Recebimento: 10/02/2025 |
Fase: Distribuir proposição ao Procurador para elaboração de parecer |
Setor:Procuradoria |
Envio: 16/06/2025 15:32:44 |
Ação: Parecer Emitido
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Tempo gasto: 126 dias, 4 horas, 25 minutos
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Complemento da Ação:
Processo nº: 333/2025
Projeto de lei nº: 57/2025
Requerente: Vereador Raphaela Moraes
Assunto: “Dispõe Sobre a Obrigatoriedade de os Shoppings Centers Localizados no Município da Serra Disponibilizarem Aparelhos Abafadores de Ruídos para as Pessoas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) ”.
Parecer nº: 367/2025
PARECER PRÉVIO DA PROCURADORIA GERAL
1. RELATÓRIO
Cuidam os autos de Projeto de Lei 57/2025, de autoria da ilustre Vereadora Raphaela Moraes que “Dispõe Sobre a Obrigatoriedade de os Shoppings Centers Localizados no Município da Serra Disponibilizarem Aparelhos Abafadores de Ruídos para as Pessoas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) ”.
Em sua justificativa, esclarece a vereadora que O uso dos Abafadores de Ruídos pode ser um verdadeiro divisor de águas para muitas pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), uma vez que, reduzindo a sobrecarga sensorial, esses dispositivos podem ajudar na concentração em ambientes ruidosos, como escolas ou locais de trabalho; facilitar a participação em atividades sociais, reduzindo a ansiedade causada pelo excesso de ruído; e melhorar a qualidade geral de vida, permitindo que a pessoa com TEA se sinta mais confortável e menos estressada em seu dia a dia.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação quantos aos aspectos legais e constitucionais para o início da sua tramitação, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento a Minuta de Projeto em estudo, a correspondente Justificativa, fotos e os despachos de encaminhamento para elaboração de parecer jurídico prévio.
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
Ab initio, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no art. 18, IV, da Lei Municipal nº 6.134/2025, o qual determina à Procuradoria elaborar pareceres escritos nos processos que lhe forem encaminhados pelo Presidente desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 278/2020.
Cumpre destacar que a elevação de um Projeto ao patamar de Lei Municipal passa sempre pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, se percebe claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I, II e V, e 99, XIV, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Constituição Federal
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Constituição Estadual
Art. 28. Compete ao Município:
I - legislar sobre assunto de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e estadual no que couber;
Lei Orgânica do Município da Serra
Art. 30 - Compete ao Município da:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - Suplementar a legislação federal e estadual, no que couber;
Art. 99 - Compete à Câmara, com a sanção de Prefeito:
XIV - legislar sobre assuntos de interesse local;
Nesse aspecto, o projeto em análise visa promover a inclusão e o bem-estar de pessoas com Transtorno do Espectro Autista ao frequentarem Shoppings Centers no âmbito municipal. Tal matéria se insere claramente no conceito de interesse local, pois diz respeito diretamente à qualidade de vida e à acessibilidade de munícipes em estabelecimentos situados no território da Serra.
Ademais, a LOM da Serra é pródiga em dispositivos que fundamentam a atuação municipal na proteção e inclusão da pessoa com deficiência:
Nessa toada, destaca-se o previsto no Art. 11 e Art. 234-C, onde asseguram, com absoluta prioridade, os direitos das crianças, adolescentes e, por extensão e analogia, de pessoas em condição de vulnerabilidade, como aquelas com TEA.
Art. 11 É dever do Município assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda as formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Art. 234-C - É dever da família, da sociedade e do Poder Público assegurar à criança e ao adolescente, com prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
No mesmo sentido o Art. 13, estabelece o dever do Município de amparar as pessoas com deficiência, assegurando sua participação na comunidade e defendendo sua dignidade e bem-estar.
Art. 13 - A família, a sociedade e o Município têm o dever de amparar as pessoas idosas e as pessoas com deficiência, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
Em via similar o Art. 99, I da Lei Orgânica defini a competência da Câmara, com sanção do Prefeito, para zelar pela proteção e garantia das pessoas com deficiência.
Art. 99 Compete à Câmara, com a sanção de Prefeito:
I – zelar pela saúde, assistência pública, especialmente aos mais necessitados, a proteção e garantia das pessoas com deficiência;
Por derradeiro o Art. 236, I da LOM prevê a criação de programas que visem à "facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos". A disponibilização de abafadores de ruído pode ser considerada uma medida que facilita o acesso e a permanência em Shoppings Centers, que são serviços coletivos de grande afluxo.
Art. 236 Fica assegurado, na forma da lei, o caráter democrático na formulação e execução da política e no controle das ações dos órgãos encarregados de assistência e promoção da família, da criança, do adolescente, do idoso e da pessoa com deficiência com:
I – a criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas com deficiência, bem como de integração social do adolescente com deficiência, mediante o treinamento para o trabalho, convivência e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos;
A medida também pode ser vista como regulamentação do funcionamento de estabelecimentos comerciais (Shoppings Centers) em prol da saúde e bem-estar de uma parcela da população, o que se coaduna com a competência municipal para legislar sobre posturas e ordenamento urbano em sentido amplo.
Em via distinta, a relação entre os frequentadores (consumidores) e os Shoppings Centers (fornecedores de um complexo de serviços e produtos) é abrangida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC - Lei nº 8.078/1990). O Shopping Center, como empreendimento, oferece não apenas os produtos e serviços das lojas individuais, mas também um ambiente, segurança, estacionamento, áreas de lazer e alimentação, configurando-se como um fornecedor de serviços complexos. Os frequentadores, ao utilizarem essas facilidades e consumirem nos estabelecimentos ali localizados, são considerados consumidores.
Nesse sentido, vale tratar quanto a Competência Legislativa Municipal em Matéria de Consumo:
A Constituição Federal estabelece em seu art. 24:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
V - produção e consumo;
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
Embora o art. 24 mencione expressamente a União, os Estados e o Distrito Federal, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem consolidado o entendimento de que os Municípios também possuem competência para suplementar a legislação federal e estadual no que diz respeito à defesa do consumidor, desde que se trate de assunto de interesse local e não contrarie as normas gerais estabelecidas pela União.
Essa competência municipal decorre da interpretação sistemática da Constituição, especialmente do art. 30, I (legislar sobre assuntos de interesse local) e II (suplementar a legislação federal e a estadual no que couber).
No caso do PL 57/2025, a obrigatoriedade de disponibilizar abafadores de ruído em Shoppings Centers para pessoas com TEA pode ser vista como uma medida de proteção ao consumidor com necessidades específicas, visando garantir-lhe:
Assim, o Município da Serra, ao legislar sobre essa matéria, atua no âmbito do interesse local, pois a medida se aplica aos estabelecimentos situados em seu território e beneficia diretamente seus munícipes (ou visitantes).
Suplementa as normas gerais de defesa do consumidor (estabelecidas pelo CDC e outras legislações federais/estaduais), detalhando uma obrigação específica para um tipo de estabelecimento e um grupo de consumidores vulneráveis, sem contrariar as diretrizes mais amplas.
Portanto, conclui-se que o Município da Serra detém competência legislativa para tratar da matéria versada no Projeto de Lei.
Importante asseverar que o Projeto de Lei é de autoria parlamentar. A regra geral, tanto na Constituição Federal, quanto na Lei Orgânica Municipal, é a da iniciativa concorrente para a propositura de leis, salvo as matérias de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo.
As hipóteses de reserva de iniciativa ao Poder Executivo são taxativas e dizem respeito, em síntese, à criação de cargos, funções ou empregos na administração direta e autárquica, ou aumento de sua remuneração; ao regime jurídico dos servidores públicos; à organização administrativa e matéria orçamentária.
O presente Projeto de Lei não versa sobre nenhuma dessas matérias. Ele impõe uma obrigação a entes privados (Shoppings Centers) e não interfere na estrutura administrativa do Poder Executivo Municipal, nem cria despesas diretas para o erário municipal que exijam dotação orçamentária específica por iniciativa do Prefeito. O fato de a medida gerar um custo para a iniciativa privada não configura vício de iniciativa parlamentar.
Desta forma, não se vislumbra vício de iniciativa na proposição em análise.
Oportuna analisar quanto a matéria do projeto que envolve a ponderação entre a livre iniciativa (art. 1º, IV, e art. 170, caput, CF/88) e outros valores constitucionais, como a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88), a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CF/88), a promoção do bem de todos (art. 3º, IV, CF/88), a função social da propriedade (art. 5º, XXIII, e art. 170, III, CF/88) e a proteção integral à pessoa com deficiência (art. 227, §1º, II, e §2º, CF/88, e Lei nº 13.146/2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência).
A imposição da obrigatoriedade de disponibilização de abafadores de ruído aos Shoppings Centers, embora crie um ônus para estes estabelecimentos, afigura-se como medida Razoável e Proporcional, Alinhada com a Função Social e Promotora da Dignidade e Inclusão
A jurisprudência pátria tem reconhecido a validade de normas que, com base na competência municipal e visando o interesse público e a proteção de vulneráveis, impõem certas obrigações a estabelecimentos privados, desde que observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o que parece ser o caso.
Ementa do ARE 1479968 AgR / RJ (que cita o ARE 973.559 AgR):
EMENTA DIREITO ADMINISTRATIVO E DO CONSUMIDOR. LEI MUNICIPAL. DESTINAÇÃO DE PERCENTUAL DE MESAS E CADEIRAS NAS PRAÇAS DE ALIMENTAÇÃO PARA DEFICIENTES, IDOSOS E GESTANTES. ALEGAÇÃO DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA UNIÃO. INEXISTÊNCIA. INTERESSE LOCAL CONFIGURADO. CONSONÂNCIA DA DECISÃO RECORRIDA COM A JURISPRUDÊNCIA PREDOMINANTE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. O acórdão impugnado está alinhado à jurisprudência predominante neste Supremo Tribunal Federal, no sentido de que compete à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre direitos do consumidor. Esta Suprema Corte admite a competência dos municípios para legislar sobre direito do consumidor, bem como sobre proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência, idosos e gestantes, desde que inserida a matéria no campo do interesse local, como no presente caso. Precedentes. 2. A Lei nº 5.722/2014 “do município do Rio de Janeiro, ao prever a destinação de uma quantidade de mesas e cadeiras em praças de alimentação de centros comerciais para o uso de deficientes, idosos e gestantes, nada mais fez do que conferir concretude local a legislação nacional e estadual sobre a matéria” (ARE 973.559/AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJe 05.9.2019). 3. Agravo interno conhecido e não provido. (STF - ARE: 1479968 RJ, Relator: LUIZ FUX (Presidente), Data de Julgamento: 12/06/2024, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 12/06/2024 PUBLIC 13/06/2024)
Esta decisão do STF, ao validar uma norma municipal que impõe uma obrigação a shoppings para beneficiar grupos vulneráveis, serve como um forte precedente para sustentar que o PL 57/2025, ao determinar a disponibilização de abafadores de ruído (uma obrigação de impacto aparentemente menor do que a reserva de espaço físico), também pode ser considerado válido, razoável e proporcional, dentro da competência municipal.
Assim, não se vislumbra inconstitucionalidade material na obrigação que se pretende criar.
Com relação às questões de técnica legislativa, observo que o projeto de lei atendeu às principais diretrizes da Lei Complementar 95/98, o que não impede eventuais aperfeiçoamentos pelas Comissão deste Parlamento, dentro da margem da conveniência e oportunidade.
Nesse contexto, cumpre esclarecer que, conforme estabelece o art. 141 e seus parágrafos do Regimento Interno desta Câmara Legislativa, nos termos da Resolução nº 278/2020, as proposições devem ser protocolizadas eletronicamente ou, excepcionalmente, no Protocolo Geral da Casa, sendo numeradas em ordem sequencial e encaminhadas à Presidência, prevalecendo, em caso de matérias idênticas, a de protocolo mais antigo, com arquivamento das demais. No entanto, após consulta ao sistema legislativo e ao sítio eletrônico desta Casa, verifica-se que não há, nesta Sessão Legislativa, qualquer outra proposição com o mesmo objeto, não incidindo, portanto, o óbice de duplicidade previsto no referido artigo, tampouco a vedação do art. 67 da Constituição Federal, que trata da reapresentação de projetos rejeitados na mesma sessão legislativa.
Ante a todo o exposto, entendo que o presente Projeto de Resolução reúne os requisitos mínimos legais para a sua tramitação.
3. CONCLUSÃO
Posto isso, firmada em todas as razões e fundamentos já expostos, opina esta Procuradoria pelo regular prosseguimento do Projeto de Lei nº 57/2025, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Ressaltamos que o presente Parecer é de natureza opinativa e não vinculatório específico para este processo, de modo que, todos aqueles participantes do processo, em especial o gestor público, dentro da margem de discricionariedade, juízo de valor e ação que lhes são conferidos, deverão diligenciar pela observância dos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais no caso em destaque.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que parecidos a este projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer.
Serra/ES, 16 de junho de 2025.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
Procurador
Nº Funcional 4073096
MAYCON VICENTE DA SILVA
Assessor Jurídico
Nº Funcional 4113594-2
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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