| Recebimento: 29/05/2025 |
Fase: Distribuir proposição ao Procurador para elaboração de parecer |
Setor:Procuradoria |
| Envio: 13/11/2025 12:26:09 |
Ação: Parecer Emitido
|
Tempo gasto: 168 dias, 14 minutos
|
Complemento da Ação: Processo nº: 1506/2025
Projeto de Lei nº: 310/2025
Requerente: Vereador Pastor Dinho
Assunto: “Estabelece sanções administrativas àqueles que forem condenados pelo cometimento de esbulho possessório contra propriedades localizadas no município da Serra”.
Parecer nº: 767/2025
PARECER DA PROCURADORIA GERAL
1. RELATÓRIO
Cuidam os autos de Projeto de Lei nº 310/2025, de autoria do Vereador Pastor Dinho, que “Estabelece sanções administrativas àqueles que forem condenados pelo cometimento de esbulho possessório contra propriedades localizadas no município da Serra”.
Em seus fundamentos o Ilustre Vereador defende que “Dessa forma, o presente Projeto de Lei tem por objetivo estabelecer sanções administrativas temporárias àqueles que forem condenados pelo crime de esbulho possessório, tendo cometido o ilícito contra propriedades situadas no território deste município”.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação da constitucionalidade do Projeto de Lei, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento o projeto de Lei e justificativa, motivo pelo qual a Presidência desta Casa de Lei nos encaminhou os autos para a sua análise jurídica preliminar. Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, considerando a importância e urgência da proposta sob avaliação, passo a opinar de forma direta e objetiva.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
Inicialmente, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no art. 18, IV, da Lei Municipal nº 6.134/2025, o qual determina à Procuradoria elaborar pareceres escritos nos processos que lhe forem encaminhados pelo Presidente desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 278/2020.
Nesse diapasão, convém destacar que a emissão do presente parecer não representa óbice a eventual análise jurídica acerca de outras questões não abordadas no mesmo ou no tocante ao mérito da matéria submetida ao apreço, em caso de solicitação pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência.
Nessa vereda, ressalta-se que no presente parecer jurídico preliminar, de um modo geral, aprecia-se a legalidade e constitucionalidade do projeto de lei sobre três perspectivas elementares: a um, a matéria legislativa proposta deve se encontrar entre aquelas autorizadas pela CF/88 aos Municípios; a dois, se foi respeitada a rígida observância das preferências quanto à iniciativa para proposição prevista pela ordem jurídico-constitucional; a três, a possibilidade de violação por parte da matéria legislativa proposta à direitos fundamentais ou instituições tuteladas por regras ou princípios constitucionais.
Em via reflexa, cumpre destacar que a aprovação de um projeto de lei também passa pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, percebe-se claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I e II, e 99, XXVIII, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Constituição Federal
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Constituição Estadual
Art. 28. Compete ao Município:
I - legislar sobre assunto de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e estadual no que couber;
Art. 30 - Compete ao Município da:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - Suplementar a legislação federal e estadual, no que couber;
A proposição legislativa, embora meritória em sua intenção de coibir a prática do esbulho possessório, padece de vícios insanáveis de inconstitucionalidade, conforme a consolidada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a repartição de competências entre os entes federativos.
O principal e mais evidente vício do projeto é a usurpação de competência privativa da União.
Nessa toada, a Constituição Federal, em seu artigo 22, inciso I, estabelece que compete privativamente à União legislar sobre direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho.
O esbulho possessório é um instituto típico do Direito Civil (tratado nos artigos 1.210 e seguintes do Código Civil) e também pode configurar o crime de usurpação (art. 161 do Código Penal), matéria de Direito Penal. Portanto, a definição de suas consequências jurídicas, sejam elas de natureza cível, penal ou administrativa, está inserida na esfera de competência legislativa exclusiva da União.
Ao criar sanções administrativas decorrentes de uma condenação judicial por esbulho, o Município está, na prática, legislando sobre as consequências de um ilícito civil e penal, o que lhe é vedado. A competência municipal para legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I, CF) não autoriza a invasão de matérias cuja disciplina a Constituição reservou privativamente a outro ente da federação.
A jurisprudência do STF é pacífica ao declarar a inconstitucionalidade de leis estaduais e municipais que invadem a competência privativa da União para legislar sobre as matérias elencadas no artigo 22, I, da Constituição.
STF — RE 1476646 RJ — PUBLICADO EM 12/06/2024 – EMENTA - AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 7.385 DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO/RJ. FUNDAMENTOS INAPTOS A REFORMAR A DECISÃO ORA AGRAVADA. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE REALIZADO PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE LEI MUNICIPAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. POSSIBILIDADE. NORMA DE REPRODUÇÃO OBRIGATÓRIA. DESNECESSIDADE DE REPRODUÇÃO EXPRESSA E LITERAL. COMPETÊNCIA PRIVATIVA LEGISLATIVA DA UNIÃO. DIREITO CIVIL E DIREITO DO TRABALHO (ART. 22, INCISOS I E XVI, DA CF/88). ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. Podem os tribunais de justiça, ao realizar controle de constitucionalidade abstrato de legislações municipais e estaduais em face da constituição estadual, utilizar como parâmetro normas da Constituição Federal, desde que sejam consideradas como de reprodução obrigatória, mesmo que não estejam presentes de forma expressa e literal no corpo da constituição do estado-membro. Caso no qual o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro utilizou como parâmetro o art. 22 da CF/88, o qual versa sobre a repartição de competências entre os entes federados, sendo, portanto, norma de reprodução obrigatória pelas constituições estaduais, por ser norma de validade nacional, não existindo discricionariedade em sua incorporação pelos estados-membros. Precedentes. Acórdão recorrido em harmonia com a jurisprudência da Suprema Corte, por ter considerado que a legislação municipal em questão versava sobre temas afetos à competência privativa legislativa da União, notadamente direito civil e direito do trabalho (art. 22, incisos I e XVI, da CF/88). Precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento.
O STF reafirma que a legislação municipal não pode versar sobre temas de competência privativa da União, como direito civil, sendo o artigo 22 da CF uma norma de reprodução obrigatória que limita a atuação dos municípios.
STF — ADI 6653 PB — Publicado em 22/01/2024 – EMENTA - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. NORMA ESTADUAL. TIPIFICAÇÃO DE CRIME DE RESPONSABILIDADE. FEDERALISMO. SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIAS NORMATIVAS. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO PENAL. ENUNCIADO VINCULANTE N. 46 DA SÚMULA. ATRIBUIÇÃO FISCALIZATÓRIA DO LEGISLATIVO. REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÕES POR ESCRITO. AMPLIAÇÃO DO ROL DE AUTORIDADES PÚBLICAS PREVISTO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SIMETRIA. A Constituição de 1988 atribuiu ao Legislativo função fiscalizadora do Executivo mediante, entre outros mecanismos, a convocação de autoridades para prestarem informações presencialmente ou por escrito. O não comparecimento injustificado, a recusa em prestar as informações requeridas ou o fornecimento de informações falsas ensejam a imputação do crime de responsabilidade (CF, art. 50, caput e § 2º). Por força do princípio constitucional da simetria (CF, art. 25), não é dado ao legislador estadual alargar o catálogo de autoridades sujeitas ao poder fiscalizatório do Parlamento exercido mediante a requisição de informações por escrito. Precedentes. A Constituição Federal (art. 22, I) prevê expressamente a competência privativa da União para legislar sobre direito penal, inserindo-se no tema a definição dos crimes de responsabilidade. Enunciado vinculante n. 46 da Súmula. Pedido julgado procedente.
A Corte decidiu que a tipificação de crimes de responsabilidade por norma estadual é inconstitucional, pois a competência para legislar sobre direito penal é privativa da União, conforme o art. 22, I, da CF. O mesmo raciocínio se aplica à criação de sanções administrativas municipais decorrentes de ilícitos penais.
STF — ADI 5908 RO — Publicado em 04/12/2019 – EMENTA - CONSTITUCIONAL. FEDERALISMO E RESPEITO ÀS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA. ART. 174, §§ 1º E 2º, DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL 620/2011, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI COMPLEMENTAR 767/2014 DO ESTADO DE RONDÔNIA. PERDA PARCIAL DO OBJETO. ATRIBUIÇÃO DE PRERROGATIVAS PROCESSUAIS AOS PROCURADORES DE ESTADO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO PROCESSUAL (ART. 22, I, DA CF). PROCEDÊNCIA. Proposta de conversão de referendo de medida cautelar em julgamento definitivo de mérito, considerando a não complexidade da questão de direito em discussão e a instrução dos autos, nos termos do art. 12 da Lei 9.868/1999. A revogação expressa de alguns dos dispositivos da norma impugnada enseja a perda parcial do objeto da ação. As regras de distribuição de competências legislativas são alicerces do federalismo e consagram a fórmula de divisão de centros de poder em um Estado de Direito. Princípio da predominância do interesse. A Constituição Federal de 1988, presumindo de forma absoluta para algumas matérias a presença do princípio da predominância do interesse, estabeleceu, a priori, diversas competências para cada um dos entes federativos, União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios, e, a partir dessas opções, pode ora acentuar maior centralização de poder, principalmente na própria União (CF, art. 22), ora permitir uma maior descentralização nos Estados-Membros e Municípios (CF, arts. 24 e 30, I). A norma impugnada, ao atribuir prerrogativas processuais aos Procuradores de Estado, atuou para além do que lhe cabia, incorrendo em usurpação de competência federal que encerra violação ao texto constitucional (CF, art. 22, I). Medida Cautelar confirmada e Ação Direta, na parte em que conhecida, julgada procedente.
O Supremo Tribunal Federal entende que as regras de distribuição de competências são alicerces do federalismo, e a usurpação da competência privativa da União para legislar sobre direito processual (também no art. 22, I) gera a inconstitucionalidade da norma.
Doutro giro, além do vício formal, o projeto também apresenta problemas de ordem material.
Nessa senda, o projeto de lei pretende aplicar uma sanção administrativa com base em uma decisão do Poder Judiciário. Isso cria uma indevida sobreposição de sanções. A pessoa condenada por esbulho já cumpre as penas e reparações determinadas na sentença judicial (reintegração de posse, perdas e danos, etc.). A imposição de uma nova sanção, agora pela Administração Municipal, com base no mesmo fato (o esbulho já julgado), caracteriza violação ao princípio do ne bis in idem (proibição de dupla punição pelo mesmo fato).
Ademais, a lei interfere na atividade jurisdicional, pois vincula uma consequência administrativa automática a uma decisão judicial, o que pode ser visto como uma afronta à separação de poderes (art. 2º da CF).
Com relação às questões de técnica legislativa, observo que o projeto de lei atendeu às principais diretrizes da Lei Complementar 95/98, o que não impede eventuais aperfeiçoamentos pelas Comissão deste Parlamento, dentro da margem da conveniência e oportunidade.
Ressalto ainda que em consulta ao sítio eletrônico desta Casa, esta proposta legislativa não se encontra rejeitada nesta Sessão Legislativa, não incidindo, a princípio, o óbice previsto no artigo 67 da CF, e tampouco já foi proposta por outro parlamentar, conforme o § 1º, do Art. 141 do Regimento Interno.
Diante disso, ainda que reconhecendo os elevados valores que imbuíram a proposição da norma, não há como endossar o Projeto de Lei em avaliação tendo em vista que tratam da estruturação de órgãos do Executivo Municipal.
3. CONCLUSÃO
Posto isso, firmada em todas as razões e fundamentos já expostos, opina esta Procuradoria pelo não prosseguimento do Projeto de Lei nº 310/2025, por latente Inconstitucionalidade Formal e Material, por Vício de Competência, além de Violação ao princípio que veda a dupla punição pelo mesmo fato (ne bis in idem), e Afronta o princípio da separação de poderes, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Ressaltamos que o presente Parecer é de natureza opinativa e não vinculatório específico para este processo, de modo que, todos aqueles participantes do processo, em especial o gestor público, dentro da margem de discricionariedade, juízo de valor e ação que lhes são conferidos, deverão diligenciar pela observância dos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais no caso em destaque.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que parecidos a este projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer.
Serra/ES, 13 de novembro de 2025.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
Procurador
Nº Funcional 4073096
MAYCON VICENTE DA SILVA
Assessor Jurídico
Nº Funcional 4113594-2
|
Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
|
|
|
|