Recebimento: 24/11/2021 |
Fase: Distribuir proposição ao Procurador para elaboração de parecer |
Setor:Procuradoria |
Envio: 25/11/2021 12:35:59 |
Ação: Parecer Emitido
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Tempo gasto: 20 horas, 59 minutos
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Complemento da Ação: Parecer nº:1215/2021
PARECER PRÉVIO DA PROCURADORIA GERAL
RELATÓRIO
Cuidam os autos de Projeto de Lei de autoria do ilustre Vereador supracitado.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação quanto aos aspectos legais e constitucionais para o início da sua tramitação, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento a Minuta de Projeto de Lei em estudo, a sua justificativa e os despachos de encaminhamento para elaboração de parecer jurídico prévio.
Por fim, relatado o feito, passo a opinar.
FUNDAMENTAÇÃO
Inicialmente, cumpre esclarecer que, a elevação de um Projeto ao patamar de Lei Municipal passa sempre pela comprovação de dois requisitos indispensáveis, quais sejam, a constitucionalidade e o interesse público em sua realização.
Pois bem. No caso em tela, entendo configurado o interesse público no Projeto de Lei em referência. Isso porque, conforme restou demonstrado na Justificativa, o comando normativo que emerge da proposição tem caráter social à medida em que busca preconizar interesses essenciais a vida em sociedade.
Assim sendo, sem maior delonga, tenho por identificado e satisfeito o requisito interesse público no caso concreto.
Contudo, passando ao outro ponto, isto é, à verificação da constitucionalidade do Projeto, não identifico a mesma sorte na proposta de lei em análise. Isto porque, ao dispor sobre o tema, esta norma acaba por ferir a iniciativa do Executivo, pois, interfere consequentemente na separação dos poderes. A referida matéria é de iniciativa legiferante e competência exclusiva do Prefeito, vejamos ao teor da súmula 09 do Tribunal de Justiça do Estado do Espirito Santo “É inconstitucional lei municipal de iniciativa do Poder Legislativo que disponha sobre matéria de competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo.”
Em que pese existir a Defensoria Pública que presta serviço de assistência jurídica aos necessitados, observo que nada impede que o Prefeito Municipal, crie, por meio de lei tal suporte, cito como exemplo a existência da “casa do cidadão” que presta serviços jurídicos aos necessitados, vejamos:
Promover o exercício da cidadania, garantindo aos moradores da Serra, especialmente aos mais vulneráveis, conhecimentos de seus direitos fundamentais e facilitar o acesso à Justiça. Esses são os objetivos do trabalho do Departamento de Cidadania, vinculado à Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania da Serra.
Muitas das atividades do Departamento são exercidas por meio das Casas do Cidadão, no Centro Integrado de Cidadania (CIC), em Serra-Sede, e no Pró-Cidadão, em Portal de Jacaraípe, que tem oportunizado aos munícipes o acesso à Justiça por meio da assistência jurídica gratuita.
“Contamos com duas unidades de atendimento, com intuito de descentralizar os serviços e facilitar o acesso do cidadão a direitos fundamentais”, comenta a coordenadora do Departamento, Andria Pesente.
Como funcionam as Casas do CidadãoAções:
Divórcio Direto; Conversão de Separação em Divórcio; Pensão Alimentícia, Oferta de Alimentos; Execução de alimentos; Guarda; Adoção; Investigação e Negatória de Paternidade; Retificação de Registro Civil; Tutela; Curatela; Reconhecimento e Dissolução de União Estável; Regulamentação de Visita; Regulamentação de Guarda e outros.
Para ser atendido:
Ser morador do município; renda familiar mensal de até três salários mínimos. Site da Prefeitura de Serra – ES < http://www.serra.es.gov.br/site/publicacao/conheca-os-servicos-das-casas-do-cidadao-da-serra>
Tal matéria não pode ser de iniciava da Câmara Municipal, pois para tal o Chefe do executivo terá:
Gastos.
Alteração de sua estrutura.
Aumento de pessoal.
Além disto, da forma que foi apresentado tal Projeto de Lei, fere frontalmente a Constituição Federal de 88. O artigo 2º do Projeto em estudo buscou “isentar totalmente o agente independente do resultado do processo”, tal matéria fere diretamente a Constituição e Administração Pública e normas jurídicas infraconstitucionais, uma vez que às custas e honorários serão pagos pelo contribuinte, existindo clara responsabilidade Fiscal do Chefe do Executivo nestes casos.
O artigo 3º estende tal benesse aos ascendentes, descendentes e parentes até o 2º grau, ou seja, "independente do resultado do processo", entendo, que tal matéria fere diretamente a Carta Magna de 88 e à Administração Pública, uma vez que às custas e honorários serão pagos pelo contribuinte, existindo clara responsabilidade fiscal do Chefe do Executivo nestes casos.
Tenho por obrigação lembrar que a responsabilidade objetiva (que independe da comprovação de dolo ou de culpa) do Estado está prevista no ª6º do artigo 37 da Constituição Federal.
Art. 37, § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
O direito de regresso depende de uma demonstração de "dolo ou culpa" que será comprovado em procedimento administrativo ou processo judicial, assim “isentar totalmente o agente independente do resultado do processo” impediria tal direito de regresso.
O Código Civil disciplina sobre o dever de indenizar:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
O Código Penal em seu artigo 387, IV, trata da possiblidade do juiz fixar um valor mínimo de indenização, que pode ser majorado da esfera Cível, surgindo para o lesado a possibilidade de entrar com uma “Ação Civil “Ex Delicto”.
Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória: (Vide Lei nº 11.719, de 2008)
IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido;
Buscando esclarecer ao máximo o tema, diante da notória e louvável preocupação do nobre vereador com os agentes municipais, que reclama deste Procurador fundamentar eventual posicionamento, observo que em cada situação o autor do fato pode ser condenado nas “custas processuais”[1], bem como ao pagamento de honorários de sucumbenciais quando tiver proveito econômico (indenização)
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT)
Honorários advocatícios – gradação da base de cálculo – valor da condenação, proveito econômico obtido ou valor da causa
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
(...)
§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I - o grau de zelo do profissional;
II - o lugar de prestação do serviço;
III - a natureza e a importância da causa;
IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
Assim, tal isenção de forma irrestrita, sem dúvidas, gera ao município sérios e graves prejuízos ao erário, podendo levantar questionamento se a conduta de tal concessão da forma que foi apresentada não se amoldaria na LEI Nº 8.429, DE 2 DE JUNHO DE 1992 que dispõe sobre as sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa, de que trata o § 4º do art. 37 da Constituição Federal; e dá outras providências. (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
[...]
§ 5º Os atos de improbidade violam a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções e a integridade do patrimônio público e social dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como da administração direta e indireta, no âmbito da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 6º Estão sujeitos às sanções desta Lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade privada que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de entes públicos ou governamentais, previstos no § 5º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
[...]
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais...
XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas...
XVII - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores...
Apenas a título de exemplo em Adin nº 2260616-93.2018.8.26.0000 o Desembargador do TJSP Doutor Álvaro Passos exarou o seguinte entendimento:
“reconhecimento do importante serviço” prestado pelos policiais, continuou o magistrado, a lei impugnada “foge ao preceito constitucional pelo qual a instituição da Defensoria foi criada, que é assegurar a ampla defesa àqueles que não possuírem condições financeiras para tanto”. “Os servidores que, como qualquer outro cidadão, estejam dentro dos parâmetros para receber assistência, poderão usufruir do serviço, mas tal defesa, judicial ou extrajudicial, não pode ser dada a eles de forma indistinta, tão somente por ocuparem os cargos públicos em questão”, afirmou.
Em que pese o texto do projeto apresentado ser claro no sentido de tal assistência “ser em caso de exercício da função”, entendo que a competência legislativa para disponibilizar tal suporte jurídico é do prefeito municipal, observando que a Constituição Federal de 1988, em seu “art. 2º, trata da separação de poderes, dispondo que "são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário."
Chego ao entendimento que em qualquer caso (TANTO LEI DE INICIATIVA DA CÂMARA QUANTO DE INICIATIVA DO PREFEITO MUNICIPAL) é vedado ao município “isentar totalmente o agente e seus familiares/parentes independente do resultado do processo”, por tratarmos de dinheiro público e provavelmente gerar sérios danos financeiros ao município.
Assim sendo, quanto à exigência de constitucionalidade não a identifico satisfeita no caso em estudo, entendendo em consequência, que não deve a norma em questão ser editada a partir de iniciativa da Câmara Municipal.
CONCLUSÃO
Posto isso, firmado em todas as razões e fundamentos já consignados, opino pela inconstitucionalidade da edição da lei pretendida por iniciativa desta Câmara Municipal.
Ressaltamos que o presente Parecer é de natureza opinativa e não vinculatório específico para este processo, de modo que, todos aqueles participantes do processo, em especial o gestor público, dentro da margem de discricionariedade, juízo de valor e ação que lhes são conferidos, deverão observar os princípios e normas constitucionais.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer, motivo pelo qual ENCAMINHAMOS
[1] (As custas processuais são a soma das despesas decorrentes da tramitação de um processo)
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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