Recebimento: 29/05/2025 |
Fase: Distribuir proposição ao Procurador para elaboração de parecer |
Setor:Procuradoria |
Envio: 23/06/2025 11:21:39 |
Ação: Parecer Emitido
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Tempo gasto: 24 dias, 23 horas, 39 minutos
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Complemento da Ação: Processo nº: 3524/2025
Projeto de Lei nº: 733/2025
Requerente: Vereador Antônio Carlos CeA
Assunto: “Dispõe sobre a obrigatoriedade de academias de ginástica, musculação e estabelecimentos congêneres manterem kits de primeiros socorros e desfibriladores externos automáticos (DEA), bem como equipe capacitada para seu uso, no Município da Serra/ES”.
Parecer nº: 380/2025
PARECER DA PROCURADORIA GERAL
1. RELATÓRIO
Cuidam os autos de Projeto de Lei nº 733/2025, de autoria do Vereador Antônio Carlos CeA, que “Dispõe sobre a obrigatoriedade de academias de ginástica, musculação e estabelecimentos congêneres manterem kits de primeiros socorros e desfibriladores externos automáticos (DEA), bem como equipe capacitada para seu uso, no Município da Serra/ES”. Em seus fundamentos o Ilustre Vereador defende que a iniciativa visa atender à urgente necessidade de garantir a integridade física e a vida de cidadãos que frequentam academias e estabelecimentos voltados à atividade física no Município da Serra/ES, impondo obrigações mínimas para a segurança do consumidor, como já ocorre em outros estados da federação.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação da constitucionalidade do Projeto de Lei, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento o projeto de Lei e justificativa, motivo pelo qual a Presidência desta Casa de Lei nos encaminhou os autos para a sua análise jurídica preliminar. Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, considerando a importância e urgência da proposta sob avaliação, passo a opinar de forma direta e objetiva.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
Ab initio, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no art. 18, IV, da Lei Municipal nº 6.134/2025, o qual determina à Procuradoria elaborar pareceres escritos nos processos que lhe forem encaminhados pelo Presidente desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 278/2020.
Nesse diapasão, convém destacar que a emissão do presente parecer não representa óbice a eventual análise jurídica acerca de outras questões não abordadas no mesmo ou no tocante ao mérito da matéria submetida ao apreço, em caso de solicitação pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência.
Nessa vereda, ressalta-se que no presente parecer jurídico preliminar, de um modo geral, aprecia-se a legalidade e constitucionalidade do projeto de lei sobre três perspectivas elementares: a um, a matéria legislativa proposta deve se encontrar entre aquelas autorizadas pela CF/88 aos Municípios; a dois, se foi respeitada a rígida observância das preferências quanto à iniciativa para proposição prevista pela ordem jurídico-constitucional; a três, a possibilidade de violação por parte da matéria legislativa proposta à direitos fundamentais ou instituições tuteladas por regras ou princípios constitucionais.
Em via reflexa, cumpre destacar que a aprovação de um projeto de lei também passa pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, percebe-se claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I e II, e 99, XXVIII, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Constituição Federal
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Constituição Estadual
Art. 28. Compete ao Município:
I - legislar sobre assunto de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e estadual no que couber;
Lei Orgânica do Município da Serra
Art. 7º - O Poder Executivo Municipal, em prazo não superior a 180 (cento e oitenta) dias, apresentará o Projeto do Código de Postura Municipal, para votação pela Câmara Municipal.
Art. 30 - Compete ao Município da:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - Suplementar a legislação federal e estadual, no que couber;
Assim, a matéria objeto do Projeto de Lei se enquadra na competência legislativa municipal, haja vista tratar de assunto de interesse local, não estando no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados. A Constituição Federal, em seu art. 30, I, confere aos Municípios a prerrogativa de legislar sobre assuntos de interesse local, e no inciso II, a de suplementar a legislação federal e estadual no que couber.
A proposição que "Dispõe sobre a Obrigatoriedade de academias de ginástica, musculação e estabelecimentos congêneres manterem kits de primeiros socorros e desfibriladores externos automáticos (DEA), Bem como equipe capacitada para seu uso, no município de Serra - ES" visa a proteção e defesa do consumidor, matéria de competência concorrente (Art. 24, V e VIII da CF/88), permitindo a suplementação da legislação federal, reforçando direitos como o da informação.
Contudo, outro ponto sensível e recorrentes na análise dos Projetos de Lei, é quanto a iniciativa para preposição por parte do parlamentar (Vereador ou Comissão), invadindo matéria reservada ao Prefeito.
A análise da constitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar que criam despesas para a Administração Pública deve partir do entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário 878.911/RJ (Tema 917). Na ocasião, firmou-se a tese de que "não usurpa a competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos".
Contudo, o mesmo precedente estabelece uma linha divisória clara, que é ultrapassada quando a norma deixa de fixar diretrizes gerais e passa a dispor sobre a organização e o funcionamento da administração. Ao impor obrigações concretas e específicas a Secretarias Municipais, detalhando a execução de políticas públicas e demandando estrutura física, pessoal e orçamentária, o Poder Legislativo exorbita sua função típica e ingressa na esfera de competência privativa do Chefe do Poder Executivo, a quem cabe dispor sobre a organização e o funcionamento da administração pública, conforme os artigos 61, § 1º, II, "e", e 84, VI, da Constituição Federal, aplicáveis aos Municípios por simetria, bem como o Art. 143, V da Lei Orgânica Municipal.
No caso em análise, o projeto de lei não se limita a instituir uma política pública, mas avança sobre a gestão administrativa ao determinar como as Secretarias devem atuar, quais tarefas devem executar e que meios devem empregar. Tal prática configura ingerência indevida de um Poder sobre outro, violando o princípio da separação dos poderes, consagrado no artigo 2º da Constituição Federal. A Procuradoria da Câmara da Serra interpreta a tese 917 do STF de forma rigorosa, considerando que projetos de lei que impõem obrigações concretas e específicas a Secretarias Municipais, demandando estrutura física, pessoal e orçamentária, extrapolam os limites do Tema 917 e configuram ingerência indevida do Legislativo sobre funções típicas do Executivo.
No caso em análise, o Projeto de Lei nº 733/2025, de iniciativa parlamentar, impõe obrigações a estabelecimentos privados, mas também ao Poder Executivo ao determinar a regulamentação da lei em 90 dias, o que pode implicar em reestruturação e fiscalização por parte do Município, gerando despesas. A proposição estabelece prazos e obrigações para a administração, o que se enquadra nos vícios de iniciativa, uma vez que "criação, estruturação e atribuições das Secretarias Municipais e órgãos do Poder Executivo" é de iniciativa privativa do Prefeito (Art. 143, V da LOM).
A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Espírito Santo corrobora esse entendimento, ao declarar a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que criam atribuições a Secretarias Municipais e importam em aumento de despesas, violando a competência privativa do Chefe do Executivo e o princípio da Separação de Poderes.
A implementação das medidas propostas pelo Projeto de Lei (kits de primeiros socorros, DEA, equipe capacitada) implica em custos de fiscalização, treinamento e eventuais adequações na estrutura administrativa do Executivo para garantir o cumprimento da lei. Tais despesas, mesmo que indiretas, devem estar em consonância com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), que exige estimativa de impacto orçamentário-financeiro e declaração de adequação orçamentária para a criação ou expansão de ações governamentais que acarretem aumento de despesa (Art. 16 da LRF). O projeto em questão não apresenta previsão de fonte de custeio.
O Projeto de Lei, em sua forma, parece atender às diretrizes da Lei Complementar nº 95/98, que estabelece normas para a elaboração, redação e alteração das leis, buscando clareza, objetividade e coerência. Entretanto, o artigo 5º do PL 733/2025, que dispõe sobre a regulamentação da lei pelo Poder Executivo em 90 dias, é incompatível com a iniciativa parlamentar e configura vício de iniciativa ao impor prazo e obrigação ao Executivo.
Nesse contexto, cumpre esclarecer que, conforme estabelece o art. 141 e seus parágrafos do Regimento Interno desta Câmara Legislativa, nos termos da Resolução nº 278/2020, as proposições devem ser protocolizadas eletronicamente ou, excepcionalmente, no Protocolo Geral da Casa, sendo numeradas em ordem sequencial e encaminhadas à Presidência, prevalecendo, em caso de matérias idênticas, a de protocolo mais antigo, com arquivamento das demais. No entanto, após consulta ao sistema legislativo e ao sítio eletrônico desta Casa, verifica-se que não há, nesta Sessão Legislativa, qualquer outra proposição com o mesmo objeto, não incidindo, portanto, o óbice de duplicidade previsto no referido artigo, tampouco a vedação do art. 67 da Constituição Federal, que trata da reapresentação de projetos rejeitados na mesma sessão legislativa.
Diante disso, ainda que reconhecendo os elevados valores que imbuíram a proposição da norma, não há como endossar o Projeto de Lei em avaliação da forma que está devendo o Ilustre Vereador suprimir o artigo 5º do PL 733/2025, para alinhar ao estabelecido na norma em vigor.
3. CONCLUSÃO
Posto isso, firmada em todas as razões e fundamentos já expostos, opina esta Procuradoria pelo prosseguimento do Projeto de Lei nº 733/2025, desde que seja o artigo 5º da indigitada lei seja suprimido, pelos fundamentos supracitados, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Ressaltamos que o presente Parecer é de natureza opinativa e não vinculatório específico para este processo, de modo que, todos aqueles participantes do processo, em especial o gestor público, dentro da margem de discricionariedade, juízo de valor e ação que lhes são conferidos, deverão diligenciar pela observância dos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais no caso em destaque.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que parecidos a este projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer.
Serra/ES, 18 de junho de 2025.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
Procurador
Nº Funcional 4073096
MAYCON VICENTE DA SILVA
Assessor Jurídico
Nº Funcional 4113594-2
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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