Recebimento: 24/03/2025 |
Fase: Distribuir proposição ao Procurador para elaboração de parecer |
Setor:Procuradoria |
Envio: 26/09/2025 13:58:35 |
Ação: Parecer Emitido
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Tempo gasto: 185 dias, 23 horas, 6 minutos
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Complemento da Ação: Processo nº: 1255/2025
Projeto de Lei nº: 269/2025
Requerente: Vereador Cabo Rodrigues
Assunto: “Dispõe Sobre o Uso Adequado das Praças e Vias Públicas da Serra e Garante Segurança Nesses Locais”.
Parecer nº: 595/2025
PARECER DA PROCURADORIA GERAL
1. RELATÓRIO
Cuidam os autos de Projeto de Lei nº 269/2025, de autoria do Vereador Cabo Rodrigues, que dispõe o “Dispõe Sobre o Uso Adequado das Praças e Vias Públicas da Serra e Garante Segurança Nesses Locais”, no âmbito do Município da Serra. Em seus fundamentos o Ilustre Vereador justifica a proposta, no sentido de que “Almejamos coadunar a ressocialização das pessoas em situação de rua à segurança pública da população de modo generalizado, ou seja, não se trata de nenhuma prática de discriminação, exterminação ou marginalização dessa classe”.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação da constitucionalidade do Projeto de Lei, com consequente emissão de Parecer.
Compõem os autos até o momento o projeto de Lei e justificativa, motivo pelo qual a Presidência desta Casa de Lei nos encaminhou os autos para a sua análise jurídica preliminar. Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, considerando a importância e urgência da proposta sob avaliação, passo a opinar de forma direta e objetiva.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
Ab initio, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no art. 18, IV, da Lei Municipal nº 6.134/2025, o qual determina à Procuradoria elaborar pareceres escritos nos processos que lhe forem encaminhados pelo Presidente desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio, bem como resguardar as competências atribuídas pela Lei Orgânica do Município e as normas estabelecidas na Resolução nº 278/2020.
Nesse diapasão, convém destacar que a emissão do presente parecer não representa óbice a eventual análise jurídica acerca de outras questões não abordadas no mesmo ou no tocante ao mérito da matéria submetida ao apreço, em caso de solicitação pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência.
Nessa vereda, ressalta-se que no presente parecer jurídico preliminar, de um modo geral, aprecia-se a legalidade e constitucionalidade do projeto de lei sobre três perspectivas elementares: a um, a matéria legislativa proposta deve se encontrar entre aquelas autorizadas pela CF/88 aos Municípios; a dois, se foi respeitada a rígida observância das preferências quanto à iniciativa para proposição prevista pela ordem jurídico-constitucional; a três, a possibilidade de violação por parte da matéria legislativa proposta à direitos fundamentais ou instituições tuteladas por regras ou princípios constitucionais.
Em via reflexa, cumpre destacar que a aprovação de um projeto de lei também passa pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, percebe-se claramente que, não estando a matéria aqui tratada no rol daquelas de competência legislativa privativa da União ou dos Estados, não há óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal.
Este entendimento decorre do art. 30, I e II, da Constituição Federal, do art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do art. 30, I e II, e 99, XXVIII, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Constituição Federal
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Constituição Estadual
Art. 28. Compete ao Município:
I - legislar sobre assunto de interesse local; II - suplementar a legislação federal e estadual no que couber;
Lei Orgânica do Município da Serra
Art. 30 - Compete ao Município da:
I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - Suplementar a legislação federal e estadual, no que couber;
O Projeto de Lei em análise tem como objetivo principal proibir a utilização de praças e vias públicas como moradia ou para a realização de "atividades habituais" (cozinhar, higienizar-se, etc.) por qualquer pessoa. O texto propõe:
Art. 1º: Veda a ocupação de logradouros públicos para moradia e atividades cotidianas.
Art. 2º: Impõe ao infrator a obrigação de indenizar ou recuperar danos causados, sem prejuízo de outras sanções.
A justificativa implícita é a garantia da "liberdade, tranquilidade e vida privada da população" e a preservação dos bens de uso comum.
Contudo, o projeto, embora não crie explicitamente um órgão, interfere diretamente na execução da política de assistência social, que é uma atribuição típica do Poder Executivo. Ao proibir a permanência de pessoas em situação de rua, a lei, por via transversa, compele a Administração a tomar providências (como remoção, abordagem, etc.), interferindo na organização e no funcionamento dos serviços de assistência social e segurança urbana.
Matérias que definem as atribuições de Secretarias e órgãos da administração são de iniciativa privativa do Prefeito, conforme o art. 143, parágrafo único, V, da Lei Orgânica Municipal. A jurisprudência é firme em reconhecer a inconstitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar que impõem obrigações e alteram a rotina de órgãos executivos.
TJ-RS - Direta de Inconstitucionalidade 70085785764: Julgou inconstitucional uma lei de iniciativa parlamentar que atribuía novas tarefas a Secretarias Municipais, por se tratar de matéria relativa à organização e funcionamento da Administração Pública.
STF - ADI 4727 DF: O STF, na Tese 917 da Repercussão Geral, estabeleceu que, embora a criação de despesa não seja um impeditivo absoluto, a lei de iniciativa parlamentar não pode tratar da estruturação ou atribuição de órgãos. O projeto em tela, ao gerar uma nova demanda de fiscalização e ação social, interfere nas atribuições de órgãos existentes.
Portanto, o projeto apresenta vício de iniciativa formal, violando o princípio da separação dos poderes.
Com relação às questões de técnica legislativa, observo que o projeto de lei atendeu às principais diretrizes da Lei Complementar 95/98, o que não impede eventuais aperfeiçoamentos pelas Comissão deste Parlamento, dentro da margem da conveniência e oportunidade.
Nesse contexto, cumpre esclarecer que, conforme estabelece o art. 141 e seus parágrafos do Regimento Interno desta Câmara Legislativa, nos termos da Resolução nº 278/2020, as proposições devem ser protocolizadas eletronicamente ou, excepcionalmente, no Protocolo Geral da Casa, sendo numeradas em ordem sequencial e encaminhadas à Presidência, prevalecendo, em caso de matérias idênticas, a de protocolo mais antigo, com arquivamento das demais. No entanto, após consulta ao sistema legislativo e ao sítio eletrônico desta Casa, verifica-se que não há, nesta Sessão Legislativa, qualquer outra proposição com o mesmo objeto, não incidindo, portanto, o óbice de duplicidade previsto no referido artigo, tampouco a vedação do art. 67 da Constituição Federal, que trata da reapresentação de projetos rejeitados na mesma sessão legislativa.
Diante disso, ainda que reconhecendo os elevados valores que imbuíram a proposição da norma, não há como endossar o Projeto de Lei em avaliação, uma vez que trata da estruturação de órgãos do Executivo Municipal e revela-se inconstitucional por afrontar preceitos basilares da Constituição Federal, razão pela qual não pode prosperar.
3. CONCLUSÃO
Posto isso, firmada em todas as razões e fundamentos já expostos, opina esta Procuradoria pelo não prosseguimento do Projeto de Lei nº 269/2025, sobretudo diante do latente Vício Formal de iniciativa, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Ressaltamos que o presente Parecer é de natureza opinativa e não vinculatório específico para este processo, de modo que, todos aqueles participantes do processo, em especial o gestor público, dentro da margem de discricionariedade, juízo de valor e ação que lhes são conferidos, deverão diligenciar pela observância dos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais no caso em destaque.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que parecidos a este projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer.
Serra/ES, 26 de agosto de 2025.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
Procurador
Nº Funcional 4073096
MAYCON VICENTE DA SILVA
Assessor Jurídico
Nº Funcional 4113594-2
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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