Recebimento: 10/02/2025 |
Fase: Distribuir proposição ao Procurador para elaboração de parecer |
Setor:Procuradoria |
Envio: 24/04/2025 10:29:04 |
Ação: Parecer Emitido
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Tempo gasto: 72 dias, 23 horas, 21 minutos
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Complemento da Ação: Processo nº: 234/2025
Projeto de Lei nº: 40/2025
Requerente: Vereador Pastor Dinho
Assunto: “Dispõe Sobre a Proibição da Administração Pública Municipal, Direta ou Indireta, a Contratar Shows, Artistas e Eventos Abertos ao Público Infanto-juvenil que Envolvam, no Decorrer da Apresentação, Expressão de Apologia ao Crime Organizado ou ao Uso de Drogas, a Sexualização ou Erotização de Crianças e Adolescentes, a Promoção de Conteúdo Pornográfico, Obsceno ou que Fira os Bons Costumes”.
Parecer nº: 247/2025
PARECER PRÉVIO DA PROCURADORIA GERAL
1. RELATÓRIO
Cuidam os autos de Projeto de Lei 22/2025, de autoria da ilustre Vereador Pastor Dinho que “Dispõe Sobre a Proibição da Administração Pública Municipal, Direta ou Indireta, a Contratar Shows, Artistas e Eventos Abertos ao Público Infanto-juvenil que Envolvam, no Decorrer da Apresentação, Expressão de Apologia ao Crime Organizado ou ao Uso de Drogas, a Sexualização ou Erotização de Crianças e Adolescentes, a Promoção de Conteúdo Pornográfico, Obsceno ou que Fira os Bons Costumes”.
Em sua justificativa, esclarece o vereador que “a proteção de crianças e adolescentes é um dever fundamental da sociedade e do Estado, conforme preconizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A utilização de verba pública em eventos e serviços que promovam a sexualização e/ou erotização de menores representa uma grave violação dos direitos fundamentais dessas faixas etárias, colocando em risco seu desenvolvimento saudável e integral”.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação quantos aos aspectos legais e constitucionais para o início da sua tramitação, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento a Minuta de Projeto em estudo, a correspondente Justificativa, fotos e os despachos de encaminhamento para elaboração de parecer jurídico prévio.
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Ab initio, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no art. 18, IV, da Lei Municipal nº 6.134/2025, o qual determina à Procuradoria elaborar pareceres escritos nos processos que lhe forem encaminhados pelo Presidente desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 278/2020.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, se percebe claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Resolução Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I, II e V, 99, XIV e 260, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Constituição Federal
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Constituição Estadual
Art. 28. Compete ao Município:
I - legislar sobre assunto de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e estadual no que couber;
Lei Orgânica do Município da Serra
Art. 30 - Compete ao Município da:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - Suplementar a legislação federal e estadual, no que couber;
Ocorre que, no que diz respeito à constitucionalidade da proposição em análise, entendo que a mesma padece de vício material em virtude de mácula do Projeto em razão da competência concorrente entre a União, Estados e Municípios para legislar sobre o assunto abrigado em seu bojo, nos termos do artigo 24, XV:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
XV - proteção à infância e à juventude;
Por sua vez, o §1º do mesmo artigo dispõe que:
§1º “No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais”.
§2º. A competência dos Estados para legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo será exercida no âmbito de sua competência legislativa plena.”
Nesse cenário, os Municípios não detêm competência legislativa plena sobre proteção da infância e juventude. Sua atuação está limitada ao exercício suplementar da legislação federal e estadual, conforme o art. 30, II, da Constituição Federal.
No caso em análise, constata-se que já há extensa normatização federal sobre a matéria, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), da Lei nº 12.485/2011 (que trata de programação de conteúdo), bem como regulamentações do Ministério da Justiça e da Cidadania quanto à classificação indicativa de espetáculos públicos e obras audiovisuais.
O projeto extrapola os limites da competência suplementar ao:
Imputar responsabilidades contratuais e sanções administrativas próprias;
Estabelecer punições genéricas não previstas em legislação nacional;
Regular matéria já disciplinada de forma exaustiva pela União.
Além disso, o PL não demonstra qualquer peculiaridade local que justifique a edição normativa municipal autônoma sobre o tema. Tampouco se trata de mera complementação ou regulamentação da legislação federal, mas sim de uma normatização inovadora e autônoma, o que revela vício material de competência.
Por oportuno, em via distinta, o §1º do art. 2º do Projeto de Lei estabelece que:
“Em caso de descumprimento da proibição desta lei pela parte contratada, ou promotora do evento, o contrato será imediatamente rescindido e será aplicada uma multa no percentual de 100% do valor do contrato e a proibição de contratar junto ao município pelo prazo de 3 (três) anos, devendo este valor ser destinado ao ensino público municipal, através da Secretaria Municipal de Educação”.
No entanto, a Lei nº 14.133/2021, atualmente em vigor e que regula as licitações e contratos administrativos, trata expressamente da competência da autoridade administrativa para aplicar sanções, bem como da forma como estas devem ser estipuladas contratualmente. Portanto, não cabe aos ilustres vereadores municipal legislar sobre assunto em que já há lei federal que regule.
Assim, a despeito do Distinto Vereador tratar, em sua justificativa, que a utilização de verba pública em eventos e serviços que promovam a sexualização e/ou erotização de menores representa uma grave violação dos direitos fundamentais dessas faixas etárias, colocando em risco seu desenvolvimento saudável e integral, já existem leis federais que tratam da presente matéria, de modo que, numa aplicação sistemática das normas federais, já é proibida a permanência de menores em eventos desse porte.
Portanto, muito embora se possa legislar, no âmbito Municipal, de forma suplementar, sobre matéria de competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal, não vislumbro, no presente caso, a presença de lacuna normativa que legitime a atuação legislativa municipal autônoma. O Projeto de Lei em análise não se limita a suplementar a legislação federal existente, mas inova em aspectos materiais já suficientemente disciplinados, especialmente no que se refere à vedação de exposição de menores a conteúdos inadequados, o que já é regulado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) e pelas diretrizes de classificação indicativa previstas em normativos da União.
Com relação às questões de técnica legislativa, observo que o projeto de lei atendeu às principais diretrizes da Lei Complementar 95/98, o que não impede eventuais aperfeiçoamentos pelas Comissão deste Parlamento, dentro da margem da conveniência e oportunidade.
Noutro giro, o PL, ora analisado, viola o Princípio da Separação dos Poderes, quando, em seu art. 1º, propõe:
“Fica proibida à Administração Pública Municipal, direta ou indireta, a contratar shows, artistas e eventos abertos ao público infantojuvenil que envolvam, no decorrer da apresentação:
I – expressão de apologia ao crime organizado ou ao uso de drogas;
II – a sexualização ou erotização de crianças e adolescentes;
III – a promoção de conteúdo pornográfico, obsceno ou que fira os bons costumes”.
Trata-se de comando normativo de natureza eminentemente administrativa, que impõe diretamente restrição à atuação do Poder Executivo em matéria de planejamento, contratação e execução de políticas públicas de cultura, educação e eventos institucionais. Ao restringir de forma genérica e apriorística os conteúdos de eventos públicos, sem mediação técnica e administrativa dos órgãos competentes do Executivo, o dispositivo incorre em interferência indevida do Poder Legislativo na função típica do Poder Executivo, violando o princípio da separação dos poderes, previsto no art. 2º da Constituição Federal.
Ainda que o Legislativo possa exercer o controle externo e criar normas gerais de interesse local, não lhe cabe impor comandos positivos e negativos específicos quanto à gestão de políticas públicas e execução de atos administrativos concretos, como é o caso da contratação de artistas e eventos, cuja seleção deve observar critérios técnicos, objetivos e legais, sob responsabilidade dos gestores públicos competentes.
Além disso, a imposição de vedação absoluta de contratação pública com base em critérios amplos e imprecisos, como “conteúdo que fira os bons costumes”, sem critérios objetivos de aferição e controle, compromete a segurança jurídica e a autonomia administrativa do Poder Executivo, inviabilizando inclusive a aplicação prática da norma sem que se incorra em subjetivismos ou censura prévia.
Assim, o art. 1º do projeto em análise deve ser considerado incompatível com a Constituição, por invadir a esfera da competência executiva, afrontando a separação de poderes e o regime jurídico das contratações públicas.
Ressalto ainda que em consulta ao sítio eletrônico desta Casa, esta proposta legislativa não se encontra rejeitada nesta Sessão Legislativa, não incidindo, a princípio, o óbice previsto no artigo 67 da CF, e tampouco já foi proposta por outro parlamentar, conforme o § 1º, do Art. 141 do Regimento Interno.
Diante disso, ainda que reconhecendo os elevados valores que imbuíram a proposição da norma, não há como endossar o Projeto de Lei em avaliação tendo em vista que a falta de competência municipal sobre o assunto.
3. CONCLUSÃO
Posto isso, firmada em todas as razões e fundamentos já expostos, opina esta Procuradoria pelo não prosseguimento do Projeto de Lei nº 40/2025, haja vista que trata de matéria de Competência Concorrente entre União, Estados e Distrito Federal, não se limitando a suplementar Lei Federal, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Ressaltamos que o presente Parecer é de natureza opinativa e não vinculatório específico para o presente processo, de modo que, todos aqueles participantes do processo, em especial o gestor público, dentro da margem de discricionariedade, juízo de valor e ação que lhes são conferidos, deverão diligenciar pela observância dos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais no caso em destaque.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que semelhantes ao presente projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer, motivo pelo qual ENCAMINHAMOS os autos ao Procurador Geral.
Serra/ES, 23 de abril de 2025.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
Procurador
Nº Funcional 4073096
MAYCON VICENTE DA SILVA
Assessor Jurídico
Nº Funcional 4113594-2
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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