Recebimento: 14/03/2023 |
Fase: Emitir Parecer |
Setor:Procuradoria |
Envio: 10/04/2023 09:56:26 |
Ação: Parecer Emitido
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Tempo gasto: 26 dias, 22 horas, 55 minutos
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Complemento da Ação: Processo nº 53/2023
Projeto de Lei nº 5/2023
Requerente: Vereador Paulinho do Churrasquinho
Assunto: Confere validade indeterminada aos laudos médicos que atestem deficiência permanente para fins de acesso a programas e serviços públicos municipais e dá outras providências.
Parecer nº 232/2023
PARECER DA PROCURADORIA GERAL
RELATÓRIO:
Cuidam os autos de Projeto de Lei de autoria do ilustre Vereador Paulinho do Churrasquinho que confere validade indeterminada aos laudos médicos que atestem deficiência permanente para fins de acesso a programas e serviços públicos municipais e dá outras providências.
Em sua justificativa, esclarece o Vereador que o projeto busca concretizar um direito para que as pessoas com deficiência tenham acesso aos programas municipais de forma menos burocratizada.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação quantos aos aspectos legais e constitucionais para o início da sua tramitação, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento a Minuta de Projeto de Lei em estudo, justificativa e os despachos de encaminhamento para elaboração de parecer jurídico prévio.
Por fim, relatado o feito, passo a opinar.
FUNDAMENTAÇÃO:
Inicialmente, cumpre destacar que a elevação de um Projeto ao patamar de Lei Municipal passa sempre pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, se percebe claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I e II, e 99, XIV, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual, como se vê:
Desta maneira, quanto a este aspecto, não se vislumbra nenhum óbice à tramitação do projeto, uma vez que o projeto trata de assunto de interesse local.
Esclarecemos ainda que a matéria articulada no referido projeto não se encontra expressamente entre as de competência privativa do Executivo Municipal previstas no artigo 143 da Lei Orgânica deste Município.
No caso concreto, o projeto de lei faculta ao Executivo a regulamentação da lei, permitindo, dentro da sua discricionariedade, avaliar a melhor forma de impacto para o acesso das pessoas com deficiências nos programas municipais.
A simples obrigação de se aceitar laudo de doenças incuráveis sem prazo de validade não possui o condão de interferir na organização nem no funcionamento da administração estatal, tão pouco de impor ao Poder Executivo obrigações relativas à implantação de políticas públicas, como já decidido pelo STF no tema 917:
"Não usurpa competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, § 1º, II, 'a', 'c' e 'e', da Constituição Federal)." ARE 878911 RG / RJ.
Por fim, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, citando entendimentos de outros Tribunais, é uníssona em entender que a lei que se limita a fixar obrigações genéricas a particulares e entes públicos não viola vício de iniciativa do Executivo:
Tribunal Pleno ACÓRDÃO Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 0000142-39.2022.8.08.0000 Requerente: Prefeito do Município de Serra Requerida: Câmara de Vereadores do Município de Serra Relatora: Desembargadora Janete Vargas Simões EMENTA : DIREITO CONSTITUCIONAL. REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. INSTITUIÇÃO DA SEMANA DE ORIENTAÇÃO E PREVENÇÃO DA GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA E OUTRAS PROVIDÊNCIAS. AUSÊNCIA DE INTERFERÊNCIA NA ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA E PESSOAL. VÍCIO DE INICIATIVA NÃO CONFIGURADO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES NÃO DEMONSTRADA. LIMINAR INDEFERIDA. 1. A Constituição Federal preceitua no art. 61, § 1º, inciso II que são de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que disponham sobre a organização administrativa, sendo que, por força do princípio da simetria, As regras inerentes ao processo legislativo, nos termos da jurisprudência desta Casa, são de reprodução obrigatória pelos demais entes da Federação (ADI 6132, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 29/11/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-239 DIVULG 02-12-2021 PUBLIC 03-12-2021). 2. O art. 63, parágrafo único, inciso III da Constituição Estadual, por sua vez, estabelece que são de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo as leis que disponham sobre a organização administrativa e pessoal da administração do Poder Executivo. 3. No julgamento do ARE 878911 RG, o Tribunal Pleno do STF concluiu que Não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos . 4. A Lei n. 5.068/2019 do Município de Serra, de iniciativa parlamentar, institui a semana de Orientação e Prevenção da Gravidez na Adolescência (art. 1º, § 1º), o que por si só não cria obrigações e despesas para o Poder Executivo Municipal, bem como as disposições contidas no § 2º do art. 1º e nos arts. 2º, 3º, 4º 5º e 6º, que autorizam (a) a realização da semana em Unidades Básicas de Saúde e na rede municipal de ensino, com seminários, ciclos de palestras, ações educativas, campanhas, oferecimento de todos os métodos e técnicas de contracepção cientificamente aceitos, (b) a celebração de convênios, (c) o estabelecimento de parceiras com instituições públicas e privadas, (d) a promoção, estimulação e realização de programas de orientação, e (e) o desenvolvimento de ações sistemáticas e continuadas ao longo do ano pelas secretarias municipais. 5. As ações autorizadas pelo diploma legal estão englobadas nos campos de atuação das Secretarias de Educação e de Saúde, não afetando as respectivas estruturas e tampouco estabelecendo atuação excepcional dos órgãos. 6. A lei em questão possui elevada relevância social e é voltada, principalmente, à concretização do direito à saúde e à preservação da dignidade da pessoa humana, princípio guia da Constituição Federal . 7. Liminar indeferida. VISTOS, relatados e discutidos estes autos ACORDAM os Desembargadores que compõem o Tribunal Pleno do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, de conformidade com a ata e notas taquigráficas que integram este julgado, por maioria, indeferir a liminar, nos termos do voto da Relatora. Vitória, 31 de março de 2022. PRESIDENTE RELATORA (TJES, Classe: Direta de Inconstitucionalidade, 100220000358, Relator : JANETE VARGAS SIMÕES, Órgão julgador: TRIBUNAL PLENO, Data de Julgamento: 31/03/2022, Data da Publicação no Diário: 08/04/2022)
Quanto às questões de técnica legislativa, constata-se que há neste Município uma lei em vigor com o conteúdo semelhante ao desta proposição. Trata-se da Lei Municipal nº 5.358, que dispõe sobre concessão indeterminada de prazo para laudo com doenças sem curas:
DISPENSA O ESTUDANTE DA EDUCAÇÃO ESPECIAL DE REAPRESENTAÇÃO DE LAUDO DE DEFICIÊNCIA PERMANENTE, DOENÇA SEM CURA E DEGENERATIVA NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO E EM INSTITUIÇÕES DE UTILIDADE PÚBLICA CONVENIADAS E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.
Art. 1º Fica dispensado o estudante da educação especial de reapresentação de laudo de deficiência permanente, doença sem cura e degenerativa na rede municipal de ensino e em instituições de utilidade pública conveniadas.
I - o laudo médico deverá ser anexado a pasta do estudante da educação especial.
II - em caso de transferência o laudo deve acompanhar a documentação enviada, por meio de procedimentos administrativos.
Ocorre que a Lei Complementar 95/998 determina que o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a subsequente se destine a complementar lei considerada básica, vinculando-se a esta por remissão expressa, senão vejamos:
Art. 7º O primeiro artigo do texto indicará o objeto da lei e o respectivo âmbito de aplicação, observados os seguintes princípios:
IV - o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a subsequente se destine a complementar lei considerada básica, vinculando-se a esta por remissão expressa.
Desse modo, quando já existe uma lei sobre o assunto, o legislador possui a opção de alterá-la mediante reprodução integral de novo texto, quando se tratar de modificação considerável, ou por revogação parcial, com alterações pontuais do texto da norma. Essas regras estão dispostas na Lei Complementar nº 95/1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal.
Solicito, assim, para que seja submetido os autos ao proponente para que informe se possui interesse em modificar a lei atualmente em vigor sobre o assunto (Lei Municipal nº 5.358), como preconiza a LC nº 95/1998, sob pena do arquivamento do presente projeto.
Ressalto ainda que em consulta ao sítio eletrônico desta Casa, esta proposta legislativa não se encontra rejeitada nesta Sessão Legislativa, não incidindo, a princípio, o óbice previsto no artigo 67 da CF assim transcrito:
CONCLUSÃO
Posto isso, firmada em todas as razões e fundamentos já expostos, opina esta Procuradoria pelo NÃO prosseguimento do Projeto de Lei nº 5/ 2023, mediante o retorno do processo ao Vereador proponente para informar se deseja alterar a lei 5.358 em vigor ou promover a sua revogação integral, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Ressaltamos que o presente Parecer é de natureza opinativa e não vinculatório específico para este processo, de modo que, todos aqueles participantes do processo, em especial o gestor público, dentro da margem de discricionariedade, juízo de valor e ação que lhes são conferidos, deverão diligenciar pela observância dos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais no caso em destaque.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que semelhantes ao presente projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer, motivo pelo qual ENCAMINHAMOS os autos à Presidência.
Serra/ES, 10 de abril de 2023.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
PROCURADOR
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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