| Recebimento: 10/02/2025 |
Fase: Distribuir proposição ao Procurador para elaboração de parecer |
Setor:Procuradoria |
| Envio: 03/11/2025 12:20:00 |
Ação: Parecer Emitido
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Tempo gasto: 266 dias, 1 hora, 13 minutos
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Complemento da Ação: Processo nº: 430/2025
Projeto de Lei nº: 109/2025
Requerente: Vereador Paulinho do Churrasquinho
Assunto: “Dispõe Sobre a Obrigatoriedade de Disponibilização de Comunicações em Áudio por Meio de Aplicativo de Mensagem, por Orgãos Públicos do Município da Serra, para Garantir Acessibilidade às Pessoas Cegas, e dá Outras Providências”.
Parecer nº: 722/2025
PARECER DA PROCURADORIA GERAL
1. RELATÓRIO
Cuidam os autos de Projeto de Lei nº 109/2025, de autoria do Vereador Paulinho do Churrasquinho, que “Dispõe Sobre a Obrigatoriedade de Disponibilização de Comunicações em Áudio por Meio de Aplicativo de Mensagem, por Orgãos Públicos do Município da Serra, para Garantir Acessibilidade às Pessoas Cegas, e dá Outras Providências”.
Em seus fundamentos o Ilustre Vereador defende que “A implementação deste projeto de lei reflete o compromisso com os princípios de inclusão e acessibilidade, essenciais para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. A acessibilidade é um direito garantido pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), que estabelece a necessidade de eliminar barreiras de comunicação e promover o acesso igualitário à informação, especialmente para pessoas com deficiência visual. Os aplicativos de mensagens tornaram-se uma das principais ferramentas de comunicação no mundo, sendo amplamente utilizados por órgãos públicos para informar, atender e interagir com a população”.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação da constitucionalidade do Projeto de Lei, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento o projeto de Lei e justificativa, motivo pelo qual a Presidência desta Casa de Lei nos encaminhou os autos para a sua análise jurídica preliminar. Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, considerando a importância e urgência da proposta sob avaliação, passo a opinar de forma direta e objetiva.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
Ab initio, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no art. 18, IV, da Lei Municipal nº 6.134/2025, o qual determina à Procuradoria elaborar pareceres escritos nos processos que lhe forem encaminhados pelo Presidente desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 278/2020.
Nesse diapasão, convém destacar que a emissão do presente parecer não representa óbice a eventual análise jurídica acerca de outras questões não abordadas no mesmo ou no tocante ao mérito da matéria submetida ao apreço, em caso de solicitação pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência.
Nessa vereda, ressalta-se que no presente parecer jurídico preliminar, de um modo geral, aprecia-se a legalidade e constitucionalidade do projeto de lei sobre três perspectivas elementares: a um, a matéria legislativa proposta deve se encontrar entre aquelas autorizadas pela CF/88 aos Municípios; a dois, se foi respeitada a rígida observância das preferências quanto à iniciativa para proposição prevista pela ordem jurídico-constitucional; a três, a possibilidade de violação por parte da matéria legislativa proposta à direitos fundamentais ou instituições tuteladas por regras ou princípios constitucionais.
Em via reflexa, cumpre destacar que a aprovação de um projeto de lei também passa pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, percebe-se claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I e II, e 99, XXVIII, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Constituição Federal
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Constituição Estadual
Art. 28. Compete ao Município:
I - legislar sobre assunto de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e estadual no que couber;
Art. 30 - Compete ao Município da:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - Suplementar a legislação federal e estadual, no que couber;
O mérito da proposição é louvável e alinhado aos mais elevados princípios constitucionais de inclusão e dignidade da pessoa humana, buscando dar efetividade ao direito de acesso à informação para pessoas com deficiência, em conformidade com a Constituição Federal e a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015).
Contudo, a análise de um projeto de lei não se restringe ao seu mérito, devendo, obrigatoriamente, passar pelo crivo de sua compatibilidade formal com o ordenamento jurídico, especialmente no que tange à repartição de competências entre os Poderes.
Nessa toada, vale frisar que a questão central do presente projeto reside na sua iniciativa parlamentar.
A Lei Orgânica do Município da Serra, em seu artigo 143, estabelece que a iniciativa das leis compete, de forma concorrente, a qualquer Vereador, ao Prefeito e aos cidadãos. No entanto, o parágrafo único do mesmo artigo reserva ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa privativa para legislar sobre matérias específicas. Dentre elas, destacam-se:
Art. 143, Parágrafo Único. São de iniciativa privativa do Prefeito as leis que disponham sobre:
II - organização administrativa e pessoal da administração do Poder Executivo;
V - criação, estruturação e atribuições das Secretarias Municipais e órgãos do Poder Executivo.
Ao analisar o Projeto de Lei, verifica-se que seus dispositivos impõem obrigações diretas à estrutura administrativa do Poder Executivo. O projeto não apenas cria um novo direito para o cidadão, mas detalha o modus operandi de órgãos e servidores públicos. Por exemplo:
No Art. 3º, o PL determina que as agências públicas deverão "capacitar os servidores", "garantir que os conteúdos em áudio sejam de fácil compreensão" e "assegurar que os conteúdos de texto sejam acompanhados de suas respectivas versões em áudio".
Já no Art. 4º, há uma obrigação os órgãos públicos a "informar os cidadãos sobre a disponibilidade de conteúdos em áudio".
Por fim, o Art. 5º prevê a "abertura do competente procedimento administrativo de apuração e responsabilização".
Tais comandos interferem diretamente na organização e nas atribuições dos órgãos do Poder Executivo, matérias cuja iniciativa legislativa é reservada ao Prefeito Municipal. Ao legislar sobre como os servidores devem executar suas tarefas e como os órgãos devem se estruturar para prestar um serviço, a Câmara Municipal estaria a usurpar uma competência que não lhe pertence, violando o princípio da separação dos poderes, consagrado no art. 2º da Constituição Federal e no art. 28 da Lei Orgânica Municipal.
A jurisprudência dos tribunais superiores é pacífica nesse sentido. O Supremo Tribunal Federal (STF) já consolidou o entendimento de que padece de vício de inconstitucionalidade formal a lei de iniciativa parlamentar que disponha sobre a organização e o funcionamento da administração pública.
STF - RE: 1337675 RJ 0019862-54.2020.8.19.0000, RELATOR: DIAS TOFFOLI, DATA DE JULGAMENTO: 16/05/2022, PRIMEIRA TURMA, DATA DE PUBLICAÇÃO: 20/06/2022 - EMENTA - AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 6.095/16 DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, DE ORIGEM PARLAMENTAR, A QUAL CRIA “O SELO DE QUALIDADE DE ALIMENTOS E DE ATENDIMENTO NA COMERCIALIZAÇÃO DA COMIDA DE RUA”. CRIAÇÃO DE NOVAS ATRIBUIÇÕES PARA ÓRGÃO DO PODER EXECUTIVO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. PRECEDENTES. Segundo a pacífica jurisprudência da Corte, padece de inconstitucionalidade formal a lei resultante de iniciativa parlamentar que disponha sobre novas atribuições, organização e funcionamento de órgãos públicos, haja vista que essa matéria é afeta ao chefe do Poder Executivo. Precedentes: ARE nº 1.022.397-AgR, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe de 29/6/18; ARE nº 1.007.409/MT-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 13/3/17; ADI nº 1.509/DF-AgR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 18/11/14. Embora a lei municipal, cujos méritos não estão em questão, tenha sido concebida para proteger e cuidar da saúde pública, a reserva de iniciativa deve ser preservada. Agravo regimental não provido.
No mesmo sentido:
EMENTA
STF - RE: 1254886 RJ 0033794-51.2016.8.19.0000, Relator: RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 05/08/2020, Segunda Turma, Data de Publicação: 13/08/2020 - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PROCESSO LEGISLATIVO. ADMINISTRATIVO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. LEI MUNICIPAL. MATÉRIA DE COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – Esta Corte possui entendimento firmado no sentido de que há inconstitucionalidade formal em lei de iniciativa parlamentar que disponha sobre atribuições ou estabeleça obrigações a órgãos públicos, pois, nestes casos, cuida-se de matéria da competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo. II – Agravo regimental a que se nega provimento.
Ademais, o próprio Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (TJ-ES) possui um precedente obrigatório sobre o tema:
TJ-ES — Súmula n. 9 do TJ-ES
É inconstitucional a lei de iniciativa parlamentar que disponha sobre matéria de competência privativa do Poder Executivo.
Mesmo que se argumente com base no Tema 917 da Repercussão Geral do STF, que permite a criação de despesas por lei de iniciativa parlamentar, a tese é clara ao excetuar os casos em que a lei "trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos". O projeto em análise enquadra-se precisamente nesta exceção, pois dita regras sobre as atribuições dos órgãos municipais.
Com relação às questões de técnica legislativa, observo que o projeto de lei atendeu às principais diretrizes da Lei Complementar 95/98, o que não impede eventuais aperfeiçoamentos pelas Comissão deste Parlamento, dentro da margem da conveniência e oportunidade.
Ressalto ainda que em consulta ao sítio eletrônico desta Casa, esta proposta legislativa não se encontra rejeitada nesta Sessão Legislativa, não incidindo, a princípio, o óbice previsto no artigo 67 da CF, e tampouco já foi proposta por outro parlamentar, conforme o § 1º, do Art. 141 do Regimento Interno.
Destarte, nada obsta que posteriormente, a matéria contida nestes autos de processo legislativo seja enviada por meio de Projeto Indicativo.
Como se sabe, o Projeto Indicativo é modalidade de proposição inserta no Regimento Interno da Câmara Municipal, especificamente no artigo 136, que se conceitua como a recomendação da Câmara de Vereadores ao Poder Executivo Municipal, em forma de Minuta de Lei, para que aquele Poder inicie processo legislativo sobre matéria de sua competência privativa.
Para melhor compreensão, vejamos a transcrição de alguns dos dispositivos legais que regulamentam o Projeto Indicativo:
Art. 136 O Projeto Indicativo é a recomendação da Câmara Municipal da Serra ao Poder Executivo local, no sentido de que este promova a abertura de processo legislativo que verse sobre matéria de sua competência.
Parágrafo único. Os Projetos Indicativos terão a forma de Minuta de Projeto de Lei.
Feita a transcrição, fica claro que a veiculação válida do Projeto Indicativo está necessariamente atrelada à verificação no caso de dois requisitos, quais sejam, que a matéria versada seja de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo e que, como em qualquer ato da Administração, haja interesse público em sua realização.
No caso concreto entendemos satisfeito o quesito “iniciativa privativa do Prefeito”, pelos fundamentos descritos anteriormente, de modo que a referida matéria poderá, caso entendam os nobres edis, ser enviada por meio de Projeto Indicativo.
Diante disso, ainda que reconhecendo os elevados valores que imbuíram a proposição da norma, não há como endossar o Projeto de Lei em avaliação tendo em vista que tratam da estruturação de órgãos do Executivo Municipal.
3. CONCLUSÃO
Posto isso, firmada em todas as razões e fundamentos já expostos, opina esta Procuradoria pelo não prosseguimento do Projeto de Lei nº 109/2025, por latente Inconstitucionalidade Formal, por vício de iniciativa, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Ressaltamos que o presente Parecer é de natureza opinativa e não vinculatório específico para este processo, de modo que, todos aqueles participantes do processo, em especial o gestor público, dentro da margem de discricionariedade, juízo de valor e ação que lhes são conferidos, deverão diligenciar pela observância dos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais no caso em destaque.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que parecidos a este projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer.
Serra/ES, 30 de outubro de 2025.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
Procurador
Nº Funcional 4073096
MAYCON VICENTE DA SILVA
Assessor Jurídico
Nº Funcional 4113594-2
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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