Recebimento: 14/03/2023 |
Fase: Emitir Parecer |
Setor:Procuradoria |
Envio: 22/05/2023 13:58:21 |
Ação: Parecer Emitido
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Tempo gasto: 69 dias, 2 horas, 56 minutos
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Complemento da Ação: Processo nº: 859/2023
Projeto de lei nº: 50/2023
Requerente: Vereador Igor Elson
Assunto: Projeto de Lei que proíbe interrupção serviço água e energia elétrica, e dá outras providências no Município da Serra.
Parecer nº: 300/2023
PARECER PRÉVIO DA PROCURADORIA GERAL
DOS FATOS
Cuidam os autos de Projeto de Lei de autoria do Vereador Igor Elson que “Dispõe sobre a proibição da suspensão do fornecimento de água e energia elétrica, nos imóveis onde residam pessoas enfermas, em fase terminal ou acamadas, que integram o cadastro único no âmbito do Município de Serra.”
Em sua justificativa, pretende o Vereador proporcionar às pessoas de baixa renda a proibição da interrupção dos serviços considerados essenciais.
Diante disso, a Presidência desta Casa de Leis encaminhou-nos o processo para a necessária averiguação quantos aos aspectos legais e constitucionais.
FUNDAMENTAÇÃO:
Nestes termos, relatado o feito na forma dos parágrafos anteriores, passamos a opinar.
Inicialmente, cumpre destacar que a elevação de um Projeto ao patamar de Lei Municipal passa sempre pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Do ponto de vista da regra constitucional que prescreve a competência legislativa local do município para legislar em assuntos de interesse local, ve-se que do ordenamento jurídico pátrio se extrai que ao município cabe promover a iniciativa de leis que atendam o interesse local. E, este entendimento decorre do Art. 30, I e II, da Constituição Federal, do Art. 28, I e II, da Constituição Estadual e do Art. 30, I, II e V, e 99, XIV, da Lei Orgânica Municipal, todos dispositivos que asseguram a competência da Câmara Municipal para legislar acerca de assuntos de interesse local, suplementando a legislação federal e estadual.
Ademais, cumpre-nos reeditar que o princípio do interesse público restou já fundamentado, pois ao versar o projeto de lei em espeque de matéria que visa promover a salvaguarda das pessoas portadoras de deficiência no âmbito do Município da Serra, a proposição atende o que explicita a LOM em seu Art. 13 que o Município tem o dever de amparar as pessoas com deficiência defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes a vida. Vejamos o citado dispositivo da LOM, “verbis”:
“Art. 13 - A família, a sociedade e o Município têm o dever de amparar as pessoas idosas e as pessoas com deficiência, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
Cumpre-nos registrar também, que a iniciativa entabulada no projeto de lei em avaliação, atende o que dispõe o inciso “XX” do Art. 30 da LOM que exara ser da alçada do Município da Serra combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos.
Todavia, mesmo se tratando de matéria de interesse local, cabe-nos trazer a lume que, a matéria tratada esbarra no rol daquelas de competência privativa da União nos termos da alínea “b” do inciso “XXII” do Art. 21 da CRFB/88, especialmente no que se refere a Energia Elétrica, o que de pronto cumpre-nos registrar haver óbice para que o assunto seja regulado por Lei Municipal. Vejamos o epigrafado dispositivo constitucional, “verbis”:
“Art. 21. Compete à União:
XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;” (grifos nossos).
Assim, em que pese a natureza feliz da propositura do projeto de lei em análise, ao município resta vedada competência para legislar em matéria que figure o fornecimento de energia elétrica. Ademais, a União detentora de exclusiva competência na matéria, já formatou a concessão de benefício social que alcança a todos os cidadãos hipossuficientes financeiramente, registre-se primando pelo princípio da isonomia.
Também cabe-nos fundamentar posicionamento quanto a tarifa de fornecimento de água e de esgoto. Nesse quesito, não se vislumbraria nenhum óbice à que o projeto tenha sua gênese na iniciativa municipal, uma vez que ao município está legado legislar, acerca de assunto de interesse local, especialmente no que se refere ao fornecimento de água e ao tratamento de esgoto e, isso é o que se extrai do disposto nas alíneas “a” e “b” do inciso “XXIII” do Art. 30 da LOM. Vejamos, “in verbis”:
“Art. 30 - Compete ao Município da Serra:
XXIII - prover sobre os seguintes serviços, quanto a sua organização e funcionamento;
a) abastecimento de água;
b) esgoto sanitário e pluvial;
É consabido que quanto aos serviços de abastecimento de água e de coleta de esgoto cumpre assinalar serem serviços públicos prestados em âmbito local, como já suscitado, sob competência dos Municípios, razão pela qual cabe a esses entes legislar sobre a especificidade da questão tarifária.
Todavia, no que concerne aos aspectos da lei quanto aos serviços de água, entendemos que ocorre vício de iniciativa, conforme julgamento esclarecedor proferido pelo E. Tribunal de Justiça de Minas Gerais sobre o tema em apreço, conforme se vê:
“TARIFA DE ÁGUA E ESGOTO - MATÉRIA NÃO TRIBUTÁRIA - RELAÇÃO JURÍDICO-ADMINISTRATIVA - LEI MUNICIPAL DE INICIATIVA DO PODER LEGISLATIVO QUE ALTERA A POLÍTICA TARIFÁRIA ELEITA PELO GESTOR MUNICIPAL - IMPOSSIBILIDADE - PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA DOS PODERES - INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL CONSTATADA - PROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO. Os Tribunais Superiores pacificaram entendimento no sentido de que os serviços de água e esgoto são remunerados por tarifa, situação que inviabiliza a solução de eventual controvérsia em relação à matéria segundo regras de direito tributário. Descabe ao Poder Legislativo a iniciativa de lei tendente a promover a alteração da política tarifária do serviço de água e esgoto eleita pelo Chefe do Poder Executivo, pois a iniciativa parlamentar deve se orientar pela independência e a harmonia, sob pena de vulnerar o princípio da separação dos poderes contemplado no artigo 173 da Constituição Estadual. VV: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - MATÉRIA TRIBUTÁRIA - INICIATIVA LEGISLATIVA . Iniciativa legislativa de lei envolvendo assunto tributário não é exclusiva do Chefe do Poder Executivo, cabendo, concorrentemente, a qualquer membro do Legislativo e ao Chefe do Executivo Municipal. (TJ-MG - Ação Direta Inconst: 10000120585740000 MG, Relator: Márcia Milanez, Data de Julgamento: 22/01/2014, Órgão Especial / ÓRGÃO ESPECIAL, Data de Publicação: 03/02/2014)” – grifo nosso
Destarte, sob qualquer prisma que se analise o projeto em voga, é possível deduzir que o mesmo apresenta vício formal subjetivo em sua proposição, fato este que macula o procedimento como um todo, reforçado pelo julgado abaixo:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI N"10.314/08, DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO - POLÍTICA DE GESTÃO DE RESÍDUOS REUTILIZÁVEIS E INCENTIVOS À COLETA SELETIVA DE LIXO NO MUNICÍPIO - CRIAÇÃO DE OBRIGAÇÕES AO PODER EXECUTIVO E DE ATRIBUIÇÕES ÀS SECRETARIAS DE FORMA INDIVIDUALIZADA - MEDIDAS QUE CONSTITUEM ATOS DE GESTÃO, CONCERNENTES À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - VÍCIO DE INICIATIVA E INVASÃO DE COMPETÊNCIA - ARTS. 5o, 25, 24, § 2", II,47, II, XIE XIV, E 144 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PA ULO- LIMINAR RA TI FICADA -AÇÃO PROCEDENTE. "Em que pese o nobre escopo da lei impugnada, o ato normativo é verticalmente incompatível com a sistemática constitucional, pois, tendo se originado de projeto de autoria de vereador, criou obrigações e estabeleceu condutas a serem cumpridas pela Administração Pública, prevendo-lhe a execução de serviços e atividades, onerando-a e sobrecarregando-a. Além disso, tratou de matérias que constituem atos de gestão, como, por exemplo, educação sanitária e ambiental, coleta seletiva e atribuições de Secretarias Municipais. Ante o vício de iniciativa e a invasão de competência, declara-se inconstitucional a Lei n"10.314/08, do Município de São José do Rio Preto".(TJ-SP - ADI: 994092211098 SP, Relator: Artur Marques, Data de Julgamento: 10/03/2010, Órgão Especial, Data de Publicação: 05/04/2010).”
Com relação às questões de técnica legislativa, observo que o projeto de lei atendeu às principais diretrizes da Lei Complementar 95/98, o que não impede eventuais aperfeiçoamentos pelas Comissão deste Parlamento, dentro da margem da conveniência e oportunidade.
Ressalto ainda que em consulta ao sítio eletrônico desta Casa, esta proposta legislativa não se encontra rejeitada nesta Sessão Legislativa, não incidindo, a princípio, o óbice previsto no artigo 67 da CF.
Destarte, nada obsta que posteriormente, a matéria contida nestes autos de processo legislativo seja enviada por meio de Projeto Indicativo.
Como se sabe, o Projeto Indicativo é modalidade de proposição inserta no Regimento Interno da Câmara Municipal, especificamente no artigo 136, que se conceitua como a recomendação da Câmara de Vereadores ao Poder Executivo Municipal, em forma de Minuta de Lei, para que aquele Poder inicie processo legislativo sobre matéria de sua competência privativa.
Para melhor compreensão, vejamos a transcrição de alguns dos dispositivos legais que regulamentam o Projeto Indicativo:
Art. 136. O Projeto Indicativo é a recomendação da Câmara Municipal da Serra ao Poder Executivo local, no sentido de que este promova a abertura de processo legislativo que verse sobre matéria de sua competência. Parágrafo único. Os Projetos Indicativos terão a forma de Minuta de Projeto de Lei.
Feita a transcrição, fica claro que a veiculação válida do Projeto Indicativo está necessariamente atrelada à verificação no caso de dois requisitos, quais sejam, que a matéria versada seja de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo e que, como em qualquer ato da Administração, haja interesse público em sua realização.
No caso concreto entendemos satisfeito o quesito “iniciativa privativa do Prefeito”, pelos fundamentos descritos anteriormente, de modo que a referida matéria poderá, caso entendam os nobres edis, ser enviada por meio de Projeto Indicativo.
Diante disso, ainda que reconhecendo os elevados valores que fundamentaram a proposição da norma, não há como endossar o Projeto de Lei em avaliação.
CONCLUSÃO
Posto isso, firmada em todas as razões e fundamentos já expostos, opina esta Procuradoria pelo NÃO regular prosseguimento do Projeto de Lei nº 50/2023, seja em virtude da inconstitucionalidade material em se legislar sobre energia elétrica, seja em virtude de vício de iniciativa com relação à regulamentação de água e esgoto, sem embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que semelhantes ao presente projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer.
Serra/ES, 22 de maio de 2023.
FERNANDO CARLOS DILEN DA SILVA
Procurador
Nº Funcional 4073096
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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