Complemento da Ação:
PROCESSO Nº 1428/2024.
REQUERENTE: Presidência.
ASSUNTO: Projeto de Lei nº 134/2024 de autoria do Vereador Anderson Muniz e outros.
PARECER Nº 431/2024.
PARECER DA PROCURADORIA-GERAL
I - RELATÓRIO
Versam os autos sobre o Projeto de Lei nº 134/2024, de autoria do Vereador ANDERSON MUNIZ e outros, assim ementado: “DISPÕE SOBRE A INCLUSÃO DE REPRESENTANTE DA 17ª SUBSEÇÃO DA SERRA DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SEÇÃO ESPÍRITO SANTO (OAB-ES) COMO MEMBRO PERMANENTE NOS CONSELHOS MUNICIPAIS DA CIDADE DA SERRA-ES”.
Instruem os presentes autos, até o presente momento, o referido projeto de lei e a justificativa para sua edição.
Foram encaminhados os presentes autos à Presidência desta Casa de Leis, a qual conheceu a Mensagem e, ato contínuo, os remeteu a esta D. Procuradoria para análise e confecção de Parecer Jurídico Preliminar, nos termos do item 7.1 da Lei Municipal nº 2.656/2003.
Sem mais considerações, é o relato necessário.
Passo à análise.
II – FUNDAMENTAÇÃO.
II.1 – DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DO ENTE POLÍTICO.
Ab initio, é preciso ressaltar que o presente parecer é meramente opinativo e decorre do mandamento consubstanciado no item 7.1 da Lei Municipal nº 2.656/2006, o qual determina à Procuradoria o assessoramento da Mesa Diretora e da Presidência desta Augusta Casa de Leis, a fim de assegurar a correta e justa aplicação do ordenamento jurídico pátrio.
Nesse sentido, insta frisar que a emissão do presente parecer não representa óbice a eventual análise jurídica acerca de outras questões não abordadas no mesmo ou no tocante ao mérito da matéria submetida ao apreço, em caso de solicitação pelas Comissões, Mesa Diretora ou Presidência.
Ultrapassadas estas premissas, cumpre-nos destacar que a elevação de um Projeto ao patamar de Lei Municipal passa sempre pela comprovação dos requisitos constitucionais e legais para a sua regular tramitação.
Preliminarmente, é necessário analisar se a deflagração do processo legislativo observou a divisão de competências estabelecida pela Constituição Federal de 1988, isto é, se a propositura do projeto de lei se deu pelo Ente Político competente para tanto, sob pena de haver vício formal que macule integralmente o procedimento.
Nesse aspecto, vislumbramos que o projeto sub examine trata da representatividade da Ordem dos Advogados do Brasil, mais precisamente da 17ª Subseção nos Conselhos Municipais da cidade de Serra – ES, razão pela qual está em consonância com o que dispõe os artigos 1º, 18, 29 e 30 da CRFB/88, de reprodução obrigatória nas Constituições Estaduais.
Em outras palavras, cabe ao Município, pois, a sua organização interna, incluindo-se ai´ a criação de órgãos ou entidades públicas, ou sociedades paraestatais. Para tanto, impõe-se observar os comandos constitucionais dirigidos a` Administração Pública e ao processo legislativo, bem como os preceitos das leis de caráter nacional ou complementar.
II.2 – DA INICIATIVA LEGISLATIVA. VÍCIO FORMAL SUBJETIVO ORGÂNICO. INCONSTITUCIONALIDADE NOMODINÂMICA.
Os Conselhos Municipais compõem a categoria de órgãos colegiados de assessoramento, integrantes da estrutura organizacional da Administração local, cujo objetivo específico e´ estudar, incentivar e apresentar sugestões e conclusões a respeito dos assuntos que lhes são afetos. Não têm personalidade jurídica, não legislam nem julgam, porquanto se reputam organismos de consulta, voltados para a discussão das políticas públicas locais.
A finalidade precípua dos Conselhos consiste em colaborar com a formulação de políticas públicas, auxiliando a autoridade local na tomada das decisões, fiscalizando ou mesmo gerindo determinadas áreas de atuação municipal cujo interesse torne necessário certo direcionamento e/ou especialização.
Destarte, é inevitável a conclusão de que os Conselhos pertencem à estrutura organizacional da Administração Pública municipal e, como tal, quaisquer atos legislativos, sejam eles de ordem primária ou secundária, devem ser editados por iniciativa do Poder Executivo, nos termos do que dispõe o artigo 61, §1º, II, alínea “e” da CRFB/88 (comando esse aplicável aos Municípios por se tratar de princípio informador do Processo Legislativo e força do princípio da simetria) e artigo 143, parágrafo único da LOM.
Nota-se que o entendimento ora perfilhado se coaduna com a jurisprudência pátria a saber:
"Processo legislativo: reserva de iniciativa ao Poder Executivo (CF, art. 61, § 1°, e): regra de absorc¸a~o compulso´ria pelos Estados-membros, violada por lei local de iniciativa parlamentar que criou o´rga~o da administrac¸a~o pu´blica (Conselho de Transporte da Regia~o Metropolitana de Sa~o Paulo – CTM): inconstitucionalidade.” (STF, Tribunal Pleno, ADIn no 1391/SP, rel. Min. SEPU´LVEDA PERTENCE, pub. no DJ de 07.06.2002, p. 81). – grifo nosso
Nessa mesma linha de intelecção:
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI Nº 4.319/2019, DO MUNICÍPIO DE LAGOA SANTA - INICIATIVA DO PODER LEGISLATIVO - ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - CRIAÇÃO DE CONSELHO MUNICIPAL - MATÉRIA AFETA AO CHEFE DO PODER EXECUTIVO - VÍCIO DE INICIATIVA - OFENSA À SEPARAÇÃO DE PODERES - INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA. A legislação que cuida de matéria atinente à organização administrativa é de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. Sendo assim, a lei de iniciativa parlamentar que cria Conselho Municipal e estabelece suas atribuições é formalmente inconstitucional, por usurpação da competência do Chefe do Executivo. (TJ-MG - Ação Direta Inconst: 10000190469445000 MG, Relator: Edison Feital Leite, Data de Julgamento: 27/11/2019, Data de Publicação: 03/12/2019)”. – grifo nosso.
Nessa perspectiva, diversos são os diplomas legais que cuidam de políticas públicas e determinam expressamente a criação de Conselhos, cada um com sua especificidade e natureza, consultivo, deliberativo e gestor, conforme se depreende da Lei nº 10.257/01, denominada Estatuto da Cidade, nos seus arts. 43 e 44; a Lei Federal nº 11. 124/2005, que criou o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, SNHIS, cujo art. 5º prevê^ expressamente a criação de conselho; a Lei Nacional de Saneamento Básico, nº 11.445/2007, também prevê^ em seu art. 47, a criação de órgão consultivo; a Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, no 12.305/2010, em seu art. 8o; e mais recentemente, a Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana, no 12.587/2012, também positiva o princípio da gestão democrática e do controle social no seu art. 5º.
Em outras palavras, uma vez desrespeitada a titularidade para a apresentação da proposta legislativa, ocorrera´ a usurpação de iniciativa, o que acarreta inconstitucionalidade por desobediência ao princípio da separação do poder, inserto no art. 2º da Constituição Federal (e que esta´ em consonância com o art. 37 da nossa Lei Orgânica).
Trazemos à baila os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles acerca do tema em virtude de seu caráter pedagógico:
“A iniciativa reservada ou privativa assegura o privilégio do projeto ao seu titular, possibilita-lhe a retirada a qualquer momento antes da votação e limita qualitativa e quantitativamente o poder de emenda, para que não se desfigure nem se amplie o projeto original; só´ o autor pode oferecer modificações substanciais, através de mensagem aditiva. No mais, sujeita-se a tramitação regimental em situação idêntica a dos outros projetos, advertindo-se, porém, que a usurpação de iniciativa conduz a` irremediável nulidade da lei, insanável mesmo pela sanção ou promulgação de quem poderia oferecer o projeto. [...].” – grifo nosso.
Ante o exposto, embora louvável a iniciativa parlamentar, sob qualquer prisma que se analise o projeto de lei em epígrafe, resta insofismável que este padece de vício de inconstitucionalidade formal, razão pela qual opinamos pelo seu não prosseguimento.
II.3 – DO PROJETO DE LEI MERAMENTE AUTORIZATIVO.
O Supremo Tribunal Federal tem posicionamento firme acerca da edição de lei meramente autorizativas, no sentido de que a finalidade da edição das leis desta natureza não pode ser desvirtuada a pretexto de produzir interferência na atividade privativa do Chefe do Executivo, senão vejamos:
“O fato de a lei impugnada ser meramente autorizativa não lhe retira a características de inconstitucionalidade, que a desqualifica pela raiz”. (STF, Pleno, Repr. 686-GB, in Revista da PGE, vol. 16, pág. 276).” – grifo nosso.
Em feliz síntese, o Ministro Celso de Mello, já sob a égide da Constituição de 1988, ponderou:
“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (ADIMC-724-RS, Julgamento em 07.05.1992 – Tribunal Pleno).”
Além disso, importa salientar que a usurpação de competência fere o princípio da reserva da administração, como já decidido, senão vejamos:
“RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. – O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).”
A despeito do acima exposto, é importante distinguir a autorização legislativa da lei autorizativa, devendo aquela primar pela observância da reserva de iniciativa. Ainda que a lei contenha autorização (lei autorizativa) ou permissão (norma permissiva), padece de inconstitucionalidade.
Em essência, houve invasão manifesta da gestão pública, assunto da alçada exclusiva do Chefe do Poder Executivo, violando sua prerrogativa de análise da conveniência e da oportunidade das providências previstas na lei.
Lição doutrinária abalizada, analisando a natureza dessa espécie legislativa, especialmente quando votadas contra a vontade de que poderia solicitar a autorização, ensina que:
“(…) insistente na prática legislativa brasileira, a ‘lei’ autorizativa constitui um expediente, usado por parlamentares, para granjear o crédito político pela realização de obras ou serviços em campos materiais nos quais não têm iniciativa das leis, em geral matérias administrativas. Mediante esse tipo de ‘leis’, passam eles, de autores do projeto de lei, a co-autores da obra ou serviço autorizado. Os constituintes consideraram tais obras e serviços como estranhos aos legisladores e, por isso, os subtraíram da iniciativa parlamentar das leis. Para compensar essa perda, realmente exagerada, surgiu ‘lei’ autorizativa, praticada cada vez mais exageradamente autorizativa é a ‘lei’ que – por não poder determinar – limita-se a autorizar o Poder Executivo a executar atos que já lhe estão autorizados pela Constituição, pois estão dentro da competência constitucional desse Poder. O texto da ‘lei’ começa por uma expressão que se tornou padrão: ‘Fica o Poder Executivo autorizado a…’ O objeto da autorização – por já ser de competência constitucional do Executivo – não poderia ser ‘determinado’, mas é apenas ‘autorizado’ pelo Legislativo, tais ‘leis’, óbvio, são sempre de iniciativa parlamentar, pois jamais teria cabimento o Executivo se autorizar a si próprio, muito menos onde já o autoriza a própria Constituição. Elas constituem um vício patente” (Sérgio Resende de Barros. “Leis Autorizativas”, in Revista da Instituição Toledo de Ensino, Bauru, ago/nov 2000, p. 262).”
Em apertada síntese, a lei que autoriza o Poder Executivo a agir em matérias de sua iniciativa privada implica, em verdade, uma determinação, sendo, portanto, inconstitucional.
Em virtude do seu caráter pedagógico, colacionamos julgado do E. TJSP, in verbis:
“A lei inquinada originou-se de projeto de autoria de vereador e procura criar, a pretexto de ser meramente autorizativa, obrigações e deveres para a Administração Municipal, o que redunda em vício de iniciativa e usurpação de competência do Poder Executivo. Ademais, a Administração Pública não necessita de autorização para desempenhar funções das quais já está imbuída por força de mandamentos constitucionais (TJSP, ADI 994.09.223993-1, Rel. Des. Artur Marques, v.u., 19-05-2010).” – grifo nosso.
Em que pese o acima exposto, o regimento interno desta Casa Legislativa dispõe de remédio para a apresentação de proposta autorizativa ao Chefe do Executivo, denominada Projeto Indicativo, com previsão no artigo 136 do RI.
Diante disso, apesar de reconhecer a importância da matéria contida no bojo do projeto de lei ora analisado, é forçoso concluir pela impossibilidade de manejo da lei meramente autorizativa para a efetivação de doação de bem público imóvel.
III – CONCLUSÃO.
Ex positis, firmados em todas as razões expostas na fundamentação supra, que integra o presente parecer jurídico, CONCLUO pelo não prosseguimento do Projeto de Lei nº 134/2024, haja vista que este padece de vício de inconstitucionalidade formal subjetiva, por violação à separação de poderes e ao disposto no parágrafo único do artigo 143 da LOM.
Ressalta-se, que a presente análise prefacial não traduz embargos de eventual análise jurídica sobre o mérito da presente matéria, em caso de solicitação pelas Comissões Competentes, Mesa Diretora e Presidência ou outras questões não abordadas neste parecer.
Destarte, ressaltamos que, incumbe a esta Procuradoria Geral prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo adentrar nas razões e pertinência temática do projeto, motivo pelo qual o presente posicionamento não contém natureza vinculativa e sim opinativa, não vinculando o posicionamento desta Procuradoria para outras situações concretas, ainda que parecidos a este projeto.
Esses são os esclarecimentos que formam nosso parecer, SMJ.
Parecer em 13 (treze) laudas.
À consideração superior.
Serra/ ES, em 12 de junho 2024.
LUIZ GUSTAVO GALLON BIANCHI
Procurador
Matr. 4075277
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