Complemento da Ação: PROCESSO Nº.: 1.219/2022
PROJETO INDICATIVO Nº.: 20/2022
REQUERENTE: Vereador Dr.º William Miranda
ASSUNTO: Projeto Indicativo que dispõe sobre a criação de selo anticorrupção a ser concedido pela Prefeitura de Serra/ES às empresas que adotem programas de integridade.
PARECER Nº.: 540/2022
EMENTA: Selo. Anticorrupção. Integridade. Constitucionalidade. Contratação. Interesse Local. Iniciativa do Executivo. Competência Suplementar. Prosseguimento Parcial.
PARECER DA PROCURADORIA GERAL
1 - RELATÓRIO
A eminente Presidência desta Casa Legislativa encaminhou-nos, consoante disposição do artigo 139 c/c artigo 117, inciso XVII, da Resolução Municipal nº.: 278/2020[1], o Processo em epígrafe para análise e emissão do respectivo Parecer Jurídico, com a apreciação de seus aspectos legais e constitucionais, oportunizando assim a continuidade de sua tramitação.
Até o presente momento os Autos são compostos de Minuta de Projeto Indicativo e despachos de encaminhamento para elaboração de Parecer Jurídico prévio.
O Projeto Indicativo de Lei, por sua vez, de autoria do ilustríssimo e emérito Vereador DR.º WILLIAM MIRANDA, tem como objeto a criação de selo anticorrupção a ser concedido pela Prefeitura de Serra/ES às empresas que adotem programas de integridade.
A justificativa[2] apresentada, pelo douto Vereador, se resume ao estímulo à realização das melhores práticas para efetivação de valores contra a corrupção.
Para tanto, dispõe que se encontra vigente no país a Lei Federal nº.: 12.846/2013 (munida de mecanismos preventivos e repressivos à corrupção), a qual é regulamentada pelo Decreto Federal nº.: 8.420/15[3], onde o Município deveria adotar os mesmos critérios legais da Portaria da Controladoria Geral da União nº.: 909/2015, em especial, programas de integralidade avaliados mediante relatório de perfil e de conformidade.
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
2 - FUNDAMENTAÇÃO
2.1 – Natureza Jurídica do Parecer
O Parecer corresponde a manifestação enunciativa, com finalidade precípua de auxiliar tecnicamente a autoridade solicitante, possuindo, portanto, caráter estritamente opinativo e orientador, consoante disposto no Anexo VI, Item 7.1 da Lei Municipal nº.: 2.656/2003.
Quanto ao seu objeto, a análise se restringirá aos aspectos legais e documentações carreadas, até o presente momento, nos autos em testilha, não cabendo a este órgão se imiscuir em questões meritórias ou discricionárias do Ordenador de Despesas.
Em arremate, consignamos que a emissão do parecer não representa impedimento a eventuais consultas e análises jurídicas suscitadas supervenientemente pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência desta Cassa Legislativa.
2.2 – Da Legalidade e da Constitucionalidade
O controle de constitucionalidade consubstancia mecanismo importante à verificação da compatibilidade entre a lei ou qualquer ato normativo infraconstitucional à Carta Magna, apurando-se o fundamento de validade desta em face do ordenamento jurídico. Com relação ao tema, o autor Flávio Martins[4] apresenta um conceito elucidativo:
Controle de constitucionalidade consiste na verificação da compatibilidade das leis e dos atos normativos com a Constituição. Decorre da supremacia formal da Constituição sobre as demais leis do ordenamento jurídico de um país. Ora, se a Constituição é a lei mais importante do ordenamento jurídico, sendo o pressuposto de validade de todas as leis, para que uma lei seja válida precisa ser compatível com a Constituição. Caso a lei ou o ato normativo não seja compatível com a Constituição, será inválido, inconstitucional.
Ultrapassada esta premissa, destaca-se que a aferição da constitucionalidade pode se dar sob o prisma material e formal.
O controle material de constitucionalidade é aquele que leva em consideração se conteúdo da matéria da proposição é de competência de determinado ente. Enquanto o controle formal visa aferir se o processo legislativo fora respeitado. É o entendimento da doutrina pátria[5], a seguir:
Há duas espécies de inconstitucionalidade por ação: material e formal.
a) Inconstitucionalidade material
Ocorre a inconstitucionalidade material quando o conteúdo da lei ou ato normativo fere a Constituição. Assim, se o conteúdo de uma lei violar as regras ou princípios constitucionais, poderá ser declarado inconstitucional, pelo vício material.
[...]
Se o conteúdo da lei violar regra ou princípio constitucional, será declarado materialmente inconstitucional.
b) Inconstitucionalidade formal
Ao contrário da inconstitucionalidade material, na qual o problema está no conteúdo da norma, na inconstitucionalidade formal, o problema, o vício, está no processo de criação da norma, na sua forma, portanto.
[...]
b.1) Inconstitucionalidade formal orgânica
Trata-se do vício de inconstitucionalidade decorrente da incompetência para elaboração da lei ou ato normativo. A Constituição Federal enumera a competência dos entes federativos.
[...]
b.2) Inconstitucionalidade formal propriamente dita
A inconstitucionalidade formal propriamente dita ocorre quando há um vício no processo de formação da lei (processo legislativo). O vício pode se dar em qualquer uma das fases desse processo. Primeiramente, pode ocorrer um vício de iniciativa.
b.3) Inconstitucionalidade formal por violação a pressupostos objetivos do ato normativo
[...]
Em algumas situações, a lei, ou ato normativo, é feita pela autoridade correta, legítima, respeita integralmente o seu procedimento de criação, mas não atende a um requisito objetivo externo.
2.2.1 – Da Constitucionalidade Material
Sob o prisma do controle material de constitucionalidade e de legalidade, a matéria do Projeto Indicativo de Lei em tela não fere os princípios constitucionais, nem a legislação infraconstitucional.
2.2.2 – Da Constitucionalidade Formal
Quanto à constitucionalidade formal orgânica, a Constituição Federal prevê ser de competência legislativa dos municípios o poder de complementar (poder suplementar) a legislação federal e estadual para ajustar a sua execução às particularidades locais. Nesse mister legislativo, a lei municipal não poderá contrariá-las e deverá estar restrita ao interesse local, requisito da repartição de competências dos municípios.
Esse raciocínio decorre da própria Legislação Pátria, mais precisamente da Constituição Federal (art.30, I e II), da Constituição Estadual (art.28, I e II) e da Lei Orgânica Municipal (Lei nº.: 0/1990, art. 30, I e II), a saber:
Constituição Federal:
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Constituição Estadual:
Art. 28. Compete ao Município:
I - legislar sobre assunto de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e estadual no que couber;
Lei Orgânica Municipal:
Art. 30. Compete ao Município da:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - Suplementar a legislação federal e estadual, no que couber;
Dessa forma, não sendo a matéria de competência exclusiva ou privativa da União e/ou Estados, exceto nos casos em que cabe à União somente editar normas gerais (CRFB, art. 22, XXI e XXVII), poderá o Município realizar a suplementação legislativa, desde que haja interesse local e não seja conflitante com lei federal ou estadual.
Trata-se de um poder derivado do artigo 18 da Constituição Federal[6], segundo o qual os Entes Federativos possuem autonomia para a sua organização político-administrativa, conforme lições[7] a seguir:
A autonomia é o poder atribuído aos entes federativos, constitucionalmente assegurado. Implica o poder de auto-organização, dentro dos limites constitucionais, de cada ente federativo, ou seja, um poder governamental próprio, político e administrativo. Para que a autonomia se concretize, é necessário que o ente federativo possua competências e rendas próprias.
O Projeto Indicativo de Lei nº.: 20/2022, consoante discrimina o artigo 1º da Minuta de Projeto de Lei, demonstra ser matéria passível de suplementação, eis que afeta ao interesse local e por tratar de normas de natureza administrativa, atraindo, assim, a competência constitucional suplementar do Município.
No que tange o controle formal de constitucionalidade propriamente dito, aquele que visa aferir se o processo legislativo fora respeitado, será analisada a iniciativa para deflagração do processo legislativo referente a matéria apresentada em virtude do estágio que se encontra o trâmite do Processo nº.: 1.219/2022.
Por se tratar de uma norma de natureza administrativa e uma obrigação destinada a Prefeitura, com repercussão a sua organização administrativa, a competência para iniciativa do processo legislativo é do Poder Executivo, uma vez que se imiscui nas competências privativas dispostas no inciso II do parágrafo único do artigo 143 da Lei Municipal nº.: 0/1990, vejamos:
Art. 143 - A iniciativa das leis compete a qualquer Vereador ou Comissão da Câmara Municipal, ao Prefeito Municipal, e aos cidadãos na forma e nos casos previstos nesta Lei Orgânica.
Parágrafo Único. São de iniciativa privativa do Prefeito as leis que disponham sobre:
[...]
II - organização administrativa e pessoal da administração do Poder Executivo;
(Grifos apostos)
Dessa forma, entendemos que a proposição sub examine não se encontra eivada de vício de inconstitucionalidade por se tratar de recomendação da Câmara Legislativa ao Poder Executivo para que deflagre o processo legislativo sobre matéria de sua competência, não usurpando sua competência, conforme regulamentou a Resolução Municipal nº.: 278/2020 no artigo 136, a saber:
Art. 136 O Projeto Indicativo é a recomendação da Câmara Municipal da Serra ao Poder Executivo local, no sentido de que este promova a abertura de processo legislativo que verse sobre matéria de sua competência.
Parágrafo único. Os Projetos Indicativos terão a forma de Minuta de Projeto de Lei.
(Grifos apostos)
2.3 – Da Técnica Legislativa
Em relação a técnica legislativa aplicada à Minuta, verifica-se que o proponente cumpriu as principais diretrizes da Lei Complementar nº.: 95/98 e da Resolução Municipal nº.: 278/2020.
Duas ressalvas e adequações, entretanto, merecem ser feitas com relação à Minuta presente no Projeto Indicativo:
1) O número do Decreto Federal nº.: 8.420/2015 e, respectivamente, do artigo na qual a alínea “a” do inciso I do artigo 4º da Minuta fez referência não mais subsistem. Esse Decreto fora revogado pelo Decreto Federal nº.: 11.129/2022 e a matéria encontra-se regulamentada no art. 57.
2) O artigo 6º da Minuta é inconstitucional por ofensa aos arts. 2º e 84, inciso II, da Constituição Federal. O Supremo Tribunal Federal estabeleceu que o Poder Regulamentar é uma prerrogativa do respectivo Ente Federativo e qualquer determinação em sentido contrário implicará em ofensa ao princípio da separação dos poderes, a saber:
Ofende os arts. 2º e 84, II, da Constituição Federal (CF):
(1) norma de legislação estadual que estabelece prazo para o chefe do Poder Executivo apresentar a regulamentação de disposições legais.
(2) Compete, com exclusividade, ao chefe do Poder Executivo examinar a conveniência e a oportunidade para desempenho das atividades legislativas e regulamentares que lhe são inerentes. Assim, qualquer norma que imponha prazo certo para a prática de tais atos configura indevida interferência do Poder Legislativo em atividade própria do Poder Executivo e caracteriza intervenção na condução superior da Administração Pública.
(Resumo disposto no Informativo nº.: 1037 e pertinente ao julgamento realizado em 12/11/2021 pelo Plenário da ADI 4728/DF, Rel. Min. Rosa Weber)
(Grifos apostos)
CONCLUI-SE, portanto, pelo PROSSEGUIMENTO PARCIAL do Projeto Indicativo nº.: 20/2022, eis que embora a matéria seja constitucional e o Poder Executivo possua competência para a iniciativa de lei referente a matéria, correções devem ser feitas.
3 - CONCLUSÃO
Ante o exposto, nos termos da fundamentação supra, que integra o presente parecer, OPINAMOS pelo PROSSEGUIMENTO PARCIAL do Projeto Indicativo de Lei nº.: 20/2022, eis que encontra parcialmente em conformidade com a Magna Carta e a Lei Orgânica do Município da Serra.
Salienta-se que o presente Parecer não avaliou a oportunidade e conveniência da matéria, eis que é exclusiva do Vereador proponente, não cabendo a esta Procuradoria sobre ela emitir juízo de valor.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer.
À consideração superior.
Serra/ES, 28 de setembro de 2022.
LUIZ GUSTAVO GALLON BIANCHI
Procurador
Matr. 4075277
LEANDRO PALHONI MAGEVISKI
Assessor Jurídico
Nº Funcional 4125029-00
[1] Art. 117 São modalidades de proposição:
[...]
XVII – os projetos indicativos;
Art. 139 As proposições constantes nos incisos I, II, III, IV, V, IX, XI, XII, XIV e XVI do art. 117, serão protocolizadas e submetidas pela Presidência à Procuradoria, no prazo de 05 dias úteis, para análise jurídica preliminar.
Parágrafo único. Nos casos de proposições submetidas ao regime de urgência especial, a Procuradoria será instada a se manifestar de imediato.
[2] Art. 122, II da Resolução nº.: 278/2020
[3] Atualmente, revogado pelo Decreto Federal nº.: 11.129/2022 (arts. 56 e 57).
[4] MARTINS, Flávio. Curso de Direito Constitucional. 3ª ed. São Paulo, SP: SaraivaJur. 2019.
[5] Idem.
[6] Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.
[7] Constituição Federal Interpretada. Organizadores Costa Machado e Anna Candida da Cunha Ferraz. 9ª Ed. Barueri, SP: Malone, 2018. Página 120.
|