Complemento da Ação: PROCESSO Nº.: 845/2022
PROJETO INDICATIVO Nº.: 09/2022
REQUERENTE: Vereador Ericson Duarte
ASSUNTO: Projeto Indicativo que dispõe sobre destinação de vagas de emprego para mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, no âmbito do município de Serra/ES.
PARECER Nº.: 591/2022
EMENTA: Reserva de Vagas. Mulheres. Violência Doméstica. Competência Suplementar. Iniciativa Privativa. Constitucionalidade. Prosseguimento.
PARECER PRÉVIO DA PROCURADORIA GERAL
1 - RELATÓRIO
A eminente Presidência desta Casa Legislativa encaminhou-nos, consoante disposição do artigo 139 c/c artigo 117, inciso XVII, da Resolução Municipal nº.: 278/2020[1], o Processo em epígrafe para análise e emissão do respectivo Parecer Jurídico, com a apreciação de sua juridicidade, legalidade, constitucionalidade e da técnica legislativa empregada, oportunizando assim a continuidade de sua tramitação.
Até o presente momento os Autos são compostos de Minuta de Projeto Indicativo (fls. 1), Justificativa (fls.2) e despachos de encaminhamento para elaboração de Parecer Jurídico prévio (fls. 4).
O Projeto Indicativo de Lei, por sua vez, de autoria do ilustríssimo e emérito Vereador ERICSON DUARTE, tem como objeto a destinação de vagas de emprego para mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, no âmbito do município de Serra/ES.
A justificativa[2] apresentada, pelo douto Vereador, se resume na necessidade de tonar as mulheres vítimas de violência doméstica menos vulneráveis. Uma das formas de sanar essa triste situação é mitigar sua dependência econômica em relação aos agressores.
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passo a opinar.
2 - FUNDAMENTAÇÃO
2.1 – Natureza Jurídica do Parecer
O Parecer corresponde a manifestação enunciativa, com finalidade precípua de auxiliar tecnicamente a autoridade solicitante, possuindo, portanto, caráter estritamente opinativo e orientador, consoante disposto no Anexo VI, Item 7.1 da Lei Municipal nº.: 2.656/2003.
Quanto ao seu objeto, a análise se restringirá aos aspectos legais e documentações carreadas, até o presente momento, nos autos em testilha, não cabendo a este órgão se imiscuir em questões meritórias ou discricionárias do Ordenador de Despesas.
Em arremate, consignamos que a emissão do parecer não representa impedimento a eventuais consultas e análises jurídicas suscitadas supervenientemente pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência desta Cassa Legislativa.
2.2 – Da Juridicidade e da Constitucionalidade
O controle de constitucionalidade consubstancia mecanismo importante à verificação da compatibilidade entre a lei ou qualquer ato normativo infraconstitucional à Carta Magna, apurando-se o fundamento de validade desta em face do ordenamento jurídico. Com relação ao tema, o autor Flávio Martins[3] apresenta um conceito elucidativo:
Controle de constitucionalidade consiste na verificação da compatibilidade das leis e dos atos normativos com a Constituição. Decorre da supremacia formal da Constituição sobre as demais leis do ordenamento jurídico de um país. Ora, se a Constituição é a lei mais importante do ordenamento jurídico, sendo o pressuposto de validade de todas as leis, para que uma lei seja válida precisa ser compatível com a Constituição. Caso a lei ou o ato normativo não seja compatível com a Constituição, será inválido, inconstitucional.
A própria Lei Orgânica Municipal (Lei nº.: 0/1990, art. 30, XI), de modo expresso, dispõe[4] o dever do Município ao respeito a constitucionalidade e a legalidade, nos seguintes termos:
Art. 30 - Compete ao Município da Serra:
[...]
XI - zelar pela guarda da Constituição Federal, da Constituição Estadual, desta Lei Orgânica, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;
Nessa vereda, ressalta-se que no presente parecer jurídico preliminar, de um modo geral, aprecia-se a legalidade e constitucionalidade do projeto de lei sobre três perspectivas elementares: i) a matéria legislativa proposta deve se encontrar entre aquelas autorizadas pela CF/88 aos Municípios; ii) se foi respeitada a rígida observância das preferências quanto à iniciativa para proposição prevista pela ordem jurídico-constitucional; iii) a possibilidade de violação por parte da matéria legislativa proposta à direitos fundamentais ou instituições tuteladas por regras ou princípios constitucionais.
Do ponto de vista material, e atentando para a regra constitucional que prescreve a competência legislativa local dos municípios, percebe que a Proposição em testilha busca concretizar os comandos da Constituição Federal[5], Estadual[6], a Lei Orgânica do Município[7], e a Lei nº.: 11.340/06 (Lei Maria da Penha)[8], sem prejuízo de outros preceitos igualmente aplicáveis.
Quanto a constitucionalidade formal a Constituição Federal prevê ser de competência legislativa dos municípios o poder de complementar (poder suplementar) a legislação federal e estadual para ajustar a sua execução às particularidades locais. Nesse mister legislativo, a lei municipal não poderá contrariá-las e deverá estar adstrita ao interesse local, requisito da repartição de competências dos municípios.
Esse raciocínio decorre da própria Legislação Pátria, mais precisamente da Constituição Federal (art.30, I e II), da Constituição Estadual (art.28, I e II) e da Lei Orgânica Municipal (Lei nº.: 0/1990, art. 30, I e II), a saber:
Constituição Federal:
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Constituição Estadual:
Art. 28. Compete ao Município:
I - legislar sobre assunto de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e estadual no que couber;
Lei Orgânica Municipal:
Art. 30. Compete ao Município da:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - Suplementar a legislação federal e estadual, no que couber;
Trata-se de um poder derivado do artigo 18 da Constituição Federal[9], no qual os Entes Federativos possuem autonomia para a sua organização político-administrativa, conforme lições[10] a seguir:
A autonomia é o poder atribuído aos entes federativos, constitucionalmente assegurado. Implica o poder de auto-organização, dentro dos limites constitucionais, de cada ente federativo, ou seja, um poder governamental próprio, político e administrativo. Para que a autonomia se concretize, é necessário que o ente federativo possua competências e rendas próprias.
O Projeto Indicativo de Lei nº.: 09/2022, consoante discrimina os artigos 1º, 2º e 3º da Minuta de Projeto de Lei, é matéria passível de suplementação, uma vez que não se pretende legislar sobre normas gerais, além de ser afeta ao interesse local.
Ademais, a competência para iniciativa da lei é privativa do Poder Executivo (princípio da reserva da Administração) por se tratar de uma norma destinada a criar obrigação à Prefeitura com repercussão em sua organização administrativa, adentrando, assim, no elenco das competências privativas dispostas no inciso V do parágrafo único do artigo 143 da Lei Municipal nº.: 0/1990, vejamos:
Art. 143 - A iniciativa das leis compete a qualquer Vereador ou Comissão da Câmara Municipal, ao Prefeito Municipal, e aos cidadãos na forma e nos casos previstos nesta Lei Orgânica.
Parágrafo Único. São de iniciativa privativa do Prefeito as leis que disponham sobre:
[...]
V - criação, estruturação e atribuições das Secretarias Municipais e órgãos do Poder Executivo;
(Grifos apostos)
Dessa forma, a proposição, ora analisada, não é inconstitucional ou ilegal por ser uma recomendação da Câmara Legislativa para que o Poder Executivo deflagre o início do processo legislativo sobre matéria de sua competência, não usurpando sua competência, conforme regulamentou a Resolução Municipal nº.: 278/2020 no artigo 136, a saber:
Art. 136 O Projeto Indicativo é a recomendação da Câmara Municipal da Serra ao Poder Executivo local, no sentido de que este promova a abertura de processo legislativo que verse sobre matéria de sua competência.
Parágrafo único. Os Projetos Indicativos terão a forma de Minuta de Projeto de Lei.
(Grifos apostos)
Significa que a Recomendação respeita a legitimidade do Poder Executivo para deflagrar a iniciativa de lei cuja matéria é de sua competência e segundo sua discricionariedade.
2.3 – Da Técnica Legislativa
Em relação a técnica legislativa aplicada à Minuta, verifica-se que preencheu as principais diretrizes da Lei Complementar nº.: 95/98 e da Resolução Municipal nº.: 278/2020.
Além disso, após consulta ao sítio eletrônico desta Casa, essa Proposição não se encontra rejeitada nesta Sessão Legislativa, não incidindo, a princípio, o óbice previsto no artigo 67 da CF.
3 - CONCLUSÃO
Ante o exposto, OPINA esta Procuradoria pelo PROSSEGUIMENTO do Projeto Indicativo de Lei nº.: 09/2022, eis que se encontra em conformidade com a Magna Carta e a legislação infraconstitucional.
Salienta-se que o presente Parecer não avaliou a oportunidade e conveniência da matéria, eis que é exclusiva do Vereador proponente, não cabendo a esta Procuradoria sobre ela emitir juízo de valor.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer.
À consideração superior.
Serra/ES, 18 de outubro de 2022.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
Procurador
Nº Funcional 4073096
LEANDRO PALHONI MAGEVISKI
Assessor Jurídico
Nº Funcional 4125029-00
[1] Art. 117 São modalidades de proposição:
[...]
XVII – os projetos indicativos;
Art. 139 As proposições constantes nos incisos I, II, III, IV, V, IX, XI, XII, XIV e XVI do art. 117, serão protocolizadas e submetidas pela Presidência à Procuradoria, no prazo de 05 dias úteis, para análise jurídica preliminar.
Parágrafo único. Nos casos de proposições submetidas ao regime de urgência especial, a Procuradoria será instada a se manifestar de imediato.
[2] Art. 122, III da Resolução nº.: 278/2020
[3] MARTINS, Flávio. Curso de Direito Constitucional. 3ª ed. São Paulo, SP: SaraivaJur. 2019.
[4] De igual forma os artigos 29 e 20 da Constituição Federal e Estadual, respectivamente:
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
Art. 20 - O Município rege-se por sua lei orgânica e leis que adotar, observados os princípios da Constituição Federal e os desta Constituição.
(Grifos apostos)
[5] Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
III - a dignidade da pessoa humana;
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
(Grifos apostos)
[6] Art. 124. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, consiste em garantir as pessoas o pleno e livre exercício dos direitos e garantias fundamentais, individuais, coletivos, sociais e políticos estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
[7] Art. 14 - É assegurado a todo cidadão, nos termos das Constituições Federal e Estadual e desta Lei Orgânica, o direito social à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância, à assistência aos desamparados, bem como ao transporte e ao meio ambiente equilibrado e ao seu desenvolvimento com a construção de uma comunidade livre, justa e solidária, fundamentada na autonomia, na cidadania, na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho e no pluralismo político, exercendo seu poder de decisão de munícipe.
(Grifos apostos)
[8] Art. 2º - Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.
Art. 3º - Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
[...]
§ 2º - Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.
Art. 8º - A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:
(Grifos apostos)
[9] Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.
[10] Constituição Federal Interpretada. Organizadores Costa Machado e Anna Candida da Cunha Ferraz. 9ª Ed. Barueri, SP: Malone, 2018. Página 120.
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