Complemento da Ação:
PARECER PRÉVIO DA PROCURADORIA GERAL
Processo nº: 3793/2022
Projeto de lei nº: 249/2022
Requerente: Vereador Wellington Alemão.
Assunto: Projeto de Lei que dispõe sobre a instituição do Portal da Pessoa com Deficiência e dá outras providências.
Parecer nº: 0617/2022
RELATÓRIO
Cuidam os autos de Projeto de Lei de autoria do ilustre Vereador Wellington Alemão que dispõe sobre a instituição do Portal da Pessoa com Deficiência e dá outras providências.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação quantos aos aspectos legais e constitucionais para o início da sua tramitação, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento a Minuta de Projeto de Lei em estudo, a correspondente Justificativa e os despachos de encaminhamento para elaboração de parecer jurídico prévio.
FUNDAMENTAÇÃO
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
Inicialmente, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no item 7.1 da Lei Municipal nº 2.656/2006, o qual determina à Procuradoria o assessoramento da Mesa Diretora e da Presidência desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 95/86.
Nesse diapasão, convém destacar que a emissão do presente parecer não representa óbice a eventual análise jurídica acerca de outras questões não abordadas no mesmo ou no tocante ao mérito da matéria submetida ao apreço, em caso de solicitação pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência.
Nessa vereda, ressalta-se que no presente parecer jurídico preliminar, de um modo geral, aprecia-se a legalidade e constitucionalidade do projeto de lei sobre três perspectivas elementares: i) a matéria legislativa proposta deve se encontrar entre aquelas autorizadas pela CF/88 aos Municípios; ii) se foi respeitada a rígida observância das preferências quanto à iniciativa para proposição prevista pela ordem jurídico-constitucional; iii) a possibilidade de violação por parte da matéria legislativa proposta à direitos fundamentais ou instituições tuteladas por regras ou princípios constitucionais.
Cumpre destacar que a elevação de um Projeto ao patamar de Lei Municipal passa sempre pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, se percebe claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I e II, e 99, XIV, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Desta maneira, não se vislumbra nenhum óbice à tramitação do projeto, uma vez que o projeto trata de assunto de interesse local, não havendo o que se falar em vício de competência material.
Passando ao outro ponto, isto é, à verificação da constitucionalidade subjetiva do Projeto, também não verifico vícios, sendo certo que a Constituição Federal, preconiza que o gestor público deve ficar atento a alguns fundamentos que norteiam o bom desempenho de sua atividade no setor público. Os cinco princípios básicos da Administração Pública estão presentes no artigo 37 da Constituição Federal de 1988 e condicionam o padrão que as organizações administrativas devem seguir.
"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)" grifo nosso
Esses Princípios da Administração Pública são um conjunto de normas fundamentais, estabelecidas pela Constituição Federal Brasileira, que condicionam o padrão que todas as organizações administrativas devem seguir e estão diretamente relacionados com as diretrizes que as instituições, sejam elas públicas ou privadas, e seus gestores devem seguir.
O princípio da publicidade abrange toda atuação do Estado, esta publicidade se dá, não apenas sob o aspecto da divulgação oficial de seus atos, mas também propicia a toda população, o conhecimento da conduta interna de seus agentes. Busca-se deste modo, manter a transparência nas decisões tomadas pelos agentes da Administração Pública.
O princípio da publicidade tem por finalidade não só o conhecimento público, mas principalmente tornar claro e compreensível ao público as atividades dos agentes públicos.
A Administração tem o dever de manter plena transparência de todos os seus comportamentos, inclusive de oferecer informações que estejam armazenadas em seus bancos de dados, quando sejam solicitadas, em razão dos interesses que ela representa quando atua.
Para que os atos sejam conhecidos externamente, ou seja, na sociedade, é necessário que eles sejam publicados e divulgados, e assim possam iniciar a ter seus efeitos, auferindo eficácia ao termo exposto. Além disso, relaciona-se com o Direito da Informação, que está no rol de Direitos e Garantias Fundamentais.
Di Pietro (1999, p.67) demonstra que:
“O inciso XIII estabelece que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.”
Nesse mesmo interim,
“A publicidade, como princípio da administração pública, abrange toda atuação estatal, não só sob o aspecto de divulgação oficial de seus atos como, também, de propiciação de conhecimento da conduta interna de seus agentes” (MEIRELLES, 2000, p.89).
Em caso análogo, onde foi feita lei de iniciativa parlamentar (Lei municipal nº. 4.581/2016) cujo texto dispunha sobre a obrigatoriedade da publicação, em sítio eletrônico oficial, das listas de pacientes que aguardam por consultas, exames e intervenções cirúrgicas nos estabelecimentos da rede pública municipal, o Tribunal de Justiça declarou a constitucionalidade afastando o vício de iniciativa parlamentar, conforme segue:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 4.581⁄2016, DO MUNICÍPIO DE SERRA. OBRIGATORIEDADE DA PUBLICAÇÃO, EM SÍTIO ELETRÔNICO OFICIAL, DAS LISTAS DE PACIENTES QUE AGUARDAM CONSULTAS, EXAMES E INTERVENÇÕES CIRÚRGICAS NOS ESTABELECIMENTOS DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL. VÍCIO NO PROCESSO LEGISLATIVO NÃO CARACTERIZADO. PUBLICIDADE E TRANSPARÊNCIA DOS ATOS. INICIATIVA CONCORRENTE. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE. I- Não se presume a reserva de iniciativa, a qual deve resultar – em face do seu caráter excepcional – de expressa previsão inscrita no próprio texto da Constituição, que define, de modo taxativo, em catálogo "numerus clausus", as hipóteses em que essa cláusula de privatividade regerá a instauração do processo de formação das leis. II- A lei cuja constitucionalidade é questionada se enquadra numa salutar contextura de aprimoramento da transparência das atividades administrativas, reafirmando e cumprindo o princípio constitucional da publicidade da administração pública, não se tratando, portanto, de matéria de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo, mas de iniciativa concorrente. III- O comando legal ora atacado nada mais fez do que determinar a divulgação de informação pública relevante com claro intuito de aperfeiçoar a fiscalização e o controle sociais sobre o atendimento à saúde, bem como de garantir maior respeito às listas de espera de pacientes que aguardam por consultas, exames e cirurgias na rede pública de saúde municipal, desiderato que está em plena sintonia com o art. 32 da Constituição Estadual. IV- Se o Município já possui página própria na rede mundial de computadores, a qual requer permanente atualização e manutenção, serviços para os quais certamente funcionários já foram designados, não se vislumbra o advento de nova despesa capaz de impactar os cofres municipais. V- Pedido julgado improcedente.
(TJES, Classe: Direta de Inconstitucionalidade, 100170024572, Relato: JORGE DO NASCIMENTO VIANA, Órgão julgador: TRIBUNAL PLENO, Data de Julgamento: 14/09/2017, Data da Publicação no Diário: 22/09/2017)
Em seu voto, o Sr. Desembargador Jorge Do Nascimento Viana (Relator): aduz que, “espera-se das autoridades municipais que, de acordo com sua competência e autonomia constitucionalmente garantidas, divulguem ao munícipe e à sociedade, da forma mais ampla e transparente possível, informações de interesse público. O comando legal ora atacado nada mais fez do que determinar a divulgação de informação pública relevante com claro intuito de aperfeiçoar a fiscalização e o controle sociais sobre o atendimento à saúde, bem como de garantir maior respeito às listas de espera de pacientes que aguardam por consultas, exames e cirurgias na rede pública de saúde municipal.”
Não constitui demasia recordar, outrossim, que o acesso dos munícipes às informações referentes a serviços públicos também figura como decorrência da denominada “Lei de Acesso à Informação” (Lei nº 12.527/11), cujos arts. 1º,7º, inc. V e 8º enunciam o seguinte:
“Art. 1º Esta Lei dispõe sobre os procedimentos a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com o fim de garantir o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal.”
“Art. 7º O acesso à informação de que trata esta Lei compreende, entre outros, os direitos de obter:
(...)
VI - informação pertinente à administração do patrimônio público, utilização de recursos públicos, licitação, contratos administrativos;” (...)
“Art. 8º É dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas.”
Importante lembrar que ao Executivo e ao Legislativo correspondem, tipicamente, funções específicas e separadas. Tal postulado, inclusive, figura na obra clássica “Direito Municipal Brasileiro”, de Hely Lopes Meirelles:
“[...] em sua função normal e predominante sobre as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua função específica, bem diferenciada da do Executivo, que é a de praticar atos concretos de administração. Já dissemos e convém se repita que o Legislativo provê 'in genere', o Executivo 'in specie'; a Câmara edita normas gerais, o prefeito as aplica aos casos particulares ocorrentes. Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental. [...]. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre sua execução.”
Não obstante a proposta em análise ser denominado como autorização para o poder Executivo Municipal, a matéria articulada no referido projeto não se encontra expressamente entre as de competência privativa do Executivo Municipal previstas no artigo 143 da Lei Orgânica deste Município, pois se trata de projeto meramente autorizativo, não interferindo na estrutura e nem inova gastos para o Executivo.
Ademais, o STF, através de decisão na ADI 3394/AM, foi reconhecido no voto do relator Min. Eros Grau reconhece expressamente a legitimidade da edição de leis de mera “autorização”:
12. Quanto ao artigo 3º da lei, a “autorização” para o exercício do poder regulamentar nele afirmada é despicienda, pois se trata, ai, de simples regulamento de execução. (...). Observe-se, ainda, que, algumas vezes, rebarbativamente (art. 84, IV), determinadas leis conferem ao Executivo autorização para a expedição de regulamento tendo em vista sua fiel execução; essa autorização apenas não será rebarbativa se, mais do que autorização, impuser ao Executivo o dever de regulamentar”. No caso, no entanto, o preceito legal marca prazo para que o Executivo exerça função regulamentar de sua atribuição, o que ocorre amiúde, mas não deixa de afrontar o princípio da interdependência e harmonia entre os poderes. (...)” (fls. 108-109)
Reforçando a tese de que as iniciativas do Executivo devem ser interpretadas de maneira restritiva, a jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal já se pacificou para admitir a iniciativa parlamentar em projetos que embora criem despesas, não trata da estrutura ou das atribuições das Secretarias, senão vejamos:
“Não usurpa competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, § 1º, II,"a", "c" e "e", da Constituição Federal)”
Tese 917 STF – Publicada em 30/09/2016
Além disso, em se tratando de Projeto que visa o acesso dos portadores de deficiência as informações relacionadas aos seus direitos e os serviços que o município disponibiliza, convém destacar que a ação municipal nessa área é reclamada pela própria Lei Orgânica Municipal, que não deixa dúvidas ao dispor, em seu art. 13, o seguinte:
Art. 13 - A família, a sociedade e o Município têm o dever de amparar as pessoas idosas e as pessoas com deficiência, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. (grifo nosso)
Esclarecemos ainda que a matéria articulada no referido projeto se limita a reproduzir direitos já elencados no Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), não criando “novas” obrigações ao Executivo Municipal.
“Art. 1º É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.
Art. 3º Para fins de aplicação desta Lei, consideram-se:
I - acessibilidade: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida; (grifo nosso)
(...)”
Sendo assim, não resta dúvidas acerca da legalidade do projeto de lei, mediante respaldo doutrinário, jurídico e legal no sentido de que a iniciativa do Legislativo, nesses casos, não configura ingerência em matérias de atribuição do Executivo, mas sim prova da colaboração real entre Poderes autônomos e harmônicos.
Com relação às questões de técnica legislativa, observo que o projeto de lei atendeu às principais diretrizes da Lei Complementar 95/98, o que não impede eventuais aperfeiçoamentos pelas Comissão deste Parlamento, dentro da margem da conveniência e oportunidade.
Ressalto ainda que em consulta ao sítio eletrônico desta Casa, esta proposta legislativa não se encontra rejeitada nesta Sessão Legislativa, não incidindo, a princípio, o óbice previsto no artigo 67 da CF.
Ante a todo o exposto, com base nos elementos dos atos, é forçosa a conclusão de que o Projeto se reveste de regularidade formal para seu prosseguimento.
CONCLUSÃO
Posto isso, firmada em todas as razões e fundamentos já expostos, opina esta Procuradoria pelo regular prosseguimento do Projeto de Lei nº 249/2022, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que semelhantes ao presente projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer que submetemos à apreciação Superior, motivo pelo qual ENCAMINHAMOS os autos ao Procurador Geral.
Serra/ES, 04 de novembro de 2022.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
Procurador
Nº Funcional 4073096
NATALINA MÁRCIA DE OLIVEIRA
Assessora Jurídica
Nº funcional 4121490
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