| Recebimento: 03/11/2025 |
Fase: Distribuir proposição ao Procurador para elaboração de parecer |
Setor:Procuradoria |
| Envio: 13/11/2025 12:23:14 |
Ação: Parecer Emitido
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Tempo gasto: 10 dias, 1 hora, 37 minutos
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Complemento da Ação: Processo nº: 5541/2025
Projeto de Lei nº: 889/2025
Requerente: Vereador Stefano Sbardelotti De Andrade
Assunto: “Dispõe Sobre a Concessão de Recesso Escolar aos Servidores Ocupantes do Cargo de Bibliotecário, e dá Outras Providências”.
Parecer nº: 768/2025
PARECER DA PROCURADORIA GERAL
1. RELATÓRIO
Cuidam os autos de Projeto de Lei nº 889/2025, de autoria do Vereador Stefano Sbardelotti De Andrade, que “Dispõe Sobre a Concessão de Recesso Escolar aos Servidores Ocupantes do Cargo de Bibliotecário, e dá Outras Providências”.
Em seus fundamentos o Ilustre Vereador defende que “O calendário escolar anual estabelece, além das férias regulamentares, um período de recesso em julho destinado ao magistério. Contudo, tal prerrogativa não contempla os demais servidores que integram o quadro funcional das unidades de ensino, embora seja plenamente possível que também usufruam do referido recesso sem qualquer prejuízo às suas atribuições ou ao andamento das atividades escolares. Destaca-se, em especial, a situação dos servidores ocupantes do cargo de bibliotecário. Nos períodos de recesso de julho e de encerramento do ano letivo em dezembro, esses profissionais permanecem ociosos em seus locais de trabalho, gerando, inclusive, aumento desnecessário de gastos para as unidades de ensino, uma vez que suas atividades ficam naturalmente reduzidas nesse intervalo”.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação da constitucionalidade do Projeto de Lei, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento o projeto de Lei e justificativa, motivo pelo qual a Presidência desta Casa de Lei nos encaminhou os autos para a sua análise jurídica preliminar. Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, considerando a importância e urgência da proposta sob avaliação, passo a opinar de forma direta e objetiva.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
Inicialmente, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no art. 18, IV, da Lei Municipal nº 6.134/2025, o qual determina à Procuradoria elaborar pareceres escritos nos processos que lhe forem encaminhados pelo Presidente desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 278/2020.
Nesse diapasão, convém destacar que a emissão do presente parecer não representa óbice a eventual análise jurídica acerca de outras questões não abordadas no mesmo ou no tocante ao mérito da matéria submetida ao apreço, em caso de solicitação pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência.
Nessa vereda, ressalta-se que no presente parecer jurídico preliminar, de um modo geral, aprecia-se a legalidade e constitucionalidade do projeto de lei sobre três perspectivas elementares: a um, a matéria legislativa proposta deve se encontrar entre aquelas autorizadas pela CF/88 aos Municípios; a dois, se foi respeitada a rígida observância das preferências quanto à iniciativa para proposição prevista pela ordem jurídico-constitucional; a três, a possibilidade de violação por parte da matéria legislativa proposta à direitos fundamentais ou instituições tuteladas por regras ou princípios constitucionais.
Em via reflexa, cumpre destacar que a aprovação de um projeto de lei também passa pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, percebe-se claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I e II, e 99, XXVIII, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Constituição Federal
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Constituição Estadual
Art. 28. Compete ao Município:
I - legislar sobre assunto de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e estadual no que couber;
Art. 30 - Compete ao Município da:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - Suplementar a legislação federal e estadual, no que couber;
A questão central para a análise da proposta legislativa é definir a quem a Constituição Federal e, por simetria, a Lei Orgânica Municipal, atribuem a competência para iniciar o processo legislativo sobre o regime de trabalho dos servidores públicos.
O Projeto de Lei em análise, ao dispor sobre a concessão de recesso a uma categoria de servidores, interfere diretamente em seu regime de trabalho, tratando de direitos e deveres funcionais.
A Constituição Federal, em seu artigo 61, § 1º, inciso II, alínea 'c', estabelece que são de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que disponham sobre:
Art. 61. (...)
§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
II - disponham sobre:
(...)
c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;
Pelo princípio da simetria, essa regra de iniciativa reservada é de observância obrigatória para os Estados e Municípios. Portanto, compete exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que versem sobre o regime jurídico dos servidores públicos municipais.
Conceder recesso, alterar jornada, criar gratificações ou quaisquer outras modificações nas regras que regem a relação de trabalho entre o servidor e a Administração Pública são matérias inerentes ao "regime jurídico".
Dessa forma, um projeto de lei de autoria de um Vereador que trate sobre o tema padece de vício de iniciativa, uma inconstitucionalidade formal que macula o ato desde sua origem.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) é pacífica e rigorosa quanto a esse ponto:
STF — AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE: ADI 4288 SP — Publicado em 13/08/2020 - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 12.257/2006, DO ESTADO DE SÃO PAULO. POLÍTICA DE REESTRUTURAÇÃO DAS SANTAS CASAS E HOSPITAIS FILANTRÓPICOS. INICIATIVA PARLAMENTAR. INOBSERVÂNCIA DA EXCLUSIVIDADE DE INICIATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. ATRIBUIÇÃO DE ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DESTINAÇÃO DE RECEITAS PÚBLICAS. RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO. PEDIDO PROCEDENTE. A Lei Estadual 12.257/2006, de iniciativa parlamentar, dispõe sobre política pública a ser executada pela Secretaria de Estado da Saúde, com repercussão direta nas atribuições desse órgão, que passa a assumir a responsabilidade pela qualificação técnica de hospitais filantrópicos, e com previsão de repasse de recursos do Fundo Estadual de Saúde (art. 2º). Inconstitucionalidade formal. Processo legislativo iniciado por parlamentar, quando a Constituição Federal (art. 61, § 1º, II, c e e) reserva ao chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que tratem do regime jurídico de servidores desse Poder ou que modifiquem a competência e o funcionamento de órgãos administrativos. Ação Direta julgada procedente. STF - ADI: 4288 SP, Relator: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 29/06/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 13/08/2020
O STF declarou a inconstitucionalidade formal de lei de iniciativa parlamentar que tratava do regime jurídico de servidores, reforçando que a matéria é de reserva do Chefe do Executivo.
STF — AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE: ADI 6072 RS — Publicado em 16/09/2019 - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 2º, 3º E 4º DA LEI Nº 15.188/2018 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. ALTERAÇÃO DA LEI Nº 13.930/2012 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. QUADRO DE PESSOAL DO INSTITUTO RIO-GRANDENSE DO ARROZ. NORMAS SOBRE PROMOÇÕES E GRATIFICAÇÕES DE SERVIDORES PÚBLICOS DO EXECUTIVO ACRESCIDAS POR EMENDA PARLAMENTAR. INICIATIVA RESERVADA AO CHEFE DO PODER EXECUTIVO LOCAL. AUMENTO DE DESPESA. LIMITES CONSTITUCIONAIS ÀS EMENDAS PARLAMENTARES AOS PROJETOS DE LEI DE INICIATIVA RESERVADA. OFENSA AO ART. 63, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES (ART. 2º, CF). JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA E DOMINANTE. PRECEDENTES. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica e dominante no sentido de que a previsão constitucional de iniciativa legislativa reservada não impede que o projeto de lei encaminhado ao Poder Legislativo seja objeto de emendas parlamentares. Nesse sentido: ADI 1.050-MC, Rel. Min. Celso de Mello; ADI 865-MC, Rel. Min. Celso de Mello. Entretanto, este Supremo Tribunal Federal possui jurisprudência pacífica e dominante no sentido de que a possibilidade de emendas parlamentares aos projetos de lei de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, aos Tribunais, ao Ministério Público, dentre outros, encontra duas limitações constitucionais, quais sejam: (i) não acarretem em aumento de despesa e; (ii) mantenham pertinência temática com o objeto do projeto de lei. A emenda parlamentar objeto da presente ação acarretou em inegável aumento de despesa previsto no projeto original encaminhado pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul, violando, portanto, o art. 63, I, da Constituição Federal, dado que instituiu e estendeu gratificações, bem como reduziu o tempo originalmente previsto na lei entre as promoções, tornado-as mais frequentes. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga procedente. (STF - ADI: 6072 RS, Relator: ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 30/08/2019, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 16/09/2019)
A Corte reafirmou que normas sobre promoções e gratificações de servidores, acrescidas por emenda parlamentar, são inconstitucionais por vício de iniciativa e aumento de despesa, violando a competência reservada do Executivo.
STF — AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO: AgR RE 653041 MG - MINAS GERAIS — Julgado em 28/06/2016 - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. VÍCIO DE INICIATIVA. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR QUE DISPÕE SOBRE ATRIBUIÇÕES E ESTABELECE OBRIGAÇÃO A ÓRGÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. Acórdão recorrido que se encontra em sintonia com a jurisprudência desta Corte no sentido de que padece de inconstitucionalidade formal a lei de iniciativa parlamentar que disponha sobre atribuições ou estabeleça obrigações a órgãos públicos, matéria da competência privativa do Chefe do Poder Executivo. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF - AgR RE: 653041 MG - MINAS GERAIS, Relator: Min. EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 28/06/2016, Primeira Turma)
O Tribunal consolidou o entendimento de que "padece de inconstitucionalidade formal a lei de iniciativa parlamentar que disponha sobre atribuições ou estabeleça obrigações a órgãos públicos, matéria da competência privativa do Chefe do Poder Executivo".
Doutro giro, a iniciativa de um Vereador para legislar sobre o regime de servidores representa uma clara usurpação da competência atribuída ao Chefe do Poder Executivo, ferindo o princípio da separação e harmonia entre os Poderes, consagrado no art. 2º da Constituição Federal.
Ao Prefeito, como chefe da Administração Pública, cabe a gestão de seus recursos humanos, o que inclui a organização dos períodos de trabalho e descanso de seus servidores. A interferência do Legislativo nessa seara administrativa é inconstitucional.
Decerto que o artigo 143 da Lei Orgânica do Município da Serra, ao tratar das matérias de iniciativa privativa do Prefeito, reproduza a regra do art. 61, § 1º, da Constituição Federal, o que reforça a conclusão pela inconstitucionalidade do projeto.
Com relação às questões de técnica legislativa, observo que o projeto de lei atendeu às principais diretrizes da Lei Complementar 95/98, o que não impede eventuais aperfeiçoamentos pelas Comissão deste Parlamento, dentro da margem da conveniência e oportunidade.
Ressalto ainda que em consulta ao sítio eletrônico desta Casa, esta proposta legislativa não se encontra rejeitada nesta Sessão Legislativa, não incidindo, a princípio, o óbice previsto no artigo 67 da CF, e tampouco já foi proposta por outro parlamentar, conforme o § 1º, do Art. 141 do Regimento Interno.
Frisa-se que, nada obsta que posteriormente, a matéria contida nestes autos de processo legislativo seja enviada por meio de Projeto Indicativo.
Como se sabe, o Projeto Indicativo é modalidade de proposição inserta no Regimento Interno da Câmara Municipal, especificamente no artigo 136, que se conceitua como a recomendação da Câmara de Vereadores ao Poder Executivo Municipal, em forma de Minuta de Lei, para que aquele Poder inicie processo legislativo sobre matéria de sua competência privativa.
Para melhor compreensão, vejamos a transcrição de alguns dos dispositivos legais que regulamentam o Projeto Indicativo:
Art. 136 O Projeto Indicativo é a recomendação da Câmara Municipal da Serra ao Poder Executivo local, no sentido de que este promova a abertura de processo legislativo que verse sobre matéria de sua competência.
Parágrafo único. Os Projetos Indicativos terão a forma de Minuta de Projeto de Lei.
Feita a transcrição, fica claro que a veiculação válida do Projeto Indicativo está necessariamente atrelada à verificação no caso de dois requisitos, quais sejam, que a matéria versada seja de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo e que, como em qualquer ato da Administração, haja interesse público em sua realização.
No caso concreto entendemos satisfeito o quesito “iniciativa privativa do Prefeito”, pelos fundamentos descritos anteriormente, de modo que a referida matéria poderá, caso entendam os nobres edis, ser enviada por meio de Projeto Indicativo.
Diante disso, ainda que reconhecendo os elevados valores que imbuíram a proposição da norma, não há como endossar o Projeto de Lei em avaliação tendo em vista que tratam da estruturação de órgãos do Executivo Municipal.
3. CONCLUSÃO
Posto isso, firmada em todas as razões e fundamentos já expostos, opina esta Procuradoria pelo não prosseguimento do Projeto de Lei nº 889/2025, por latente Inconstitucionalidade Formal, por Vício de Iniciativa, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Ressaltamos que o presente Parecer é de natureza opinativa e não vinculatório específico para este processo, de modo que, todos aqueles participantes do processo, em especial o gestor público, dentro da margem de discricionariedade, juízo de valor e ação que lhes são conferidos, deverão diligenciar pela observância dos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais no caso em destaque.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que parecidos a este projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer.
Serra/ES, 13 de novembro de 2025.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
Procurador
Nº Funcional 4073096
MAYCON VICENTE DA SILVA
Assessor Jurídico
Nº Funcional 4113594-2
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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