| Recebimento: 07/10/2025 |
Fase: Distribuir proposição ao Procurador para elaboração de parecer |
Setor:Procuradoria |
| Envio: 06/11/2025 15:39:33 |
Ação: Parecer Emitido
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Tempo gasto: 30 dias, 2 horas, 40 minutos
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Complemento da Ação: Processo nº: 6394/2025
Projeto Indicativo nº: 195/2025
Requerente: Vereador Cabo Rodrigues
Assunto: “Proíbe o Uso de Símbolos e Liturgias Cristãs em Eventos e Manifestações Públicas com o Intuito de Satirizar, Ridicularizar ou Menosprezar a Religião Cristã ou Suas Práticas ou Fiéis”.
Parecer nº: 744/2025
PARECER DA PROCURADORIA GERAL
1. RELATÓRIO
Trata-se de análise jurídica do Projeto Indicativo nº 195/2025, de autoria do nobre Vereador Cabo Rodrigues, que sugere ao Chefe do Poder Executivo Municipal a criação de norma para proibir o uso de símbolos e liturgias cristãs em eventos e manifestações públicas com a finalidade de sátira, ridicularização ou menosprezo à religião, suas práticas ou fiéis.
A proposição prevê, em caso de descumprimento, a aplicação de sanções administrativas, como multa, vedação de acesso a incentivos fiscais e restrição para organização de eventos públicos, cuja fiscalização ficaria a cargo de órgão municipal.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação da constitucionalidade do Projeto de Lei, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento o projeto de Lei e justificativa, motivo pelo qual a Presidência desta Casa de Lei nos encaminhou os autos para a sua análise jurídica preliminar. Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, considerando a importância e urgência da proposta sob avaliação, passo a opinar de forma direta e objetiva.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
Ab initio, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no art. 18, IV, da Lei Municipal nº 6.134/2025, o qual determina à Procuradoria elaborar pareceres escritos nos processos que lhe forem encaminhados pelo Presidente desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 278/2020.
Nesse diapasão, convém destacar que a emissão do presente parecer não representa óbice a eventual análise jurídica acerca de outras questões não abordadas no mesmo ou no tocante ao mérito da matéria submetida ao apreço, em caso de solicitação pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência.
Nessa vereda, ressalta-se que no presente parecer jurídico preliminar, de um modo geral, aprecia-se a legalidade e constitucionalidade do projeto de lei sobre três perspectivas elementares: a um, a matéria legislativa proposta deve se encontrar entre aquelas autorizadas pela CF/88 aos Municípios; a dois, se foi respeitada a rígida observância das preferências quanto à iniciativa para proposição prevista pela ordem jurídico-constitucional; a três, a possibilidade de violação por parte da matéria legislativa proposta à direitos fundamentais ou instituições tuteladas por regras ou princípios constitucionais.
Em via reflexa, cumpre destacar que a aprovação de um projeto de lei também passa pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, percebe-se claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I e II, e 99, XXVIII, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Constituição Federal
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Constituição Estadual
Art. 28. Compete ao Município:
I - legislar sobre assunto de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e estadual no que couber;
Art. 30 - Compete ao Município da:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - Suplementar a legislação federal e estadual, no que couber;
O presente parecer analisa a proposição sob duas óticas distintas e sucessivas: a primeira, referente aos aspectos formais, notadamente a competência de iniciativa; a segunda, concernente aos aspectos materiais, ou seja, a compatibilidade do conteúdo da sugestão com a Constituição Federal.
II.I - Da Análise Formal e da Ausência de Vício de Iniciativa
A Constituição Federal, em seu art. 2º, consagra o princípio da separação dos Poderes, estabelecendo esferas de competência próprias e indelegáveis para o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. No âmbito municipal, a Lei Orgânica do Município da Serra detalha as matérias cuja iniciativa legislativa é privativa do Chefe do Poder Executivo.
Entre essas matérias, incluem-se, tipicamente, aquelas que disponham sobre a criação de atribuições para os órgãos da administração pública e a instituição de sanções administrativas, como é o caso do Projeto Indicativo em tela, que prevê a aplicação de multas e outras penalidades, além de designar um órgão municipal para a fiscalização.
Se a presente proposta fosse um Projeto de Lei, estaria, de fato, maculada por um vício de iniciativa insanável, pois um parlamentar não pode, por meio de lei, impor obrigações ou criar estrutura na administração municipal.
Contudo, a proposição em análise foi apresentada como Projeto Indicativo, instrumento regimental que se caracteriza como uma sugestão formal de um Poder a outro. Ele não possui força normativa, ou seja, não cria, por si só, direitos ou obrigações. Sua finalidade é, precisamente, a de permitir que o Poder Legislativo leve ao conhecimento do Poder Executivo uma proposta sobre matéria de competência deste, para que o Prefeito, se julgar oportuno e conveniente, inicie o processo legislativo correspondente.
Dessa forma, ao utilizar o Projeto Indicativo, o nobre Vereador não usurpa a competência do Executivo, mas, ao contrário, a reconhece, utilizando o caminho adequado para apresentar uma sugestão legislativa.
Portanto, sob o prisma estritamente formal, não há vício de iniciativa na apresentação do Projeto Indicativo nº 195/2025.
II.II - Da Análise Material e dos Vícios de Inconstitucionalidade
Ainda que a forma da proposição seja adequada, é dever desta Procuradoria analisar o mérito da sugestão apresentada, alertando para eventuais incompatibilidades com a ordem constitucional. Nesse ponto, a matéria sugerida pelo Projeto Indicativo nº 195/2025 apresenta vícios materiais, em linha com o já manifestado por esta casa no Parecer nº 450/2025, que analisou o Projeto de Lei nº 82/2025.
a) Violação à Liberdade de Expressão (Censura Prévia)
A proposta legislativa atenta diretamente contra o núcleo essencial da liberdade de expressão, direito fundamental previsto nos artigos 5º, IX, e 220 da Constituição Federal. A pretensão de proibir previamente o uso de símbolos em manifestações com o intuito de "satirizar, ridicularizar ou menosprezar" configura censura prévia, vedada expressamente pelo § 2º do art. 220 da Constituição.
A proteção constitucional à liberdade de expressão abrange não apenas as ideias consensuais e admiráveis, mas também as manifestações críticas, satíricas, humorísticas e aquelas que possam ser consideradas chocantes ou perturbadoras pela maioria. A jurisprudência pátria é firme em rechaçar leis que, sob o pretexto de proteger sentimentos religiosos, cerceiam indevidamente o debate público e a expressão artística.
b) Violação ao Princípio da Laicidade do Estado
O art. 19, I, da Constituição Federal estabelece a laicidade do Estado, impondo-lhe um dever de neutralidade em matéria religiosa. Ao propor uma proteção especial e sanções específicas para coibir a crítica a símbolos e liturgias de uma única religião — a cristã —, o projeto viola flagrantemente esse princípio.
O Estado não pode privilegiar uma crença em detrimento de outras ou da ausência de crença. A liberdade religiosa é uma via de mão dupla: protege o direito de crer e praticar um culto, mas também o direito de não crer, de criticar e de expressar visões de mundo diversas, inclusive por meio da sátira a dogmas e símbolos religiosos.
Eventuais abusos no exercício da liberdade de expressão que configurem discurso de ódio ou incitação à violência já encontram repressão na legislação penal (como o próprio art. 208 do Código Penal, que trata do vilipêndio a culto) e devem ser analisados a posteriori pelo Poder Judiciário, que pode ponderar os direitos em colisão no caso concreto, e não por meio de uma proibição genérica e prévia em lei municipal.
Assim, caso a sugestão contida no Projeto Indicativo fosse convertida em Projeto de Lei pelo Poder Executivo, este seria materialmente inconstitucional.
Com relação às questões de técnica legislativa, observo que o projeto de lei atendeu às principais diretrizes da Lei Complementar 95/98, o que não impede eventuais aperfeiçoamentos pelas Comissão deste Parlamento, dentro da margem da conveniência e oportunidade.
Ressalto ainda que em consulta ao sítio eletrônico desta Casa, esta proposta legislativa não se encontra rejeitada nesta Sessão Legislativa, não incidindo, a princípio, o óbice previsto no artigo 67 da CF, e tampouco já foi proposta, como Projeto Indicativo, por outro parlamentar, conforme o § 1º, do Art. 141 do Regimento Interno.
Diante disso, ainda que reconhecendo os elevados valores que imbuíram a proposição da norma, não há como endossar o Projeto Indicativo, por usurpar Competência do Executivo Estadual.
3. CONCLUSÃO
Diante do exposto, e considerando que a análise desta fase se restringe à regularidade formal da proposição como veículo de sugestão, e tendo em vista que o Projeto Indicativo não gera efetividade normativa, dependendo de futura e discricionária ação do Poder Executivo, opina-se pelo PROSSEGUIMENTO da tramitação do Projeto Indicativo nº 195/2025, ressaltando que quanto ao aspecto formal, o Projeto Indicativo não apresenta vício de iniciativa, pois, sendo uma mera sugestão sem força normativa, utiliza o instrumento legislativo adequado para propor ao Poder Executivo matéria de competência deste, sem embargos das questões colocadas acerca da inconstitucionalidade da proposta, por violar o direito fundamental à liberdade de expressão e o princípio da laicidade do Estado.
Destarte, a recomendação pelo prosseguimento ocorre pela importância dos debates sobre temas sensíveis à sociedade entre os Poderes constituídos. Contudo, fica a ressalva expressa de que, caso o Poder Executivo decida acolher a sugestão, a matéria deverá ser integralmente reavaliada para se adequar aos preceitos constitucionais aqui apontados, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.
Ressaltamos ainda que o presente Parecer é de natureza opinativa e não vinculatório específico para este processo, de modo que, todos aqueles participantes do processo, em especial o gestor público, dentro da margem de discricionariedade, juízo de valor e ação que lhes são conferidos, deverão diligenciar pela observância dos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais no caso em destaque.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que parecidos a este projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer.
Serra/ES, 31 de outubro de 2025.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
Procurador
Nº Funcional 4073096
MAYCON VICENTE DA SILVA
Assessor Jurídico
Nº Funcional 4113594-2
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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