas sem contrariar as diretrizes federais e sem impor restrições desproporcionais que prejudiquem a livre concorrência. IV. DISPOSITIVO E TESE 6. Pedido procedente, a fim de declarar inconstitucionais, por vícios formal e material, os arts. 1º e 2º da Lei nº 7.100/2007, de Vitória-ES, e por arrastamento os arts. 3º a 9º da referida legislação, com efeitos ex nunc e vinculante. Tese de julgamento: 1. A competência para legislar sobre trânsito e transporte é privativa da União, sendo inconstitucional lei municipal que, se valendo da competência suplementar, disponha em sentido contrário. 2. A proibição ou restrição da atividade de transporte individual de passageiros por veículos de outros municípios, sem justificativa proporcional, viola os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 22, incisos IX e XI, e art. 170; CE/ES, art. 206; Lei Federal nº 12.587/2012; Lei nº 13.640/2018. Jurisprudência relevante citada: STF, RE nº 1.054.110, Rel. Min. Roberto Barroso, Tema de Repercussão Geral nº 967.
Dessa forma, não pode prosperar o Projeto de Lei que, embora nobre e louvável em suas pretensões, invade a competência legislativa privativa da União e contraria regra material estabelecida expressamente na Carta Política.
Com relação às questões de técnica legislativa, observo que o projeto de lei atendeu às principais diretrizes da Lei Complementar 95/98, o que não impede eventuais aperfeiçoamentos pelas Comissão deste Parlamento, dentro da margem da conveniência e oportunidade.
Ressalto ainda que em consulta ao sítio eletrônico desta Casa, esta proposta legislativa não se encontra rejeitada nesta Sessão Legislativa, não incidindo, a princípio, o óbice previsto no artigo 67 da CF, e tampouco já foi proposta por outro parlamentar, conforme o § 1º, do Art. 141 do Regimento Interno.
Diante disso, ainda que reconhecendo os elevados valores que imbuíram a proposição da norma, não há como endossar o Projeto de Lei em avaliação tendo em vista que a falta de competência municipal sobre o assunto.
3. CONCLUSÃO
Posto isso, firmada em todas as razões e fundamentos já expostos, opina esta Procuradoria pelo não prosseguimento do Projeto de Lei nº 22/2024, haja vista que trata de regulamentação de trânsito, tema de competência privativa da União, conforme supramencionado, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Ressaltamos que o presente Parecer é de natureza opinativa e não vinculatório específico para o presente processo, de modo que, todos aqueles participantes do processo, em especial o gestor público, dentro da margem de discricionariedade, juízo de valor e ação que lhes são conferidos, deverão diligenciar pela observância dos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais no caso em destaque.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que semelhantes ao presente projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer, motivo pelo qual ENCAMINHAMOS os autos ao Procurador Geral.
Serra/ES, 10 de abril de 2025.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
Procurador
Nº Funcional 4073096
MAYCON VICENTE DA SILVA
Assessor Jurídico
Nº Funcional 4113594-2
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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