Complemento da Ação:
PARECER PRÉVIO DA PROCURADORIA GERAL
Processo nº: 1446/2022
Projeto de lei nº: 63/2022
Requerente: Vereador Igor Elson.
Assunto: Projeto de Lei que dispõe sobre a isenção de cobrança dos estacionamentos em hospitais públicos, centro de coleta públicos, shopping centers, lojas de departamento, hipermercados e congêneres aos doadores de sangue e dá outras providências.
Parecer nº 0208/2022
RELATÓRIO
Cuidam os autos de Projeto de Lei de autoria do ilustre Vereador Igor Elson que dispõe sobre a isenção de cobrança dos estacionamentos em hospitais públicos, centro de coleta públicos, shopping centers, lojas de departamento, hipermercados e congêneres aos doadores de sangue e dá outras providências.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação quantos aos aspectos legais e constitucionais para o início da sua tramitação, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento a Minuta de Projeto de Lei em estudo, a correspondente Justificativa e os despachos de encaminhamento para elaboração de parecer jurídico prévio.
FUNDAMENTAÇÃO
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
Inicialmente, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no item 7.1 da Lei Municipal nº 2.656/2006, o qual determina à Procuradoria o assessoramento da Mesa Diretora e da Presidência desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 95/86.
Nesse diapasão, convém destacar que a emissão do presente parecer não representa óbice a eventual análise jurídica acerca de outras questões não abordadas no mesmo ou no tocante ao mérito da matéria submetida ao apreço, em caso de solicitação pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência.
Nessa vereda, ressalta-se que no presente parecer jurídico preliminar, de um modo geral, aprecia-se a legalidade e constitucionalidade do projeto de lei sobre três perspectivas elementares: i) a matéria legislativa proposta deve se encontrar entre aquelas autorizadas pela CF/88 aos Municípios; ii) se foi respeitada a rígida observância das preferências quanto à iniciativa para proposição prevista pela ordem jurídico-constitucional; iii) a possibilidade de violação por parte da matéria legislativa proposta à direitos fundamentais ou instituições tuteladas por regras ou princípios constitucionais.
Inicialmente, cumpre destacar que a elevação de um Projeto ao patamar de Lei Municipal passa sempre pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, se percebe claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I e II, e 99, XIV, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Desta maneira, não se vislumbra nenhum óbice à tramitação do projeto, uma vez que o projeto trata de assunto de interesse local.
Contudo, verifica-se que o Projeto de Lei em analise, fere o princípio da livre concorrência, que é um princípio constitucional, previsto no artigo 170, inciso IV da Constituição Federal, que tem como pressuposto a justa concorrência, e não restrita ou limitada apenas aos agentes econômicos com maior poder de mercado. Também é um princípio basilar do direito empresarial, bem como princípio constitucional da ordem econômica.
E sobre a livre iniciativa, proclama o insigne MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, (Comentários à Constituição Brasileira de 1988, Saraiva, v. 2, p. 170):
''Livre iniciativa. O primeiro dos princípios que devem reger a ordem econômica e social, para a realização do desenvolvimento nacional e a justiça social, é a liberdade de iniciativa. Esta deflui de direitos individuais consagrados no art. 5° da Constituição. De fato, decorre por um lado da liberdade de trabalho e concerne intimamente à liberdade de associação. A consagração da liberdade de iniciativa, como primeira das bases da ordem económica e social, significa que é através da atividade socialmente útil a que se dedicam livremente os indivíduos, segundo suas inclinações, que se procurará a realização da justiça social e, portanto, do bem-estar social. Como reflexo da liberdade humana, a liberdade de iniciativa mereceu acolhida nas encíclicas papais de caráter social, inclusive na mencionada, a 'Mater et Magistra', de João XXIII. Esta, textualmente, afirma que "no campo econômico, a parte principal compete à iniciativa privada dos cidadãos, quer ajam em particular, quer associados de diferentes maneiras a outros" (2a Parte, n. I). Daí decorre que ao Estado cabe na ordem econômica posição secundária, conquanto importante, já que sua ação deve reger-se pelo princípio da subsidiariedade. E deve ser tal que "não reprima a liberdade de iniciativa particular, mas antes a aumente para a garantia e proteção dos direitos essenciais de cada indivíduo". O desdobramento desse princípio é o que está adiante, no art. 173 da Constituição. Neste, reconhece-se competir à empresa privada organizar e explorar as atividades econômicas. Igualmente, nele se fixa o papel do Estado, ao qual é dado apoiar e suplementar a atividade privada. Entretanto, a liberdade de iniciativa não é ilimitada na Constituição, conforme se verá adiante. Liberdade contratual. Os autores franceses, como Laubadère, consideram esta liberdade compreendida na livre iniciativa (cf. André de Laubadère e Pierre Delvolvé, Droit public économique, 4. ed. Paris, Dalloz, 1983, n. 142). Na verdade, ela decorre da liberdade 'tout court', da qual é uma das mais lídimas expressões' (destacamos).
Ocorre que a gratuidade estabelecida, malgrado se reconheça a boa intenção que animou o legislador municipal, não guarda relação com esse princípio, pois do fato de o beneficiário da lei ser doador de sangue não decorre, necessariamente, hipossuficiência econômica a justificar a gratuidade estabelecida.
Ao revés, não se pode descartar a possibilidade de que indivíduos, dotados de plena capacidade econômica e com total possibilidade de, sem prejuízo do próprio sustento, arcar com o preço do estacionamento, venham a ser beneficiados com a gratuidade concedida pela edilidade.
Com relação às questões de técnica legislativa, observo que o projeto de lei atendeu às principais diretrizes da Lei Complementar 95/98, o que não impede eventuais aperfeiçoamentos pelas Comissão deste Parlamento, dentro da margem da conveniência e oportunidade.
Ressalto ainda que em consulta ao sítio eletrônico desta Casa, esta proposta legislativa não se encontra rejeitada nesta Sessão Legislativa, não incidindo, a princípio, o óbice previsto no artigo 67 da CF.
Dessa forma, não pode prosperar o Projeto de Lei que, embora nobre e louvável em suas pretensões, que contraria regra material estabelecida expressamente na Carta Política, além de contar com vício de iniciativa.
CONCLUSÃO
Posto isso, firmado em todas as razões e fundamentos já consignados, opino pela inconstitucionalidade da edição da lei pretendida por iniciativa desta Câmara Municipal, sugerindo, entretanto, que seja o Projeto de lei n.º 63/2022 de autoria do ilustre Vereador Igor Elson arquivado, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que semelhantes ao presente projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer que submetemos à apreciação Superior, motivo pelo qual ENCAMINHAMOS os autos ao Procurador Geral.
Serra/ES, 06 de abril de 2022.
LUIZ GUSTAVO GALLON BIANCHI
Procurador
Nº Funcional 4075277
NATALINA MÁRCIA DE OLIVEIRA
Assessora Jurídica
Nº funcional 4121490
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