Recebimento: 28/01/2025 |
Fase: Distribuir proposição ao Procurador para elaboração de parecer |
Setor:Procuradoria |
Envio: 12/02/2025 11:37:03 |
Ação: Parecer Emitido
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Tempo gasto: 15 dias, 37 minutos
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Complemento da Ação:
Processo nº: 66/2025
Projeto de Lei nº: 10/2025
Requerente: Vereadores Pastor Dinho e Agente Dias.
Assunto: Dispõe sobre infração administrativa para quem consumir maconha em locais de ambiência familiar e próximo a crianças e adolescentes no município da Serra.
Parecer nº 065/2025
PARECER DA PROCURADORIA GERAL
Cuidam os autos de Projeto de Lei de autoria dos Vereadores Pastor Dinho e Agente Dias, que dispõe sobre infração administrativa para quem consumir maconha em locais de ambiência familiar e próximo a crianças e adolescentes no município da Serra.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação da constitucionalidade do Projeto de Lei, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento o projeto de Lei e justificativa, motivo pelo qual a Presidência desta Casa de Lei nos encaminhou os autos para a sua análise jurídica preliminar.
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, considerando a importância e urgência da proposta sob avaliação, passo a opinar de forma direta e objetiva.
FUNDAMENTAÇÃO
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
Ab initio, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no item 7.1 da Lei Municipal nº 2.656/2006, o qual determina à Procuradoria o assessoramento da Mesa Diretora e da Presidência desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 278/2020.
Nesse diapasão, convém destacar que a emissão do presente parecer não representa óbice a eventual análise jurídica acerca de outras questões não abordadas no mesmo ou no tocante ao mérito da matéria submetida ao apreço, em caso de solicitação pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência.
Nessa vereda, ressalta-se que no presente parecer jurídico preliminar, de um modo geral, aprecia-se a legalidade e constitucionalidade do projeto de lei sobre três perspectivas elementares: a um, a matéria legislativa proposta deve se encontrar entre aquelas autorizadas pela CF/88 aos Municípios; a dois, se foi respeitada a rígida observância das preferências quanto à iniciativa para proposição prevista pela ordem jurídico-constitucional; a três, a possibilidade de violação por parte da matéria legislativa proposta à direitos fundamentais ou instituições tuteladas por regras ou princípios constitucionais.
Inicialmente, cumpre destacar que a aprovação de um projeto de lei também passa pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional da competência legislativa local dos municípios, se percebe claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I e II, e 99, XXVIII, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Constituição Federal
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Constituição Estadual
Art. 28. Compete ao Município:
I - legislar sobre assunto de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e estadual no que couber;
Lei Orgânica do Município da Serra
Art. 7º - O Poder Executivo Municipal, em prazo não superior a 180 (cento e oitenta) dias, apresentará o Projeto do Código de Postura Municipal, para votação pela Câmara Municipal.
Art. 30 - Compete ao Município da:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - Suplementar a legislação federal e estadual, no que couber;
Desta maneira, quanto a este aspecto, não se vislumbra nenhum óbice à tramitação do projeto, uma vez que o projeto trata de assunto de interesse local, sendo certo que é competência legislativa municipal estabelecer normas de postura, tendo inclusive exercido sua competência legislativa plena, conforme artigo 1º da lei 6095/24, que institui as medidas de política administrativa a cargo do Município em matéria de eventos, publicidade, ambulantes, feiras livres, táxi, higiene pública e privada, de bem-estar público, da localização e do funcionamento de estabelecimentos comerciais, industriais e prestadores de serviços, bem como as correspondentes relações jurídicas do Poder Público Municipal.
Esclarecemos ainda que a matéria articulada no referido projeto não se encontra expressamente entre as de competência privativa do Executivo Municipal previstas no artigo 143 da Lei Orgânica deste Município, sendo possível a iniciativa parlamentar de lei que disponham sobre regulamentos a serem observados em espaços públicos municipais.
Doutra banda, oportuno mencionar que a matéria não é mais definida pelo direito penal, norma de nível nacional, a despeito de entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) ter definido a tese de repercussão geral de que será considerado, presumidamente, usuário o indivíduo que adquirir, guardar, depositar ou transportar até 40 gramas de cannabis sativa, sob o julgamento do Recurso Extraordinário nº 635659 (Tema 506), não há barreira para o debate no âmbito administrativo.
Relator(a):
MIN. GILMAR MENDES
Leading Case:
RE 635659
Descrição:
Recurso extraordinário, em que se discute, à luz do art. 5º, X, da Constituição Federal, a compatibilidade, ou não, do art. 28 da Lei 11.343/2006, que tipifica o porte de drogas para consumo pessoal, com os princípios constitucionais da intimidade e da vida privada.
Tese:
1. Não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28, I) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III); 2. As sanções estabelecidas nos incisos I e III do art. 28 da Lei 11.343/06 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta; 3. Em se tratando da posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em Juízo, na forma do regulamento a ser aprovado pelo CNJ. Até que o CNJ delibere a respeito, a competência para julgar as condutas do art. 28 da Lei 11.343/06 será dos Juizados Especiais Criminais, segundo a sistemática atual, vedada a atribuição de quaisquer efeitos penais para a sentença; 4. Nos termos do § 2º do artigo 28 da Lei 11.343/2006, será presumido usuário quem, para consumo próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito; 5. A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas, mesmo para quantidades inferiores ao limite acima estabelecido, quando presentes elementos que indiquem intuito de mercancia, como a forma de acondicionamento da droga, as circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registros de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários ou traficantes; 6. Nesses casos, caberá ao Delegado de Polícia consignar, no auto de prisão em flagrante, justificativa minudente para afastamento da presunção do porte para uso pessoal, sendo vedada a alusão a critérios subjetivos arbitrários; 7. Na hipótese de prisão por quantidades inferiores à fixada no item 4, deverá o juiz, na audiência de custódia, avaliar as razões invocadas para o afastamento da presunção de porte para uso próprio; 8. A apreensão de quantidades superiores aos limites ora fixados não impede o juiz de concluir que a conduta é atípica, apontando nos autos prova suficiente da condição de usuário.
Desse modo, conforme a maioria dos votos, o porte deve ser caracterizado como ilícito de natureza administrativa, sem consequências penais. Nesta via, no concernente a matéria do Projeto de Lei, não há óbice a sua tramitação por iniciativa do legislativo municipal, e nem a de se falar em competência exclusiva da União, como acima transcrito, vez que não é o objeto do presente PL a criminalização do uso em ambientes públicos, e sim uma limitação ao seu uso, no mesmo sentido da limitação, pelo Código de Postura, de fumar em ambientes fechados, a proibição de exposição de gravuras, fotografias de cunho pornográfico em casas de comércio, entre outras estabelecidos na legislação municipal, motivo pelo qual entendo que não se enquadra no inciso I do art.22 da Constituição da República de 1988 que trata de competência privativa da União Federal, possível a propositura legislativa do Município.
Com efeito, o presente Projeto de Lei, no tocante à constitucionalidade material e formal é viável, contudo, com relação às questões de técnica legislativa, não identifico a mesma sorte na proposta de lei em análise. Isto porque, ao Instituir a infração administrativa para quem consumir maconha em locais de ambiência familiar e próximo a crianças e adolescentes no município da Serra, não foram observados princípios basilares elencados na Constituição Federal, senão vejamos:
A priori, mister salientar que o Projeto de Lei, ora analisado, cria uma sanção, multa, aplicada pelo poder público, quando do uso de maconha em ambiente público e próximo de crianças, portanto matéria disciplinada pelo Direito Administrativo Sancionador que por sua vez é integrante do poder público punitivo, dimana do poder sancionador (potestad sancionadora) que, a seu turno, é desempenhado por meio das competências e funções administrativas as quais, juntamente com o poder punitivo penal, compreendem o ius puniendi estatal.
Nessa toada, cumpre destacar que a no direito administrativo sancionador deve se observar todos os princípios constitucionais, como os princípios do direito penal.
Assim, nota-se que o presente Projeto de Lei carece de previsão constitucional do princípio do devido processo legal, vez que, não elenca o procedimento administrativo cabível para a aplicação da multa pelo uso em ambiente público de cannabis sativa. Nesse sentido, o devido processo legal é um princípio constitucional que garante o direito à ampla defesa e ao contraditório em processos administrativos sancionadores. Ele é um pilar do Estado Democrático de Direito, que valoriza a liberdade e a igualdade.
O devido processo legal é importante no direito administrativo sancionador porque assegura que o administrado não seja punido de forma arbitrária; garante que o administrado possa compreender os motivos da sua punição; permite que o administrado conteste a punição de forma fundamentada; e assegura que o poder sancionador seja justificado e objetivo. Na mesma direção tal princípio garante o direito à motivação das decisões sancionadoras; o contraditório e da ampla defesa; e a vedação da aplicação de penalidades sumárias, em especial atenção ao inciso LV, do art. 5º da Constituição Federal.
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Ademais, imperioso destacar o §5º, art. 3º do presente Projeto de Lei, destina as multas administrativas das infrações praticadas por menor de 18 anos à seus pais, em confronto direto aos princípios constitucionais da intranscendência da pena (princípio da pessoalidade) e da intranscendência subjetiva das sanções, previstas no inciso XLV, art. 5º da Carta Magna, garantido que ninguém será responsabilizado por ato de terceiro.
Art. 5º, XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a declaração do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido.
Doutro giro, o Projeto de Lei, ora analisado, não observa a Teoria da Prova no direito administrativo, sobretudo quanto a sua formação, visto que, não se pode presumir a substancia que está sendo utilizada pelo munícipe.
Vale ressaltar que no processo penal, quando o indivíduo é apreendido com substância que aparenta ser ilícita, é necessário a realização de perícia (a necessidade de comprovação, por meio de prova pericial, de que a substância apreendida efetivamente é droga ilícita), nesse lamiré, utilizando as normas penais como subsidiarias à administrativa sancionadora, é indispensável a produção de provas que seja capaz de realizar um juízo de convicção quanto a substância utilizada, em homenagem aos princípios aqui apresentados.
Assim sendo, quanto à técnica legislativa entendo que a mesma não contém condições de prosseguimento, sem embargos de seu aperfeiçoamento pelos autores ou pelas comissões pertinentes.
CONCLUSÃO
Posto isso, opina esta Procuradoria pelo NÃO prosseguimento do Projeto de Lei 10/ 2025, em virtude da falha técnica legislativa, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Ressaltamos que o presente Parecer é de natureza opinativa e não vinculatório específico para este processo, de modo que, todos aqueles participantes do processo, em especial o gestor público, dentro da margem de discricionariedade, juízo de valor e ação que lhes são conferidos, deverão diligenciar pela observância dos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais no caso em destaque.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que parecidos a este projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer.
Serra/ES, 12 de fevereiro de 2025.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
Procurador
Nº Funcional 4073096
MAYCON VICENTE DA SILVA
Assessor Jurídico
Nº Funcional 4113594-2
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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