Recebimento: 11/11/2024 |
Fase: Distribuir proposição ao Procurador para elaboração de parecer |
Setor:Procuradoria |
Envio: 17/02/2025 18:24:17 |
Ação: Parecer Emitido
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Tempo gasto: 98 dias, 7 horas, 40 minutos
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Complemento da Ação:
Processo nº: 2159/2024
Projeto de Lei nº: 201/2024
Requerente: Vereador Paulinho do Churrasquinho
Assunto: Dispõe Sobre a Regulamentação do Transporte Individual de Passageiros em Veículo Automotor de Espécie Motocicleta – Mototáxi no Município da Serra.
Parecer nº: 064/2025
PARECER DA PROCURADORIA GERAL
Cuidam os autos de Projeto de Lei de autoria do Vereador Paulinho do Churrasquinho, que dispõe sobre a regulamentação do transporte individual de passageiros em veículo automotor de espécie motocicleta – moto táxi no município da Serra.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação da constitucionalidade do Projeto de Lei, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento o projeto de Lei e justificativa, motivo pelo qual a Presidência desta Casa de Lei nos encaminhou os autos para a sua análise jurídica preliminar.
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, considerando a importância e urgência da proposta sob avaliação, passo a opinar de forma direta e objetiva.
FUNDAMENTAÇÃO
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
Ab initio, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no item 7.1 da Lei Municipal nº 2.656/2006, o qual determina à Procuradoria o assessoramento da Mesa Diretora e da Presidência desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 278/2020.
Nesse diapasão, convém destacar que a emissão do presente parecer não representa óbice a eventual análise jurídica acerca de outras questões não abordadas no mesmo ou no tocante ao mérito da matéria submetida ao apreço, em caso de solicitação pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência.
Nessa vereda, ressalta-se que no presente parecer jurídico preliminar, de um modo geral, aprecia-se a legalidade e constitucionalidade do projeto de lei sobre três perspectivas elementares: a um, a matéria legislativa proposta deve se encontrar entre aquelas autorizadas pela CF/88 aos Municípios; a dois, se foi respeitada a rígida observância das preferências quanto à iniciativa para proposição prevista pela ordem jurídico-constitucional; a três, a possibilidade de violação por parte da matéria legislativa proposta à direitos fundamentais ou instituições tuteladas por regras ou princípios constitucionais.
Em via reflexa, cumpre destacar que a aprovação de um projeto de lei também passa pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, se percebe claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I e II, e 99, XXVIII, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Constituição Federal
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Constituição Estadual
Art. 28. Compete ao Município:
I - legislar sobre assunto de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e estadual no que couber;
Lei Orgânica do Município da Serra
Art. 7º - O Poder Executivo Municipal, em prazo não superior a 180 (cento e oitenta) dias, apresentará o Projeto do Código de Postura Municipal, para votação pela Câmara Municipal.
Art. 30 - Compete ao Município da:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - Suplementar a legislação federal e estadual, no que couber;
Ocorre que, no que diz respeito à constitucionalidade da proposição em análise, entendo que a mesma padece de vício material em virtude de mácula do Projeto em razão da competência privativa da União para legislar sobre o assunto abrigado em seu bojo, nos termos do artigo 22, IX e XI:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
IX - diretrizes da política nacional de transportes;
XI - trânsito e transporte;
Com efeito, ao dispor acerca de regulamentação de transporte individual de passageiros em veículo automotor de espécie motocicleta, o Projeto extrapola a competência legislativa local.
Isso porque, a competência para legislar sobre normas relacionadas a trânsito e transporte, como aquela de que trata a proposição, é privativa da União, conforme deflui da inteligência do art. 22, XXVII, da Constituição Federal brasileira, sendo, por isso, vedado aos municípios editarem leis que usurpem essa competência legislativa reservada constitucionalmente.
Esse já o entendimento do TJES, na Ação Direta de Inconstitucionalidade, senão vejamos:
ACÓRDÃO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 0025620-88.2018.8.08.0000
REQUERENTE: PREFEITO MUNICIPAL DA SERRA REQUERIDA: CÂMARA MUNICIPAL DA SERRA
RELATOR: DESEMBARGADOR FABIO CLEM DE OLIVEIRA
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL REJEITADA. LEI MUNICIPAL. INICIATIVA PARLAMENTAR. AUTORIZA O PODER EXECUTIVO A REGULAMENTAR O SERVIÇO DE MOTOTÁXI. TRÂNSITO E TRANSPORTE. COMPETÊNCIA DA UNIÃO. MATÉRIA DE INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA E IMPOSIÇÃO DE DEVERES A ÓRGÃOS ADMINISTRATIVOS. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. O pedido de declaração de inconstitucionalidade está fundado em vício de inconstitucionalidade formal, porque a lei editada interfere na organização administrativa do Município, cria atribuição para Secretarias Municipais, viola o disposto na Constituição Federal sobre a separação dos poderes e o princípio da separação dos poderes e aos artigos 1º, 14, 17, 20, 28, I e II; 63, parágrafo único, VI; e, 91, todos da Constituição Estadual. Preliminar de inépcia da petição inicial rejeitada. 2. Ao autorizar a regulamentação da prestação do serviço de mototáxi no âmbito do Município da Serra, a lei Municipal nº 4.774/2018 tratou de matéria atinente ao trânsito e transporte, em clara usurpação da competência legislativa privativa da União, nos termos do artigo 22, inciso XI, da Constituição Federal, que consagrou a prerrogativa exclusiva da União para regulamentar os serviços de transporte de passageiros, dentre os quais se incluem os de mototáxi, não se tratando de norma de interesse local ou suplementação da legislação federal (CF, art. 30, I e II). Precedentes do STF. 3. Interfere na organização e funcionamento da Administração, bem como cria atribuições a Secretaria Municipal, ferindo os princípios da simetria, da independência e da harmonia dos poderes, assim como da reserva da administração, violando os artigos 63, parágrafo único, incisos III e VI; e, 17, todos da Constituição Estadual. 4. A imposição de novos deveres aos órgãos e agentes administrativos municipais consiste em impor ao Prefeito atos de gestão, os quais são de sua exclusiva competência. 5. Ação julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 4.774/2018 do Município da Serra, com efeitos ex tunc , por ofensa aos artigos 63, parágrafo único, incisos III e VI; 17; e, 32, inciso XXI, todos da Constituição do Estado do Espírito Santo. VISTOS, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Desembargadores que integram o Tribunal Pleno do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, na conformidade da ata e notas taquigráficas, À UNANIMIDADE, JULGAR PROCEDENTE A AÇÃO E DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 4.774/2018, DO MUNICÍPIO DA SERRA, COM EFEITOS EX TUNC, nos termos do voto do Eminente Relator. Vitória, 30 de julho de 2020. PRESIDENTE RELATOR
Tal entendimento é corroborado pelo STF em ADIs:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N.º 6.942/2007 DO ESTADO DO PARÁ. REGULAMENTAÇÃO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE INDIVIDUAL DE PASSAGEIROS PRESTADO POR MEIO DE CICLOMOTORES, MOTONETAS E MOTOCICLETAS. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO. INCONSTITUCIONALIDADE. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. É inconstitucional norma estadual ou distrital que regulamente o serviço individual de passageiros, por ser matéria afeta a transporte, de competência privativa da União, nos termos do art. 22, XI, CRFB. Precedentes. 2. Ação direta julgada procedente. ” (ADI 4961, Relator (a): Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 19/12/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-050 DIVULG 13-03-2019 PUBLIC 14-03-2019) “1. Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei do Estado do Pará. 3. Serviço de transporte individual de passageiros prestado por meio de ciclomotores, motonetas e motocicletas. 4. Competência privativa da União para legislar sobre trânsito e transporte (art. 22, XI, CF). 5. Precedentes (ADI 2.606/SC). 6. Procedência da ação.” (ADI 3135, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2006, DJ 08-09-2006 PP-00033 EMENT VOL-02246-01 PP-00168 LEXSTF v. 28, n. 334, 2006, p. 52-58).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DO ESTADO DE MINAS GERAIS. LICENCIAMENTO DE MOTOCICLETAS PARA TRANSPORTE DE PASSAGEIROS (“MOTOTÁXI”). COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL RECONHECIDA. I Competência privativa da União para legislar sobre trânsito e transporte (CF, art. 22, XI). II Exercício de atribuição pelo Estado que demanda autorização de lei complementar. III Inexistência de autorização expressa quanto ao transporte remunerado de passageiros por motocicletas. IV Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da lei mineira 12.618/97. ” (ADI 3136, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2006, DJ 10-11-2006 PP-00049 EMENT VOL-02255-02 PP-00250 RT v. 96, n. 857, 2007, p. 168-175 LEXSTF v. 29, n. 338, 2007, p. 56-70). “Ação direta de inconstitucionalidade. L. Distrital 3.787, de 02 de fevereiro de 2006, que cria, no âmbito do Distrito Federal, o sistema de MOTO-SERVICE transporte remunerado de passageiros com uso de motocicletas: inconstitucionalidade declarada por usurpação da competência privativa da União para legislar sobre trânsito e transporte (CF, art. 22, XI). Precedentes: ADIN 2606, Pl., Maurício Corrêa, DJ 7.2.03; ADIN 3.136, 1.08.06, Lewandowski; ADIN 3.135, 09.08.2006, Gilmar. ” (ADI 3679, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 18/06/2007, DJe-072 DIVULG 02-08-2007 PUBLIC 03-08-2007 DJ 03-08-2007 PP-00030 EMENT VOL-02283-03 PP-00486)
Dessa forma, não pode prosperar o Projeto de Lei que, embora nobre e louvável em suas pretensões, invade a competência legislativa da União e contraria regra material estabelecida expressamente na Carta Política.
Com relação às questões de técnica legislativa, observo que o projeto de lei atendeu às principais diretrizes da Lei Complementar 95/98, o que não impede eventuais aperfeiçoamentos pelas Comissão deste Parlamento, dentro da margem da conveniência e oportunidade.
Ressalto ainda que em consulta ao sítio eletrônico desta Casa, esta proposta legislativa não se encontra rejeitada nesta Sessão Legislativa, não incidindo, a princípio, o óbice previsto no artigo 67 da CF.
Diante disso, ainda que reconhecendo os elevados valores que imbuíram a proposição da norma, não há como endossar o Projeto de Lei em avaliação tendo em vista que a falta de competência municipal sobre o assunto.
CONCLUSÃO
Posto isso, firmada em todas as razões e fundamentos já expostos, opina esta Procuradoria pelo não prosseguimento do Projeto de Lei nº 201/2024, haja vista que trata de regulamentação de transporte individual de passageiro, tema de competência privativa da União, conforme supramencionado, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Ressaltamos que o presente Parecer é de natureza opinativa e não vinculatório específico para este processo, de modo que, todos aqueles participantes do processo, em especial o gestor público, dentro da margem de discricionariedade, juízo de valor e ação que lhes são conferidos, deverão diligenciar pela observância dos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais no caso em destaque.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que parecidos a este projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer.
Serra/ES, 12 de fevereiro de 2025.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
Procurador
Nº Funcional 4073096
MAYCON VICENTE DA SILVA
Assessor Jurídico
Nº Funcional 4113594-2
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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